A descrença política em África e os homens da fé

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Observo o crescimento e a cristalização da descrença do sujeito africano nos regimes políticos e nas suas respectivas instituições e, por sua vez, uma entrega acrítica às instituições de gestão da fé. Somente Deus tem a capacidade de resolver os problemas sociais, económicos e políticos. Este fenómeno representa uma despolitização acentuada da política e conduz a um aumento da credibilidade dos homens da fé que terá, futuramente, fortes consequências no campo político.

A exemplo, a adopção de um sistema de representação de candidaturas individuais na realidade significará uma oportunidade para os profissionais da fé serem eleitos como representantes políticos, pois gozam de um forte apoio dos seus fiéis e são detentores de elevada credibilidade social. Caminhamos no sentido de reforçar uma convicção generalizada, já existente, de que serão os homens da fé a resolver os problemas.

Estes homens da fé conseguem obter recursos dos seus fiéis e com isto realizam um marketing religioso muito forte. Recorrem a estações de rádio, que são meios de comunicação de importância inegável nas realidades africanas, para transmitir a sua mensagem mediante o pagamento de contrapartidas que, em muitos casos, acabam por assegurar a manutenção e o funcionamento de algumas estações. Esta capacidade das igrejas é superior à dos partidos políticos da oposição cuja mensagem é controlada pelos regimes.

Existe uma certa percepção, em nosso entender equivocada, de que as novas igrejas ficarão reduzidas ao espaço da fé, sem quaisquer pretensões de disputar o espaço político. Isto demonstra uma incapacidade de entender o funcionamento do campo político, visto que os actores sociais não são neutros e procuram condicionar o funcionamento do sistema político (através, por exemplo, dos assuntos de natureza moral). Por agora, estas igrejas estão a enraizar-se e a promover as suas respectivas marcas, sem entrar directamente na política para evitar um choque com o poder político instalado.

Antecipamos que estas igrejas passarão para o campo da competição directa quando existir uma abertura das listas, como ocorre no Brasil. Com isto, o conservadorismo de algumas estruturas sociais em África agravar-se-á, o que significará uma maior exposição a riscos para certos grupos sociais frágeis e perseguidos.

O sentimento de descrença instalado poderá ser alterado através da resignificação da fé como forma de pré-legitimação dos candidatos, sobretudo de natureza religiosa, e o voto será um mero certificado de validação dos homens que respondem directamente a Deus e não ao seu eleitorado. Votos de bom 2024.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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