A liberdade de existirmos

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Nos 50 anos do 25 de Abril celebramos a paz, a liberdade e a democracia, bem como o desenvolvimento económico de Portugal neste período. Alguém que hoje passe dificuldades financeiras e sinta que vive injustiçado sempre que olha para o lado e vê aqueles que têm o que ele não tem provavelmente não concordará comigo. O facto de eu poder estar aqui a escrever este artigo e de quem quer que seja dele poder discordar publicamente e isso ser apenas normal é também fruto da Revolução dos Cravos.

Hoje as nossas exigências são diferentes. São, parece-me, centradas cada vez mais nas necessidades individuais e autocentradas, partindo de acontecimentos específicos e esporádicos e generalizando-os na construção da realidade de cada um. Não é certamente comparando com o ponto de partida de 1974, mas sim do dia de ontem.

Estamos melhores que ontem ou não? Se não, a democracia está a falhar, o regime não serve e precisamos de mudar tudo, acabar com os malandros que estão no poder e substituir por aqueles “puros” que farão a grande diferença, como se o problema do país fossem os políticos e estes não fossem cidadãos iguais a todos os outros… só que fazem política. Sabemos bem como os processos mentais de percepção e tomada de decisão nos pregam rasteiras.

Uma das conquistas do 25 de Abril é o Serviço Nacional de Saúde. Não há sistemas perfeitos ou organizações impolutas. Todavia, temos factos que sustentam os avanços que conseguimos, para além do que corre mal no acesso a uma urgência, num erro cometido por um profissional de saúde ou no tempo de espera para uma consulta e exame. A disseminação sistemática do caso, da dezena de casos ou mais, em milhares e milhares de actos em saúde como se fossem a regra cria uma imagem de mau funcionamento que esconde os maus funcionamentos verdadeiramente existentes, significativos e que necessitam de ser resolvidos.

Já repararam na coincidência de ter deixado de se falar do “caos” na saúde desde o dia 10 de Março? Ficou resolvido? Nunca existiu? Deixou de se falar? Falou-se demais para aquilo que realmente existia? Coincidência? E se, entretanto, começar novamente a fazer-se sentir agora que já há um novo Governo?

Face ao que fizemos nestes 50 anos devemos ter a esperança que muito mais e melhor podemos fazer no futuro, agora que construímos em cima de muito melhores bases. Em 1974, Portugal tinha pouco mais de 100 médicos por cada 100 mil habitantes, enquanto em 2021 era pelo menos quatro vezes mais. Em 1974 eram 205 enfermeiros para cada 100 mil habitantes, enquanto em 2021 eram já mais de 700. Os psicólogos mal ainda existiam, com apenas um curso de psicologia no país, privado, criado no final dos anos 60.

Hoje, somos quase 28.000. Se ainda está muito por fazer, também é justo reconhecer que hoje é incomparável o reconhecimento da profissão, a sua existência por toda a sociedade, o muito maior acesso dos cidadãos aos serviços, o contributo que tem dado para a desestigmatização da doença mental, para os cuidados de saúde mental e para o conhecimento que a intervenção psicológica vai para além da doença e da saúde e está no desempenho e na construção de respostas para os desafios societais.

A profissão e a ciência que a suporta têm dado um contributo essencial para o progresso social e para a defesa dos direitos humanos que nos balizam a vida em sociedade, para melhor justiça, mais equidade, mais saúde e sucesso escolar. Sem democracia não o poderíamos ter feito como até aqui, como é possível ver pelas dificuldades dos nossos colegas que vivem e trabalham em países com menos liberdades e garantias.

O futuro será o que continuarmos a construir, não esquecendo o que foi feito e de onde estamos a partir. Portugal, segundo o Global Freedom Status tem 96 pontos em 100, apenas menos um ponto do que o Reino Unido. É certo que temos muitos problemas para resolver, mas este é o momento em que comemoramos o caminho e conquistas que fizemos, a liberdade e o que ela nos tem permitido fazer pelo desenvolvimento do país. Para os psicólogos, a liberdade é a liberdade de existir. Para cada um de nós é a liberdade de poder ser.

Viva o 25 de Abril! Viva a liberdade!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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