"Introspetiva" dos 35 anos da obra de João Fiadeiro inaugura com performance no CCB

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O convite para uma retrospetiva veio do Centro Cultural de Belém - Museu de Arte Contemporânea, onde João Fiadeiro irá apresentar um estaleiro aberto ao público, uma exposição, filmes e uma seleção de peças coreografadas pelo artista e performer nas últimas três décadas.

"A proposta do CCB foi no sentido de fazer uma retrospetiva, mas eu senti que é ainda cedo na minha trajetória, porque o termo tem um certo peso, e eu não queria responsabilizar-me por ele. Achei que seria mais adequado a expressão ´introspetiva´", indicou o artista, figura de referência da dança contemporânea portuguesa e europeia, entrevistado pela agência Lusa.

A performance "O que fazer daqui para trás versão expandida", de Fiadeiro, que terá lugar no domingo, às 12:00, no MAC/CCB inaugura a primeira fase do projeto a que deu o nome de "Introspetiva", e também dará início a um mês de duração do `estaleiro`, com a montagem ao vivo da exposição "Restos, Rastros e Traços".

"Prefiro a palavra `introspetiva`, que remete para uma retrospetiva, mas, por outro lado, indica a quem vier visitar a exposição, que se trata de um espaço interior, ou uma forma de pensar e agir que eu tenho vindo a desenvolver ao longo dos anos, quer ao nível do trabalho artístico, no sentido de criação de obras, coreografias e encenação de peças de teatro, quer ao nível do meu trabalho de formação, de investigação e de curador", explicou.

O projeto inclui ainda a programação "Dar Corpo", entre 21 de junho e 06 de julho, que apresentará a (re)construção da instalação "I Am (not) Here", apresentada pela primeira vez durante a Bienal Anozero de Coimbra de 2019, e que desconstrói a peça "I Am Here", estreada no CCB em 2004, realizada a partir do imaginário da artista visual Helena Almeida (1934-2018), e que será apresentada na sua versão original, no pequeno auditório.

Passados vinte anos da estreia de "I am here", Fiadeiro vai voltar a dançar, no mesmo espaço do CCB, uma obra remontada a partir do trabalho da artista plástica, que remete para a ideia de sombra que, "no caso da Helena Almeida, tem a ver com a relação com o pigmento e a fotografia".

Ao longo do seu percurso artístico, o performer e investigador sempre se interessou pelos conceitos de corpo e de tempo, e é neles que o projeto irá "viajar" nos vários espaços do CCB, com o estaleiro da exposição a abrir na terça-feira, e a decorrer até 19 de junho, seguindo-se a exposição que ficará patente até 22 de setembro.

"O estaleiro tem a ver com a construção da exposição em si, numa prática mais processual, de investigação e experimentação, e a segunda fase será a própria exposição", explicitou o artista, recordando a sua herança na dança contemporânea e na performance.

Nesse estaleiro aberto, o objetivo será "perceber o impacto da presença dos corpos que estão a construir a exposição à vista dos visitantes, convidados a assistir e a permanecer nesse processo de tecelagem", precisou o coreógrafo de 58 anos que em 2021 doou o seu arquivo pessoal, com cerca de 4.000 títulos, entre vídeos, artefactos e textos, à Fundação de Serralves, no Porto.

Fiadeiro, nascido em 1965, fundou o Atelier|RE.AL em 1990, início de uma década fundamental para a dança portuguesa, vindo a decidir pelo seu encerramento em 2019, mas continuou a atividade, nomeadamente como formador.

"O que me interessa como estudo é [o que] essa hibridez entre o camuflado e o exposto do corpo de um bailarino ou performer, dentro do museu, provoca", apontou o coreógrafo cuja grande parte da formação foi feita entre Lisboa, Nova Iorque e Berlim, entrando depois como bailarino na Companhia de Dança de Lisboa (1986-1988) e, mais tarde, no Ballet Gulbenkian (1989-1990).

