Livro "Sonho do Ulisses" propõe a História como solução de crises atuais

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O historiador espanhol José Enrique Ruiz-Domènec, autor do livro "O Sonho de Ulisses" sobre a História do Mediterrâneo disse à Lusa que o estudo do passado é "fundamental" para se ultrapassarem as crises da atualidade como guerras e movimentos migratórios. 

"A História ensina-nos que o Mediterrâneo foi importante sempre que foi cosmopolita, quando a `pólis` [grega] se transforma num `cosmos`. Quando isso acontece descobrimos que o ser humano em todos os lados é o mesmo. Não há nem raças, nem religiões, nem costumes porque, tudo isso, passam a ser minudências. Temos todas as mesmas preocupações, as mesmas necessidades assim como as mesmas obrigações que são um princípio moral muito mediterrâneo", disse à Lusa Ruiz-Domènec. 

Sobre a "crise migratória", o historiador refere que as incertezas que marcam a atualidade são provocadas por uma sensação de medo que só pode ser solucionada através da cultura.

Segundo o historiador espanhol, "o medo" (dos europeus) provoca isolamento mas, sublinha, "é preciso sabermos que o fenómeno migratório sempre foi muito criativo" e refere a "Eneida" do poeta Virgílio (século I a.C.) para recordar que no passado "emigrantes fundaram países".

"A `Eneida` é a metáfora absoluta porque o herói foge de Troia destruída para fundar uma grande e nova civilização [Império Romano]. Outro personagem que também sai de Troia, `Brutus` [`Bruto de Troia`, obra do século IX atribuída a Godofredo de Monmouth], funda Inglaterra. Todos estes mecanismos de emigração que agora vemos com enorme preocupação nascem no medo e na incerteza e, por isso, há uma rejeição que é totalmente irracional", explica o historiador.

O livro "O Sonho de Ulisses" trata dos "assuntos" do Mediterrâneo desde o período pré-clássico até à atualidade através da história, das guerras, das religiões, da arte ou dos costumes que foram evoluindo nas diferentes épocas.  

"O que eu quero discutir é a História, as grandezas e as misérias do Mediterrâneo e, sobretudo, os elementos que ainda não se conseguiram resolver como a mestiçagem ou a emigração. Esta é a construção do meu relato", diz frisando a importância de se estabelecer uma nova leitura da civilização mediterrânica. 

O autor explica ainda que utiliza a "Ilíada" mas sobretudo a "Odisseia", obras atribuídas a Homero (século VIII a.C.), para fazer uma releitura dos factos recorrendo ao herói Ulisses que depois da guerra volta a casa, em Ítaca, no Mar Jónico, para que se possa perceber "a própria guerra" e, ao mesmo tempo, a civilização mediterrânea. 

"Nessa viagem de regresso o que faz o poema homérico é decifrar chaves ocultas que se podem traduzir através da geografia política, cultural e artística do Mediterrâneo que eu título `O Sonho de Ulisses` e que está ligada ao mar. Estabeleci os nexos entre a atividade militar e os fenómenos culturais através de imagens literárias ou artísticas", prossegue o historiador acrescentando que a "viagem" ainda não terminou.

"Nós somos os herdeiros desse mosaico e, por isso, o sonho de Ulisses acompanha-nos até aos nossos dias", declara.  

José Enrique Ruiz-Domènec, 75 anos, é professor de Historia Medieval na Universidade Autónoma de Barcelona e defende o `neo-humanismo` como corrente académica que diz estar a fortalecer-se no sentido do "estudo preciso do passado histórico" para benefício dos estudantes e das gerações mais jovens. 

"Durante mais duas gerações passamos a ver [na Europa] os fundamentos e o ensino da História de forma superficial e, por isso, tem de ser retificada esta tendência que nos tem afastado do ensino clássico e das línguas antigas [grego e latim] ou da História. Não fazê-lo seria um grave erro".

O livro "O Sonho de Ulisses" (Temas e Debates, 511 páginas) começa antes da guerra de Troia, termina com um capítulo ("O que trazem os batéis") sobre os atuais fluxos migratórios e foi traduzido para português por Ana Pinto Mendes.

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