7 de setembro de 1974, ou a nossa fraca memória coletiva

2 horas atrás 19

A 7 de setembro de 1974 foram assinados os acordos de Lusaka, pelos quais o Estado português reconheceu o direito de Moçambique a ser independente.

OK, caro leitor, não lhe levo a mal que não saiba do que estou a falar. O que é que aconteceu há meio século, fez dia 7 deste mês 50 anos, que merecesse ficar registado na nossa memória colectiva?

A 7 de setembro de 1974 foram assinados os acordos de Lusaka, pelos quais o estado português reconheceu o direito de Moçambique a ser independente; foi estabelecida a transição do poder a ser entregue à Frelimo; e foram fixadas as fórmulas da transição.

Parece que nada de mais, apenas o que estava previsto, melhor ou pior, no programa do Movimento das Forças Armadas resultante do golpe de Estado do 25 de Abril anterior. Nada de mais, para nós, aqui no nosso conforto a milhares de quilómetros e cinquenta anos de distância. Demais para as centenas de milhares de portugueses que residiam e tinham construído as suas vidas em Moçambique. Para esses era o ruir sem apelo nem agravo daquilo que eram as suas vidas. Viam-se condenados a abandonar o país que era o deles, onde tinham tudo e fora do qual não tinham nada. Uma boa parte tinha lá nascido e nem conheciam outro mundo fora de Moçambique.

O que fazem pessoas perante uma sentença de morte anunciada e injusta? Revoltam-se. Muitos portugueses de Moçambique revoltaram-se e exigiram uma coisa simples: que o futuro de Moçambique fosse decidido por referendo ou em eleições livres (a democracia não é para todos?) em vez de uma entrega incondicional do poder soberano do novo estado a um único movimento guerrilheiro, de cariz comunista e até maoista.

A revolta dos colonos teve momentos menos bons e até violentos, mas a repressão a que foram sujeitos foi brutal. A tropa portuguesa actuando em conjunto com a tropa da Frelimo, reprimiu a tiro as veleidades dos portugueses seus compatriotas e foi dado livre curso aos guerrilheiros marxistas para se comportarem como melhor entendessem, perante a aquiescência dos soldados portugueses.

Parece, e digo parece pelas razões que a seguir explico, que morreram de forma violenta e mesmo muito violenta, cerca de três mil pessoas em cerca de três ou quatro dias.

O primeiro ponto a notar é que os soldados portugueses presentes no terreno, e eram dezenas de milhares bem armados, não levantaram um dedo para proteger os seus compatriotas. Os jornais de Lisboa falaram vagamente na “revolta dos colonos” ou no “golpe do Rádio Club”.

O segundo ponto a notar é que Moçambique se tornou formalmente independente cerca de um ano depois, subjugado pelo partido único Frelimo e não voltou durante décadas de incrível retrocesso e empobrecimento galopante a ter aquilo a que se possa chamar, mesmo com exagero, uma democracia. É hoje um dos estados mais pobres do mundo.

O terceiro ponto a notar é que, para nós portugueses, os acontecimentos do 7 de setembro de 1974 parecem não terem existido, nunca ninguém morreu e os “colonos” vieram-se embora deixando para trás tudo o que tinham, incluindo o seu país que para eles morreu, porque quiseram. Não porque tenham sido expulsos pelo terror.

A historiografia portuguesa, provavelmente por vergonha, recusa-se desde 1974 a esmiuçar e analisar o que aconteceu em Angola ou Moçambique. O trauma histórico é de tal ordem que nunca foram estabelecidos os números certos de portugueses que se viram forçados a abandonar o seu país e a “regressar” a um sítio onde a maioria nunca tinha posto os pés, chamado Portugal.

A vergonha do que aconteceu é de tal ordem que ninguém quis saber ao certo quantas pessoas morreram em Moçambique entre 7 e 11 de setembro, vítimas da violência da Frelimo e das tropas portuguesas que, se alguma coisa, estavam em Moçambique para proteger os portugueses.

Não sei se algum dos valentes oficiais que comandava essa triste tropa recebeu alguma medalha por ter assassinado ou prendido e entregue à Frelimo os seus próprios compatriotas. Sei que seguiram todos com as suas tristes carreiras militares, hão-de se ter reformado e os que estejam vivos recebem as suas pensões de reforma e provavelmente contam larachas do seu alegre tempo de juventude em que “descolonizaram” as nossas colónias.

Do resto, não reza a história. Esta falta de memória colectiva, que nos achaca e enxovalha há cinquenta anos, é um mal de que padecemos como país.

É de facto surpreendente e, diria, espantoso, que nem após cinquenta anos decorridos, sejamos capazes de fazer a história real e o balanço daquilo que nos aconteceu como nação; que não sejamos capazes de compreender e explicar por que razão meio milhão a 800.000 portugueses (lá está, nem os números certos sabemos) se viram forçados num curtíssimo espaço de tempo a fugir para salvar a vida.

A história é o que é e decorreu no tempo e nas circunstâncias muito más em que decorreu. Bem sei que a culpa não foi só dos tristes protagonistas daquele momento, que podia e talvez devesse ter sido feito muito, antes de se chegar àquelas extremidades dos “dias do fim”, mas alguma coisa poderia ter sido feita bem melhor e com mais dignidade e sentido da honra e da pátria, alguma coisa que não foi feita nem quiseram que fosse.

Se tudo o que pudesse ter sido feito para evitar o desfecho trágico que um bando de alienados mentais pretendeu conseguir (e conseguiu) tivesse sido feito, não parece que a vergonha fosse agora tão grande que nem a história querem contar.  Escondem-nos a nossa história há cinquenta anos e devem ter boas razões para isso…

Advogado, ex-secretário de Estado da Justiça

Subscritor do Manifesto por uma Democracia de Qualidade

Ler artigo completo