30 anos depois Buenos Aires ainda pede justiça por atentado anti-judeu do Hezbollah

2 meses atrás 82

Foi no dia 18 de julho de 1994 que um carro-bomba com cerca de 400 Kg de TNT explodiu em frente à Associação Mutual Israelita-Argentina (AMIA), no maior ataque a um alvo judaico desde a segunda guerra mundial. No total, 85 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas.

"Voltamos aqui para pedir justiça e, de alguma maneira, acredito que só agora estamos a avançar nesse caminho de encontrar a verdade", indica à Lusa Federico Mercovich, tio de Ileana, vítima aos 21 anos de idade.

"Oxalá haja justiça porque alguém tem de pagar pelo que aconteceu. Não sabemos por onde, mas tomara que o Presidente Milei saiba conduzir bem as coisas e possa encontrar dentro de toda essa investigação os culpados pelo ataque", pede Hugo Basiglio, filho de pai homónimo, vítima aos 47 anos de idade.

Na quinta-feira, 30 anos depois, exatamente às 9:53 da manhã, horário do ataque terrorista, uma sirene recorda aqueles que até hoje não descansam em paz. Todas as viaturas de Polícia e de Bombeiros de Buenos Aires tocam as suas sirenes, ecoando a dor na alma de milhares de pessoas.

No dia do atentado, Federico passava de carro por perto e ouviu a explosão. Mal sabia que a sobrinha dele, Ileana Mercovich, estava no prédio. O tio tinha uma construtora. Quis o destino que a empresa fosse a responsável por remover os escombros em busca de vidas.

"Passei duas noites e três dias sem sair deste lugar. Eu coordenava os trabalhos e procurava pela minha sobrinha. De tanto remover os escombros, ela apareceu. Estava irreconhecível. Só conseguimos identificá-la graças a um colar", recorda comovido.

Ileana procurava emprego para se casar. Na Associação, funcionava um cadastro de oferta e procura de trabalho. Um talão de estacionamento no carro de Ileana mostrou que ela estacionou o carro três minutos antes de entrar na AMIA.

"É o destino. Justamente nesse dia ela veio para se apresentar numa bolsa de trabalho como fotógrafa. Três minutos depois de entrar, a bomba explodiu. Foi terrível, um destino tremendo", lamenta Federico, em frente ao local, hoje reconstruído.

Hugo Basiglio tinha 14 anos, quando naquela manhã a mãe chorou desconsolada ao receber um telefonema com a trágica notícia sobre o pai.

"Chorávamos porque a minha mãe chorava. O corpo do meu pai apareceu oito dias depois. Foi um dos últimos a sair dos escombros. Apareceu e, no dia seguinte, acabaram-se as escavações. Foram oito dias de angústia para a família", descreve Hugo à Lusa.

O lado de Hugo, o filho, de 13 anos, um ano a menos do que o pai há 30 anos, mantém como um tesouro a foto do avô com um objetivo.

"A luta é essa: manter a memória viva para que não esqueçam o nome do meu pai nem das outras 84 pessoas", ensina Hugo.

Os nomes e as fotografias das vítimas delimitam o espaço. Estão na fachada da AMIA, nas mãos de milhares que vieram prestar homenagem e pedir justiça. São rostos de angústia, os olhos lacrimejantes de ausência, vozes embargadas pela dor.

O atentado que aconteceu exatamente aqui continua sem nenhum condenado depois de 30 anos.

Em abril passado, a Justiça argentina concluiu que o Irão foi o autor intelectual e mandante do ataque. Segundo a sentença, a execução foi do Hezbollah, grupo extremista libanês, financiado pelos iranianos.

Há uma semana, o governo argentino apresentou um projeto de lei para possibilitar o julgamento à revelia. Na mira, cinco iranianos e um libanês com pedido de captura internacional.

Há um mês, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Estado argentino por não ter tomado medidas para prevenir o ataque, por não ter cumprido com o seu dever de investigar o caso apropriadamente e até por ter encoberto os culpados.

A Argentina já tinha sido alvo de um atentado terrorista dois anos antes contra a Embaixada de Israel. Aquele ataque deixou 29 mortos e centenas de feridos.

O governo do ex-Presidente Mauricio Macri (2015-2019) classificou o Hezbollah como organização terrorista. Há 10 dias, o Presidente Javier Milei estendeu a classificação ao Hamas. O grupo exigiu que o Governo argentino se retrate.

"O Presidente não se retratará e nós não falamos com grupos terroristas", garantiu a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, em declarações à Lusa.

O presidente Javier Milei acusa o Irão de estar por trás dos atentados tanto na Argentina como em Israel, em 07 de outubro passado.

"Para sermos claros e que não haja dúvidas: o terrorismo desse trágico 07 de outubro é exatamente o mesmo terrorismo que nos atacou há 30 anos. São setores vinculados ao Irão: Hezbollah e Hamas. Por isso, o terrorismo iraniano é um assunto de interesse nacional que afeta de forma direta a vida dos argentinos", disse Milei na quarta-feira durante o Congresso Mundial Judaico em Buenos Aires, no contexto dos 30 anos do atentado à AMIA.

O governo iraniano classificou de "infundadas" as acusações argentinas de participação no atentado contra a Associação Mutual Israelita-Argentina. O jornal Tehran Times, porta-voz do regime persa, advertiu que Teerão "não vai esquecer a política anti-iraniana de Buenos Aires" e que "fará a Argentina se arrepender da sua inimizade com o Irão".

"É uma posição editorial ameaçante. Estamos a investigar a fonte, se foi o próprio Governo do Irão. Mas, nós argentinos estamos acostumados com as ameaças do Irão e estamos preparados para essa batalha", desafia Patricia Bullrich.

Em Buenos Aires, a advertência foi interpretada como uma ameaça de um novo atentado.

"O Irão ameaçou a Argentina através da imprensa. É, sem dúvida, um ator que procura desestabilizar a região, tal como desestabilizou todo o Médio Oriente. Acho que todos corremos risco e a Argentina é um alvo. Todo o cuidado é pouco", adverte à Lusa o jurista brasileiro Fernando Lottenberg, comissário de Monitoramento e de Combate ao Antissemitismo da Organização dos Estados Americanos.

Os parentes das vítimas da AMIA, no entanto, perderam o medo há 30 anos.

"Quando eu escuto essas ameaças, fico indignado. Gera indignação, mas não tenho medo. Eles já nos fizeram perder o medo", enfrenta Hugo.

"Essas declarações do Irão provocam a sensação de insegurança, mas não podemos nos curvar nem viver das ameaças. Pedimos paz e justiça", reflete Federico, enquanto um cartaz na fachada da AMIA, ao lado do nome das 85 vítimas, impõe-se: "Memória e Justiça".

Trinta anos depois do maior atentado no mundo contra um alvo judaico, em Buenos Aires, a Argentina responsabiliza a milícia pró-iraniana Hezbollah, enquanto os parentes das 85 vítimas mortais esperam que o novo governo puna finalmente os autores.

Ler artigo completo