A transição energética a patinar e muito

2 dias atrás 34

1. O consumo global de energia no planeta atingiu, em 2023, um novo máximo (619,6 exa-joules), superior em 2% ao ano anterior. A questão não está no crescimento, até poderá ser um excelente indicador, pois o Mundo precisa de mais energia para viver melhor e desenvolver-se, nomeadamente em zonas como África, América-Latina. O problema permanece na composição do consumo em que 81,5% continua a ser satisfeito por combustíveis fósseis, uma queda apenas de 0,4% em relação a 2022 (Fonte: Statistical Review of World Energy, 2024).

Tanto investimento, tanta propaganda, tantas COP (aliás, todos os anos há COP, certamente de muito interesse turístico) para tão poucos avanços no combate às alterações climáticas. Com elevada probabilidade, a receita de mudança não estará a ser a adequada. Se nessas COP ainda se discutisse o que falha! Mas são mais uma “feira de vaidades” e sobretudo sítio de encontros de negócios.

2. A transição energética devia ser um processo de transferência de recursos para a introdução de novas tecnologias, com vista a atingir metas apropriadas.  Por isto, os custos tecnológicos situam-se mais no investimento e menos na operacionalização.

A transição energética actual consiste numa mudança de paradigma produtivo que transforma o processo de produção da energia na base de combustíveis fósseis para as de baixo carbono (nuclear e renováveis).

Mas a transição energética, que tem por finalidade dar combate às alterações climáticas em curso que todos os dias nos batem à porta, com múltiplos estragos materiais e muitas perdas de vidas humanas, é acima de tudo “um negócio” e só, depois, então, procura responder a finalidades ambientais e humanas.

Vamos a dois exemplos. Um americano e outro europeu: os veículos eléctricos.

3. Todos sabemos. A China é o país mais avançado nos domínios das tecnologias de produção de veículos eléctricos e de baterias, peça-chave deste tipo de veículo. Em 2023, o volume de vendas destes veículos a bateria (excluindo os mistos, plug-in) atingiu 10 milhões de unidades contra 7.5 milhões no ano anterior, sendo 60% distribuídos pela China, 25% UE e 10% EUA.

Acontece que as transações internacionais deste sector não resultam da dinâmica do mercado, mas são um assunto de teor essencialmente político. E as tarifas aduaneiras impostas recentemente pelos EUA e pela União Europeia às exportações de automóveis eléctricos oriundos da China, embora em percentagens diferentes por razões também diferentes, vêm provar o que se acaba de se dizer, até porque a penetração no mercado americano do veículo eléctrico chinês é tão diminuto que não as justificam.

4. Então que razões reais para tão exagerada subida das taxas aduaneiras de 25% para 100% no mercado americano?

Recuando um pouco no tempo, a governação Biden nas relações com a China, contra as expectativas de vários analistas, não trouxe nada de diferente de Trump. As relações continuaram/continuam muito tensas e o que prevalece são medidas de política pelo lado americano para preservar o domínio das tecnologias que serão determinantes nas próximas décadas. E esta área dos veículos, importante em termos de descarbonização da economia, poderá ser crucial nas próximas décadas. Os EUA têm consciência que perderam esta guerra, por várias razões, mas sobretudo estão a ver que não conseguem competir na superioridade tecnológica com a China.

As explicações justificativas são muito variadas, mas ilusórias. Houve uma averiguação sobre prática de dumping por parte da China. Não houve conclusões assertivas. Mas tudo serviu para justificar. Inclusive constituiu-se uma comissão bipartidária para análise de “roubo” pelos chineses de “propriedade industrial” dos EUA, esquecendo-se que um sector não pode desenvolver-se na base da cópia e que casos de cópia existem em todo o lado.

O que aconteceu foi uma planificação rigorosa com a finalidade de dominar esta indústria até porque a China domina o mercado mundial de matérias-primas, para esta produção, as conhecidas terras raras e, certamente, vai tentar defender esse quase monopólio, como qualquer outro país faria.

Esta potencial perda de superioridade tecnológica aterroriza os EUA há mais de 20 anos. Quando se aperceberam em perda nesta e outras áreas (fotovoltaicas, aerogeradores) começaram a recorrer a todos os meios para limitar os prejuízos. A introdução de taxas alfandegárias, contornando todas as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), desprestigia as instituições e quebra as regras de comércio, internacionalmente aceites, porque politiza descaradamente o problema do comércio. E é o que mais uma vez foi feito. Ainda não se conhece por onde a China retaliará, mas de certeza que o vai fazer. Anote-se que Musk (o grande senhor no Ocidente do carro eléctrico) é contra esta decisão de Biden.

5. O caso europeu é bem diferente. Em Bruxelas, também se anunciou, há um certo tempo, a análise da situação de dumping sem grandes conclusões, mas a Comissão Europeia contra a opinião de vários países-membros e empresas impõe o aumento de tarifas alfandegárias provisórias, embora mais brandas (15% a 30%), podendo atingir em certos casos 38%. Houve partidos como a CDU/CSU que fez campanha nas eleições europeias contra esta medida da Comissão, alegando que prejudicava países-membros e empresas europeias que mantêm investimentos na China e estão a negociar investimentos na Europa com ligação a capital chinês, como a Stellantis, quer na produção de baterias quer de veículos.

Esta indústria não está de boa saúde na União Europeia. Até o Tribunal de Contas Europeu “arrasou” a já célebre decisão de Bruxelas em querer acabar com carros a gasóleo e a gasolina até 2035, aconselhando a ponderação do equilíbrio entre prioridades ecológicas e política industrial e manifestando-se sobre o atraso da indústria de baterias na UE face aos seus concorrentes mundiais num mercado claramente dominado pela China.

Mas aqui a China não tardou a ripostar e aponta analisar a situação da importação de carne de porco e abates da União Europeia, alegando que a Europa através da PAC dá incentivos que distorcem a concorrência e, assim, tenciona aplicar a mesma conduta que a União Europeia lhe está a aplicar.

Mais uma vez, a União Europeia, apesar da discordância de alguns países-membros, age a reboque dos Estados Unidos. Temos aqui a funcionar, mais uma vez, a frase assassina de Jeffrey Sachs, célebre economista americano: “Fico muito triste por ver como a Europa é manipulada e dividida pelos EUA” (entrevista Público 16/06/2024), completando: “Estamos numa época de grandes potências. Há a China, a Índia, os Estados Unidos, a Rússia. Precisamos da Europa como uma verdadeira união, não como simples subordinada aos interesses hegemónicos dos EUA”.

Na verdade, foram montadas instituições internacionais para regular várias áreas críticas de interesses entre blocos, países e, depois, “inferiorizámo-las” não cumprindo as normas multilateralmente acordadas. Rebaixa-se a diplomacia a que deve ser reconhecida no Mundo uma função nobre, na resolução destes conflitos, com vista ao encontro de equilíbrios de interesses.

Há, de facto, tanto a rever para um Mundo mais equilibrado e de maior progresso. E para que a União Europeia se transforme numa potência de primeira, uma linha de conduta autónoma, não confundindo cooperação negociada com subordinação a interesses alheios.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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