O dia do tudo ou nada chegou e entretanto a coisa tornou-se tão extremada que, para muitos, o importante já não é ganhar: é não deixar que o adversário ganhe.
Os norte-americanos decidem hoje quem será o próximo Presidente dos Estados Unidos, numa eleição que mostra bem as limitações da democracia.
Continua a parecer-nos espantoso, num país com uma cultura política tão enraizada e competitiva, que nem democratas nem republicanos tenham conseguido descortinar nas respetivas fileiras um candidato com atributos que claramente Donald Trump e Kamala Harris não têm.
O dia do tudo ou nada chegou e entretanto a coisa tornou-se tão extremada que, para muitos, o importante já não é ganhar: é não deixar que o adversário ganhe.
Muitos apoiantes de Trump poderão até admitir que ele está longe de ser um excelente candidato – mas argumentam que Kamala seria ainda pior e arrastaria a América para o abismo.
Do lado oposto, Trump é representado como um boçal, um troglodita, um mentiroso, um coveiro da democracia. Em suma, uma espécie de Anticristo dos tempos modernos.
Esse discurso radical – e é curioso como ele vem dos dois partidos do ‘centro’ – tem um lado muito perigoso: ao partir do princípio de que a vitória do adversário representa uma espécie de apocalipse, legitima todo o tipo de falsificações. Se a vitória do candidato A ou B vai provocar algo próximo do fim do mundo, então não só é permitido, como é quase obrigatório, usar todos os meios – legais ou ilegais – para o impedir de lá chegar…
Mas será o resultado do duelo de hoje assim tão decisivo?_Provavelmente não, pelo menos no futuro imediato.
Kamala não é decididamente a grande candidata que os democratas tentaram vender após a desistência forçada de Biden, mas parece uma mulher sensata e equilibrada. Trump pode ter todos os defeitos que lhe apontam, mas já exerceu o cargo durante quatro anos sem grande sobressalto – tirando a pandemia de covid-19, que pode não ter sido bem gerida, mas não deixa de ser um fator alheio.
Seja quem for que ganhe hoje, duma coisa podemos ter a certeza: a Terra continuará a girar – em torno do sol e dela própria, ao contrário do que nos tentam fazer crer os fanáticos de um e de outro lado, para acentuar o sentido de urgência do voto no seu candidato. Não nos esqueçamos que já Luís XV terá dito ‘Après moi, le déluge’. E, no entanto, a França continua de pé.