A importância do reconhecimento de paradoxos nas dinâmicas dos Conselhos*

3 meses atrás 37

Na abordagem estrutural ao papel do conselho de administração e papel dos seus vários intervenientes, os Administradores Não Executivos (ANE) são os que não têm responsabilidade de primeira linha na execução da estratégia da empresa, mas antes controlam os que a executam e participam com estes nas grandes decisões da empresa.

Esta visão tradicional pode ser enriquecida se conceptualizarmos o trabalho e função dos ANE como eminentemente paradoxal, ou seja, como agentes cujas ações estão sempre moldadas pela presença de contradições entre forças interdependentes. Basta pensar, a título de exemplificação, que cabe aos não executivos desafiar os seus colegas a maximizarem os resultados da organização, mas também lhes cabe a verificação de que tal é feito estritamente de acordo com a legislação e boas práticas pertinentes, implicando procedimentos e regras de atuação que poderão afetar negativamente o objetivo inicial.

Na verdade, os administradores não executivos deverão sempre encarar a sua função como múltipla e conectada com diferentes stakeholders, devendo ter um papel independente como agentes da ‘Governance‘ da empresa com a responsabilidade de evitar a materialização de uma enorme série de possíveis problemas que, ocorrendo, afetarão o desempenho dos seus colegas executivos, incluindo a falta de controle e accountability, os erros resultantes do “pensamento de grupo” ou, nalguns casos, a hubris dos executivos e do seu líder.

Olhando para a ação dos não executivos pela lente da teoria dos paradoxos, não se pretende descartar a análise tradicional, mas antes completá-la, esperando-se que possibilite aos intervenientes tornarem as tensões e paradoxos visíveis na sua ação enquanto membros do conselho, entendendo melhor o seu trabalho e a sua função num contexto que é complexo, multifacetado e inerentemente paradoxal. Quando os membros de um conselho atuam através desta lente, acabam por instituir uma dinâmica que permite aos vários intervenientes a assunção de contradições, permitindo tornar os paradoxos visíveis, constituindo assim uma fonte de melhoria da atuação do conjunto.

Os paradoxos num Conselho de Administração são de vários tipos. Em primeiro lugar, há o paradoxo de pertença que tem a ver com o facto de que, para muitos administradores não executivos, há que compatibilizar, não esquecendo, que são membros de um importante órgão de decisão de uma empresa e, simultaneamente, deverão manter a sua independência. Esta tensão é inescapável e persistente, mas não pode ser omitida no pensamento ou na ação.

Uma segunda categoria tem a ver com o desempenho, sendo que se espera que as empresas o tentem otimizar incessantemente. Aqui os não executivos têm um papel dual: apoiar o crescimento e o desempenho e reconhecer, atuando em conformidade, que uma pressão excessiva pode levar a fenómenos altamente destrutivos, pondo mesmo em causa o propósito original.

Em terceiro lugar, as organizações têm de explicitamente conceder poder aos seus principais decisores executivos. Mas têm também de os controlar. Estando os não executivos na primeira linha desse controle e convivendo em simultâneo com a delegação de poder executivo, não podem deixar de assumir e resolver esta dualidade paradoxal. Finalmente, mas não menos importante, o facto de a supervisão da atividade executiva ter de ser feita com profissionalismo e independência, mas o acesso à informação pertinente depende da aquiescência dos administradores executivos, o que nunca pode ser ignorado e exige, naturalmente, colaboração.

Acresce que, no contexto atual, em que se generaliza a imposição de elementos de diversidade nos conselhos e se justifica a necessidade de atender aos interesses de variados stakeholders, a gestão da pluralidade tornou-se ainda mais relevante no funcionamento dos conselhos. Estes aspetos levam, por si, a uma maior sensibilidade para a importância da incorporação dos paradoxos existentes nas relações estabelecidas e na abordagem aos problemas tratados (paradox thinking), com a certeza que as tensões entre diferentes objetivos e papeis são permanentes e inerentes à natureza dos Conselhos e à função dos seus diferentes intervenientes. Nunca o esquecer é fundamental para uma correta e completa execução da função de Administrador Não Executivo.

* Reflexões a partir do artigo: Visibilizing and managing paradox: Redefining the role of non-executive directors, por Miguel Pina e Cunha, Antonio Nogueira Leite, Arménio Rego e Remédios Hernandez Linares, Corporate Governance, Emerald Pubs, 2024.
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