304, o código para Lamine Yamal ganhar o mundo: «Até a andar ele driblava»

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Rocafonda, bairro multicultural, palete de etnias e credos, 40 minutos a norte de Barcelona. O Mediterrâneo olha através dos prédios gastos, toca as praças de cimento e os berros de crianças a jogar à bola. Zona efervescente, vibrante, mas também de dificuldades.

Metade das famílias de Rocafonda, indicam as estatísticas oficiais, vivem no limiar da pobreza. Muitas fogem ao desemprego e à precariedade da forma possível, a maioria subsiste através de pequenos negócios familiares.

qO pai do Lamine vivia com a avó, uma senhora fantástica e muito influente para ele. Trabalhava no duro, mas os salários eram baixos e cheguei a adiantar-lhe pequenas verbas

Juan Carlos Serrano

É ali, na pequena povoação da cidade de Mataro, que o novo herói do futebol espanhol passa grande parte da infância. Lamine Yamal é o filho querido do pueblo, o nome mais comentado, o responsável pela curiosidade esmagadora dos últimos dias.  

Lamine nasce em Esplugues de Llobregat, filho de Mounir Nasraoui, natural da cidade de Larache, em Marrocos, e de Sheila Elbana, nascida na Guiné Equatorial. Os pais conhecem-se na região de Barcelona, ele pintor da construção civil, ela funcionária no McDonald’s.

Demasiado jovens para gerirem a responsabilidade de um bebé e de uma casa, Mounir e Sheila divorciam-se quando Lamine é ainda muito pequeno. O petiz passa a saltitar entre a casa da família paterna, em Rocafonda, e a da mãe, em Roca del Vallés, mais no interior catalão.

Em vésperas da final do Euro24 entre Espanha e Inglaterra, e no dia em que completa 17 anos (!), o zerozero visita os locais da infância do menino prodígio, as raízes do futebol extraordinário de um batedor de recordes, um génio precoce.

E chega a todas as respostas através de um mero código, qual chave milionária para o sucesso.

304.

«Emprestei muitas vezes dinheiro ao pai do Lamine»

304 é o código postal de Rocafonda. A cada golo marcado, Lamine representa-o através de linguagem gestual. E enche de orgulho as suas gentes, as que o conhecem desde o berço. 

O zerozero liga para a Panaderia Arábica. Dizem-nos pertencer a um tio de Lamine, Abdul Nasraoui. Não bate certo. Afinal, o estabelecimento pertence a outra pessoa há alguns meses, mas a sorte muda no telefonema seguinte.

Atrás do balcão do Snack-Bar El Cordobés, o entusiasmo de Juan Carlos Serrano é evidente. «De Portugal? Rocafonda está mesmo no mapa. Obrigado, Lamine», brinca um dos melhores amigos do pai de Yamal.

«Tenho gosto em falar, porque vi as dificuldades dessa família de perto», continua o simpático catalão, cujo café é ainda alvo da visita regular de Mounir.

«O pai do Lamine vivia com a avó, uma senhora fantástica e muito influente para ele. Trabalhava no duro, mas os salários eram baixos e cheguei a adiantar-lhe pequenas verbas», confessa, visivelmente emocionado.

«Quando o chico passou a ir treinar a Barcelona, o comboio ficava caro e ajudei no que pude. Mas o Mounir pagou-me sempre tudo e agora vejo-os bem na vida. É uma felicidade para mim e para o bairro, porque são gente de bem.»

Juan Carlos está certo. A ascensão meteórica de Lamine Yamal é acompanhada de fama e de um contrato milionário. A mãe deixa o atendimento na cadeia de restaurantes de fast food e vive agora numa vivenda de dois pisos na região de Maresme.

O pai também já não está em Rocafonda. Acompanha o filho em Barcelona.

«A avó do Lamine, dona Fátima, é de Tânger e foi para Madrid nos anos 80. Cuidava de um senhor, mas com a morte dele acabou por se mudar para Rocafonda. Tinha sete filhos, por isso imagine as dificuldades deles.»

