A nossa infantilização

3 meses atrás 42

As equipas dos hospitais públicos vão receber 750 euros por cada parto que façam acima da média realizada nos últimos três anos. Há ainda a exclusividade e o dinheiro que pagava as cirurgias no privado — quando o prazo máximo era ultrapassado no SNS — e que nos últimos meses tem ido para as equipas do público que fazem horas extraordinárias.

O ponto aqui é simples: está a ser atirado dinheiro e mais dinheiro para cima dos médicos. Pagar pela exclusividade é adequado. Pagar por cada parto a mais do que a média dos últimos três anos é embaraçoso — o funcionário da loja de cidadão também vai receber a mais por cada processo que resolve a mais? Incentivar as horas extraordinárias — desvalorizando a produção dentro do horário normal —, parece-me não apenas errado como também é fonte de grandes desequilíbrios salariais dentro do mesmo hospital. Quem está nas equipas de cirurgia fatura à grande (nalguns casos, mesmo à grande) quem não está… não está.

É verdade que os salários dos médicos portugueses no sector público são baixos, em comparação com o que acontece noutros países europeus. Mas acontece o mesmo quase com todas as outras profissões e a todos os níveis. O que singulariza os médicos é o temor reverencial e pacóvio que lhes temos. E depois há outro ponto sobre o qual já aqui escrevi há umas semanas, mas a que me faltou referir um lado essencial. Defendi que a forma de fazer política tem de mudar, porque a crítica permanente arrasa e destrói tudo, até o que está bem ou a melhorar.

O que me faltou dizer foi que os média também têm de cobrir a política, o que inclui a política de saúde, de outra maneira — menos como um jogo de futebol ou uma luta na lama, com vitoriosos e derrotados, e mais como uma conversa da qual surgem dúvidas e caminhos.

Não estou a dizer que as notícias, reportagens e histórias devem ser uma espécie de “Downtown Abbey” ao jantar, cheio de salamaleques, plumas e cortesias. Apenas que dar pontuação aos políticos, como se estivessem no banco de escola, e noticiar o dia a dia no Parlamento como se fosse a guerra das rosas é uma lastimável infantilização das pessoas e um murro na democracia.

Essa realidade mais rudimentar e mesquinha existe, ela não é inventada – onde há pessoas há corpo a corpo –, mas a política é muito mais do que uma manifestação simplória de egos inchados. Se os problemas no SNS (que existem mesmo) são constantemente dramatizados e insuflados, é quase impossível reformar e mudar a sua gestão. Atirar dinheiro é, portanto, a solução que sobra, embora resolva pouco e só por um tempo. (Continua)

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