A hipocrisia do ESG para com ‘as Áfricas’

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Quando, a 7 de Maio último, vi e ouvi o Nobel da Economia Joseph Stiglitz, na Universidade Nova de Lisboa, a falar sobre sustentabilidade, percebi que os problemas por ele identificados em 2001 e apresentados no livro “A Globalização e seus Malefícios” continuam muito actuais, estando hoje dissimulados sob a elegante e diplomática forma ESG.

Num mundo cada vez mais consciente das necessidades de sustentabilidade, o ESG (Ambiental, Social e Governança) surgiu e é um princípio fundamental para guiar investimentos responsáveis. Contudo, para as Áfricas, a hipocrisia do ESG manifesta-se de forma devastadora, evidenciando uma desconexão cruel e contraditória, entre retórica e a realidade para com as Áfricas menos poluidoras, mas já pagantes de uma factura alta.

Investidores e promotores prometem responsabilidade ambiental, justiça social e governança transparente. No entanto, essas promessas muitas vezes se desfazem quando as suas operações se instalam pelas Áfricas, onde a fachada de sustentabilidade e ética esconde práticas exploratórias e destrutivas, e de negligência, que minam as bases da comunidade e do meio ambiente.

Em nome do desenvolvimento, vastas áreas de floresta africana são destruídas para dar lugar a plantações de monoculturas, mineração e outras actividades económicas. A destruição da floresta tropical no Congo, por exemplo, é uma ferida aberta no coração da biodiversidade mundial, deixando um legado de terra arrasada. A exploração mineral é outro exemplo gritante. As minas de cobalto e outros minerais essenciais para a tecnologia moderna, como smartphones e carros eléctricos, frequentemente operam em condições deploráveis.

As promessas de gestão ambiental responsável são rapidamente esquecidas, e o solo, a água e o ar são contaminados, colocando em risco a saúde das comunidades locais.

A hipocrisia do ESG é ainda mais evidente na dimensão social, o trabalho infantil é uma prática alarmante, os direitos das mulheres enfrentando discriminação e abuso invisível são factos, perpetuando um ciclo de pobreza e privação, “da tal mão de obra barata”.

A dimensão da governança do ESG, que deveria garantir transparência, ética e responsabilidade, morre pela prática a que muitas empresas recorrem: a corrupção (dois lados da mesma moeda). Subornos a oficiais governamentais e autoridades locais e fraudes contábeis, são práticas comuns que tiram vantagem da fragilidade institucional minando a governança local e perpetuando a instabilidade política, apesar do discurso politicamente correcto.

Os governos das Áfricas têm também responsabilidades e um papel crucial. Devem fortalecer suas instituições para resistir à corrupção e garantir que as empresas operem de maneira justa e sustentável. Além disso, a sociedade civil e as organizações de base devem ser empoderadas para monitorar e denunciar abusos. É hora de acabar com a dualidade moral do ESG e transformar promessas vazias em acções concretas e justas.

É urgente uma posição firme contra essa hipocrisia, e em nome do futuro firmar um compromisso verdadeiro da comunidade internacional, dos investidores e dos próprios governos africanos. Princípios ESG sim, mas para a curar as feridas profundas deixadas por décadas de negligência e exploração, e ajudar a construir um futuro mais sustentável e equitativo para todos.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.

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