A imagem de Yamal na montra da Panaderia Arábica @Instagram

«Saiu-nos a sorte grande»

Apesar da ligação do pai ao CF Rocafonda, pequeno emblema dos escalões amadores da Catalunha, os primeiros passos de Lamine no futebol são dados no CD La Torreta, o clube mais próximo da casa da mãe.

Entra nos portões vermelhos da instituição «com quatro anos, no máximo» e por lá fica até aos sete. Quem nos explica a cronologia do virtuoso esquerdino é Inocente Díez, coordenador do modestíssimo emblema catalão, e um dos primeiros a ver Lamine tocar numa bola.

Yamal é o segundo à esquerda num treino do La Torreta @Instagram

«Esteve cá até à época 13/14. Não posso dizer que sabia que ia ser um génio, mas era diferente dos outros. Até a andar parecia estar a driblar. Cheguei a dar-lhe boleia, depois da separação dos pais. Era um menino caladinho, reservado», conta o antigo treinador de Yamal.

«Saiu-nos a sorte grande. Há aqui perto um clube maior, o Granollers, mas o Lamine veio para cá. Mas era um segredo demasiado grande para ser guardado. Pouco depois, o Barcelona veio cá vê-lo e levou-o para La Masia.»

O pé esquerdo não engana ninguém. Muito menos Isidre Gil, observador do Barça na zona. É ele o primeiro a indicar o nome do pequeno filho de Mounir e Sheila aos responsáveis da academia blaugrana.

O Barcelona abre-lhe as portas, oferece-lhe cama, estudos e futebol. Muito futebol.

Condições de excelência para um menino de pais separados, emocional e geograficamente. As viagens de comboio diminuem com o avançar dos anos, Lamine estabiliza fisicamente e a história encarrega-se de colocar tudo no devido lugar.

A sessão de fotos premonitória com Messi

A exposição mediática de Lamine Yamal é poderosa. A estreia na equipa principal do Barcelona em abril de 2023, o debute na Champions e na seleção de Espanha em setembro, o primeiro golo pelo Barça em outubro, e agora o Bing Bang no Euro24.

Tudo tão rápido e a fazer lembrar, inevitavelmente, Lionel Messi.

Num instante, os astros alinham-se e as coincidências são cósmicas. Até uma inofensiva sessão fotográfica de 2007 vem a público e nela surgem duas personagens.

Um jovem Messi de 20 anos e um bebé de meses chamado… Lamine Yamal.

O bebé Yamal ao colo de Messi em 2007 @Instagram

Se isto não é premonitório…

A sessão realiza-se para o calendário de 2008 do jornal Sport. A colaboração entre a Fundação Barça e a UNICEF convida as mães a enviarem fotos dos seus filhos, para que alguns possam entrar no trabalho de fins beneficentes.

Joan Monfort é o fotógrafo responsável e, ao próprio Sport, recorda esse dia de fotos.

«A UNICEF recebia as inscrições e depois escolhia as crianças. Por uma enorme coincidência, um desses bebés foi o Lamine. O Messi era muito tímido, mas bastaram dois sorrisos da criança para ser conquistado.»

Os caminhos de Lamine e Lionel não se voltam a cruzar. Pelo menos até hoje. O astro argentino, figura maior do Barcelona século XXI, está agora em Miami e assiste, à distância, ao avanço de Yamal no mundo catalão.

A final do Euro24 é o capítulo seguinte. Um palco à dimensão de um talento condenado a marcar uma era no planeta-futebol. Lamine Yamal tem em si os olhos de Rocafonda, de Roca del Vallés, de La Masia, todos os olhares do passado.

No bairro de sempre, ainda vive a avó, Fátima, e alguns dos amigos de infância. Nas paredes grafitadas, nos murais alusivos a Yamal, o número é sempre o mesmo.

304. O código para o pequeno Lamine ganhar o mundo.

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