O estaleiro vai acontecer em quatro salas do CCB, entre terça-feira e 02 de junho, das 10:00 às 19:00, no horário normal do museu, com a presença contínua de performers e artistas visuais, entre eles Andrei Bessa, Leonor Mendes, Bruno Brandolino, Vi e Jorgette Mendes.

"Para mim sempre foi muito importante que o espectador ou visitante, neste caso, não tenha só acesso ao produto estético final, mas que consiga também aceder à vulnerabilidade e à fragilidade que um processo destes carrega. A tradução daquilo que é um afeto ou uma inquietação individual e pessoal, esse é o grande desafio: saber como pode ser transmitida para uma pessoa anónima, que não vamos provavelmente conhecer nunca. Eu quero que essa transmissão e partilha seja feita através da obra mas também no processo", sublinhou o coreógrafo.

João Fiadeiro considera que esta será "uma oportunidade muito rara de um coreógrafo estar quase à distância de um braço com o visitante" que deseje conhecer o projeto baseado em trinta anos de criação de dispositivos dramatúrgicos e coreográficos, `happenings`, improvisações, conferências-performance e aulas abertas.

"E o visitante pode optar por estar à distância ou estar mais perto e ser quase cúmplice", apontou o criador, para quem as questões da presença e da ausência se tocam, e atravessam toda a sua obra.

Os conceito da sombra, da margem, da periferia, "essa hibridez que existe entre as coisas, entre observar e ver, pensar e fazer, o antes e o depois, é esse lugar de permeabilidade entre os vários territórios" que Fiadeiro pretende habitar, e que tentou sempre fazer de assinatura ou imagem de marca do seu trabalho.

Depois da fase de estaleiro, terá início o processo de construção da exposição a abrir a 19 de junho, "num formato mais clássico no sentido da relação das obras com o próprio museu", apontou o criador que, nas últimas décadas, tem apresentado os seus espectáculos um pouco por toda a Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália e América do Sul, ao mesmo tempo que acompanhou e apresentou artistas emergentes, acolhendo residências de artistas, e promoveu eventos transdisciplinares.

João Fiadeiro - que criou e desenvolveu o método de Composição em Tempo Real, cruzando a sua investigação com áreas científicas como as neurociências e as ciências dos sistemas complexos - tem orientado com regularidade oficinas em diversas escolas e universidades portuguesas e estrangeiras.

Na programação da "Introspetiva" também vai caber o repertório de Fiadeiro, que designou por "Dar Corpo" - no Black Box e no pequeno auditório do CCB -- onde estará "num ambiente mais familiar - e o espectador pode relacionar-se com as obras de forma mais comum".

"A particularidade aqui é que terei cinco performers que são alunos já avançados, mas ainda na fase inicial da carreira. Como o nome indica, o objetivo é oferecer, dar o corpo de trabalho que eu venho desenvolvendo, de forma a que esses artistas mais jovens recebam esse legado e conhecimento que tenho", disse à Lusa.

Este é o espírito de toda a "Introspetiva", segundo o coreógrafo: "Na tradição da transmissão oral, mas neste caso através do corpo, de uma forma direta, eu quero inscrever essa minha relação com o meu passado. É o meu legado que eu transmito a outros artistas mais jovens."

Do repertório do coreógrafo foram selecionados três solos "Self[ish]-Portait" (1995), "I am sitting in a room" (1997) e "I Am Here" (2003)]; um (agora) trio "Ça Va Exploser" (2020), criado em co-autoria com Carolina Campos]; e duas peças de grupo "From afar it was a island" (2018) e "O que fazer daqui para trás" (2015).

Tudo começará com a performance "O que fazer daqui para trás_versão expandida", que vai envolver cerca de 25 artistas para abrir, ao meio-dia de domingo, a "Introspetiva" de 35 anos de criação artística de João Fiadeiro no CCB.

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