“A questão da independência da Escócia não está morta”

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Reino Unido

01 jul, 2024 - 19:19 • António Fernandes

Professor de Política na Universidade de Glasgow, Jonathan Parker, faz o ponto de situação da luta pela independência. em vésperas de eleições no Reino Unido.

Entrevista a Jonathan Parker
Entrevista a Jonathan Parker

O Reino Unido vai a votos e tudo indica que uma mudança de direção dará uma maioria histórica ao Partido Trabalhista, ao fim de 14 anos de poder conservador. Os eleitores escoceses votam para o Parlamento de Westminster — ainda que estas eleições não afetem o seu governo — e volta uma velha questão: a independência. O Partido Nacional Escocês, o SNP, diz que um voto em si é um voto na independência do Reino e em novo referendo, depois da derrota em 2014 (52% votaram contra).

Apesar da previsível queda do SNP nestas eleições, Jonathan Parker, professor de Política na Universidade de Glasgow, diz, em entrevista à Renascença, que é um erro se “os Trabalhistas acharem que podem fechar esta questão numa caixa nos próximos 20 anos”. Além disso, faz o ponto de situação da luta pela independência e esclarece que vias sobram para forçar novo referendo.

Pode pôr em contexto a história recente da questão da independência?

Obviamente podíamos ir muito, muito atrás no tempo. Mas vamos olhar só para o período após a devolução (dos poderes). Em 1999, a Escócia passou a ter um parlamento e um governo próprio e, durante a primeira década, a disputa ficava pelo Partido Trabalhista, do centro esquerda, que tradicionalmente se dava bem na Escócia e o Partido Nacional Escocês (SNP), que pedia a independência. O SNP subiu ao poder em 2007 e, desde aí, tem dominado o panorama político escocês. Antes do SNP subir ao poder já se falava na independência, mas provavelmente os números de aprovação seriam à volta dos 25%, apesar de muita gente querer mais autonomia para o país. Com uma maioria, o SNP convocou o referendo em 2014, polarizou o eleitorado durante a campanha, e chegaram a quase metade da população — a outra metade ficou ainda mais contra a independência.

Essa tem sido a história das eleições escocesas desde 2014, uma metade com o SNP pela independência e a outra metade contra a independência, que tem apoiado mais o Partido Conservador.

Agora estamos a ver um regresso ao início dos anos 2000, com os Trabalhistas a recuperarem muito do apoio que tinham e a porem em causa o domínio que o SNP tem na Escócia. E estamos a notar uma queda não no apoio à independência, mas na importância que lhe é dada pelos eleitores. Caiu na lista de prioridades das pessoas, que pensam que podem regressar ao tema daqui a 5 ou 10 anos. Também porque neste momento não há um caminho claro para a independência, e porque assuntos como o custo de vida e os serviços públicos estão a ter mais atenção.

Em cima disso também há o facto da própria imagem do SNP ter sido afetada pela demissão de Nicola Sturgeon, que foi investigada por apropriação de fundos do partido pouco depois. O seu sucessor Humza Yousaf também durou pouco tempo.

Sim, isso também teve um impacto significativo. A Escócia tem cerca de 10% da população do Reino Unido, por isso a sua capacidade para influenciar o desfecho das eleições legislativas é limitada, então o muitas pessoas votam consoante a performance do Governo escocês.

Ter tido como líder Nicola Sturgeon, uma primeira-ministra muito carismática e que era tida como uma das políticas mais capazes, deu ao SNP uma grande vantagem em todo o tipo de eleições. Agora que Sturgeon já não está lá — e o facto de não ter preparado um sucessor — deixou um vazio no topo do SNP. Depois da sua saída, houve uma campanha pela liderança que abriu divisões no partido. Depois, com a demissão de Yousaf, também perderam muito da sua reputação enquanto uma força da estabilidade governativa.

O SNP está no poder desde 2007 e nas últimas eleições, em 2019, conquistou boa representação em Westminster, mas não conseguiu avanços na questão da independência. Ainda assim, John Sweeney, o novo líder do SNP, colocou o referendo como parte central da campanha de novo. Qual é a justificação para isso?

Ficaria surpreendido se John Sweeney quisesse mesmo que a independência fosse o foco da campanha. Em tempos, o SNP teve bons resultados com o argumento de que são o partido que defende a Escócia. Independentemente do que pensam sobre a independência, a maior parte das pessoas são, de alguma forma, nacionalistas. E, por isso, a sua questão é sempre: que partido vai defender melhor os interesses da Escócia. Por isso há quem não tenha a certeza sobre a independência e, mesmo assim, vote no SNP, porque sabem que na eventualidade de haver um referendo podem votar contra.

