Revolução dos cravos no muro de Berlim

1 semana atrás 38

O jogo correra mal na véspera: o Sporting, que desperdiçara a goleada em Alvalade (1-1), cedera em Magdeburgo (1-2) e estava afastado da final da Taça das Taças com o Milan. No Muro de Berlim, onde se preparavam para ultrapassar a linha que separava o leste do ocidente, os verdes e brancos cumpriam a rigorosa burocracia em vigor, de modo a viajarem para Frankfurt. "Foi aí que ouvimos pela primeira vez que tinha havido um golpe de Estado em Portugal", recorda Mário Lino, 87 anos, então treinador leonino e futuro campeão nacional. Na viagem para Frankfurt "o presidente João Rocha ia à nossa frente, numa viatura particular, mandou parar o autocarro onde íamos e passou-nos a informação", pormenoriza. Carlos Pereira, defesa-esquerdo da célebre formação leonina, confessa: "Não ligámos grande importância. Sempre que íamos ao estrangeiro havia notícias desse tipo, principalmente de cariz político, que não correspondiam à verdade."

Já no aeroporto, o pessoal de terra da TAP informou que o voo para Lisboa estava cancelado, que as fronteiras no nosso país estavam fechadas e o espaço aéreo interdito. E confirmava-se estar em curso um golpe de Estado. A comitiva seguiu então para Madrid e foi aí que as informações atingiram dimensão preocupante: "Pintaram-nos um quadro terrível, com mortos, canhões nas ruas, combates sangrentos", recorda Carlos Pereira, viajando para um tempo em que os contactos telefónicos eram muito difíceis. Míster Lino sentiu, finalmente, "um clima pesado entre os jogadores e não só."

A preocupação acompanhou os sportinguistas na viagem de autocarro entre a capital espanhola e Badajoz, fronteira escolhida para a entrada em Portugal. O treinador afirma ter ficado definido "que o nosso autocarro sairia de Alvalade e estaria do outro lado para nos levar para Lisboa", boa intenção que esbarrou com a gravidade dos acontecimentos. "Quando chegámos a Badajoz percebemos que a fila para entrar em Portugal não tinha fim", diz o então lateral-esquerdo daquele que seria o futuro campeão nacional: "Foi então que o presidente João Rocha interveio com toda a influência que tinha e desbloqueou a situação. Saímos do autocarro, pegámos nas nossas coisas e fomos a pé pela longa fila que levava a território nacional. De um modo geral as pessoas revoltaram-se, porque estavam ali há muitas horas e não achavam correto que nós, acabadinhos de chegar, estivéssemos a passar-lhes à frente. Mesmo sendo uma equipa de futebol e, neste caso, o Sporting.

Mário Lino reconhece que, chegados a Elvas, o grupo estabilizou emocionalmente, apesar de algumas peripécias caricatas: "Dormimos lá, num hotel que não tinha camas para todos; muitos ficaram no autocarro, outros nos corredores. Mas garantimos o essencial: a tranquilidade resultante do contacto com os nossos familiares e a certeza de que estavam todos bem e a revolução, afinal, tinha sido pacífica".

Truques alemães para intimidar

A viagem para Magdeburgo começou mal: os alemães tudo fizeram para afetar a tranquilidade leonina. Wagner Canotilho, maestro da equipa, recorda que "tudo começou na passagem do muro": "Estivemos tempo infinito para entrar no país. O autocarro estava parado à espera de autorização para entrar e polícias à vez invadiam o veículo com perguntas e mais perguntas, procurando intimidar-nos." Mas a utilização desses truques prolongou-se pelo resto da passagem pela Alemanha Oriental. "O hotel, por exemplo, não tinha as condições mínimas para uma equipa de futebol", explica o jogador de quem Mário Lino diz ter sido o mais importante no funcionamento da equipa. Wagner recorda, por fim, que o embate seguinte para o campeonato foi com o Belenenses, "que não quis adiar o jogo. Mesmo cansados, ganhámos por 4-1".

UMA GRANDE EPOPEIA COM NOMES PRÓPRIOS

JOÃO ROCHA. Nas dificuldades, o presidente assumiu o comando das operações. Tomou a iniciativa, desbloqueou problemas e apresentou soluções, utilizando o poder que tinha como dirigente máximo do clube. Foi ele quem definiu o itinerário de Berlim a Lisboa e minimizou as consequências. Quando a comitiva chegou a Badajoz, as fronteiras estavam fechadas. Ninguém podia passar. Falou pessoalmente com o general Spínola e resolveu a questão.

TOMÉ. Foi suplente em Magdeburgo, entrou aos 70 minutos, para o lugar de Paulo Rocha e desperdiçou o 2-2 que dava a qualificação leonina para a final com o Milan, num dos últimos lances do jogo: "Aos 87 minutos, o Marinho fez uma grande jogada pela esquerda, deu-me a bola e eu, sozinho, com a baliza aberta, atirei por cima. A bola bateu-me na canela e subiu." Diz que, pela vida fora, "acordo muitas vezes, afetado por esse lance maldito."

CARLOS PEREIRA. Estava a fazer uma grande época, cumprindo o destino de ser o sucessor de Hilário. No jogo de Alvalade, a infelicidade bateu-lhe à porta: "Foi um lance deles pela esquerda, culminado com um passe tenso para o meio da área; estava bem colocado mas atrapalhei-me e acabei por meter a bola na própria baliza." O lance, aos 62 minutos, constituiu travão ao ímpeto sportinguista mas, no fim, o desperdício verde e branco foi imenso.

DINIS. O extremo-esquerdo estava a ser um diabo à solta. No balanço de um jogo carregado de ocasiões de golo criadas, foi o protagonista da maior de todas, quando falhou um penálti.

YAZALDE. O argentino foi o grande ausente da meia-final. Na sua época de sonho, no final da qual assinou 46 golos e conquistou a ‘Bota de Ouro’ europeia, estava lesionado. Não fez qualquer dos jogos e, como era de esperar, fez muita falta à equipa. Em Alvalade, se estivesse em campo, teria sido ele a marcar o penálti.

MANACA. Atuando como lateral-direito, foi dele o golo que levou o Sporting ao empate em Alvalade – aos 76 minutos. Uma entrada fulgurante, de cabeça, que bateu a muralha alemã.

MARINHO. Seria o jogador em melhor forma no Sporting. Na segunda mão, a 24 de abril, coube-lhe fazer o golo que ainda fez sonhar a nãoi verde e branca. Marcou aos 78 minutos, reduzindo a diferença para 1-2, e aos 87 minutos fez a grande jogada com que ofereceu a Tomé o empate (e a qualificação).

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