Nutrição
16 mai, 2024 - 11:19 • André Rodrigues
Presidente da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica exige comparticipação do Estado para apoiar as famílias sem recursos. Caso contrário, Aníbal Marinho diz que "identificamos as situações. Mas ficamos na mesma".
Mafalda Rodrigues é cuidadora do marido que vive desde 2016 aprisionado pela esclerose lateral amiotrófica (ELA).
Ricardo tem 46 anos e "ainda tem muito para viver”, apesar de ser um doente em risco de malnutrição.
Um doente com ELA necessita de mais do que as 2.000 calorias recomendadas para um adulto saudável. A solução está nos suplementos alimentares.
“Nós precisamos de comer para ter energia, para sobrevivermos, para respirarmos, para qualquer movimento... ele [o marido] só precisa para respirar, só que os músculos dele gastam imensa energia só para existir”, conta à Renascença.
É a partir daqui que as dificuldades aumentam, sobretudo na carteira. Na vida de um doente como Ricardo, os suplementos alimentares têm tanto de inevitável como de quase incomportável, principalmente quando o orçamento familiar tem pouca margem para responder a emergências. Mesmo em saúde.
“Eu sou professora de AEC de Educação Física no primeiro ciclo e tenho horário incompleto”, revela.
Quanto ganha? “Cerca de 600 euros por mês”.
Só a alimentação entérica de que o marido necessita para sobreviver custa, pelo menos, metade do salário de Mafalda, que é, de resto, o único deste agregado familiar de três pessoas: Mafalda, Ricardo e a filha, com nove anos de idade.
“Obviamente não chega! Além do orçamento alimentar, ainda temos esta despesa que é necessária e que ele não pode deixar de fazer”, reconhece Mafalda Rodrigues que também reconhece que nem sempre o marido segue escrupulosamente o plano desenhado pelo nutricionista.
Se o fizesse, “iria pesar ainda mais no nosso orçamento”.
Ou o Estado comparticipa, ou “ficamos na mesma”
Para o presidente da Associação Portuguesa de Nutrição Entérica e Parentérica (APNEP), a solução para as famílias com dificuldades económicas para adquirir suplementos alimentares está na comparticipação por parte do Estado.
A legislação obriga os hospitais a fazerem o rastreio nutricional dos doentes internados, “mas depois, mandamos para o ambulatório e os doentes estão malnutridos. O que é que isso implica na prática? Nada, porque as pessoas não têm dinheiro, não compram suplementos nutricionais”.
“Se conseguimos identificar, mas não conseguimos tratar, ficamos na mesma”, conclui Aníbal Marinho, que é, também, diretor da Unidade de Cuidados Intensivos da Unidade Local de Saúde de Santo António, no Porto.
Esta quinta-feira, vários municípios da Área Metropolitana do Porto assinam um protocolo de combate à malnutrição, em que “o objetivo é serem as próprias câmaras a pedir ao Ministério da Saúde que comparticipe”.
Para o presidente da APNEP, “quanto mais pessoas tiverem noção deste problema, maior será a pressão a nível do Ministério da Saúde e o próprio Ministério da Saúde também tem a noção de que o dinheiro vai ser bem gasto, porque o dinheiro que é dado diretamente das câmaras para os cidadãos, obviamente está mais orientado do que estarmos a dar de uma forma generalizada a toda a gente”.
Petição por um "direito básico"
Em abril, o Parlamento votou por unanimidade um projeto de lei do Bloco de Esquerda para criar um regime de comparticipação para a nutrição entérica.
Vera Gomes, da Associação Chrohn Colite Portugal admite que “pode ser um passo positivo”, mas não chega.
Esta semana, foi posta a circular uma recolha de assinaturas para forçar a discussão no Parlamento.
O texto, a que a Renascença teve acesso, fala em “equidade e de justiça”, porque “a comparticipação não é um luxo, mas sim um direito básico”.
Além disso, acrescenta o texto da petição, a facilitação do acesso a este tipo de alimentação “pode resultar em economias significativas a longo prazo, evitando complicações de saúde associadas à desnutrição e à má alimentação”.