Desta vez, estão a dizer que um voto no SNP é um voto para recomeçar negociações para a independência. Eu acho que isso é um erro estratégico que pode empurrar eleitores para os trabalhistas. Mas não deixa de agradar à base do partido, que vê a independência a escapar por entre os dedos, e quer ação. Sweeney acabou de se tornar líder do partido e vai tentar legitimar a sua posição, ganhar o apoio dos membros do partido depois de um período longo de lutas internas no partido. Por isso, acho que é mais uma forma de gerir o próprio partido do que tentar conquistar o eleitorado em geral.

E se isso falhar? Pode a luta pela independência saltar uma geração?

Não acredito nisso, e acho que muita gente nos Trabalhistas — que estão com esperança de terem derrotado o movimento da independência — pensa que pode voltar a meter a questão fechada numa caixa nos próximos 20 anos. Mas, se parares pessoas na rua, e lhes perguntares “Apoias a independência?” perto de 50% ainda vai dizer que sim. E nos jovens o apoio sobe para os 80%. Por isso, mesmo que os eleitores não votem, desta vez, com a independência em mente, a questão não vai desaparecer. Vai depender muito do que os Trabalhistas conseguirem fazer nos próximos dois anos. Porque para os eleitores o que interessa mesmo são as eleições para o Parlamento Escocês em 2026. Se, até lá, os Trabalhistas não conseguirem melhorar a economia, podemos chegar a um ponto em que o SNP pode ter nova janela para atacar a independência. Não é uma conclusão a 100%, mas a questão da independência não está morta. Pode desaparecer nesta eleições, mas vai voltar num futuro próximo.

De que forma se compara a situação atual com o contexto em que Westminster concedeu o referendo de 2014?

Na altura, o governo do Reino Unido deu essa permissão porque o apoio à independência era de cerca de 30%, e estavam convencidos que iam vencer o referendo por uma maioria larga. Pensaram: “Vamos deixá-los ter este referendo, vão perder e depois nunca mais voltamos a falar do assunto.” Não previram que a independência se ia tornar um movimento forte e acabou por ser o tema central ao longo da última década, com os partidos cada vez mais polarizados sobre a questão. O contexto político é muito diferente e acho que os unionistas, que apoiam a permanência no Reino Unido, temem perder um segundo referendo. Nenhum partido em Westminster vai ter vontade de dar essa hipótese ao SNP. E o Labour deve ganhar com uma maioria tal que não vai precisar de fazer concessões ao SNP.

O movimento independentista não quer repetir uma situação como a da Catalunha, não querem um referendo que não seja reconhecido e que depois possa ter pouca participação. Querem fazer tudo direitinho, porque isso é a melhor forma de conseguirem separar-se do Reino Unido. E é por isso que o movimento está algo estagnado. Westminster não precisa de ouvir o SNP e o SNP não tem outra forma de conseguir o referendo.

Isso quer dizer que uma mudança de governo não significa nada para esse movimento no imediato?

Não, de todo. Os trabalhistas não têm vontade disso, nem vão estar numa posição que precisem de dar um referendo à Escócia. Vão tentar ser competentes e recuperar a confiança do eleitorado escocês, porque parte do argumento do SNP é mostrar como os governos Conservadores têm sido incompetentes ao longo dos últimos 14 anos. O apoio à independência tem valores semelhantes aos do referendo e, por isso, o SNP vai ter de jogar a longo prazo, trazer esse apoio para cerca de 60% para que não possa ser ignorado pelo poder político e pelas elites em Westminster. Nessa, altura ignorá-lo não seria democrático. Na minha opinião, o SNP deve-se focar em governar bem, convencer as pessoas da independência do Reino Unido enquanto conceito e regressar ao tema daqui a alguns ciclos eleitorais

Um dos grandes argumentos a favor de um novo referendo é que as condições mudaram, porque na altura o Reino Unido ainda estava na União Europeia. Se o SNP perder votos como se espera, isso quer dizer que a ideia de voltar à UE perdeu força?

Não, na verdade o apoio à ideia de regressar à UE está nos níveis mais elevados desde o referendo ao Brexit, não só na Escócia, como à volta do Reino Unido. Mas a grande questão é que isso importa menos aos eleitores do que antes e o Brexit praticamente não foi assunto na campanha. Nas eleições anteriores havia uma correlação entre o partido em que votavas e se tinhas votado para ficar ou deixar a UE. Essa ligação já não é tão forte e as pessoas votam menos a pensar no Brexit e na independência, os dois grandes temas da última década, e focam-se mais nas questões do custo de vida, da economia e da saúde, por exemplo.

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