As línguas, tal como as identidades culturais, são fenómenos elásticos e dinâmicos que não ficam presos a uma lei, norma ou política nacionalista ou de etnicidade em realidades multiétnicas. Qualquer tentativa de formulação de uma identidade nacional única baseada num senso nacionalista à francesa e de exclusão étnica poderá gerar um trade-off e consequências políticas, sobretudo, numa sociedade multiétnica.
Samora Machel fomentou o radicalismo político em favor do nacionalismo, onde a língua portuguesa era um elemento de consolidação da unidade nacional, acabando por gerar a RENAMO e, consequentemente, a guerra civil moçambicana.
Mobutu Sese Seko, com o seu projecto político de “autenticidade”, passou a promover os aspectos culturais africanos, motivando a uma mudança do nome do país para Zaire (Léopoldville tornou-se Kinshasa e Shaba virou Katanga). Este projecto visava a projecção da nação zairense através da adopção de nomes africanos, vestuários, língua lingala e elevação de membros da sua etnia a cargos governamentais, provocando, deste modo, várias guerras civis durante o seu consulado.
O lingala foi um instrumento essencial para a projecção do senso zairense, sobretudo no campo musical. Sendo a língua adoptada por grandes bandas, como a famosa orquestra Tout Puissant Orchestre Kinshasa (mundialmente conhecida como TP OK Jazz), sob a liderança de Luambo Luanzo Makiadi (Franco).
Mobutu, através da projecção de uma língua africana, acabou por provocar uma transformação na identidade congolesa, gerando uma associação entre a língua falada pelos cidadãos do Congo e a identificação dos seus falantes como “langas” (termo pejorativo em Angola), independentemente do seu grupo étnico.
Essa transformação está também a ocorrer no Senegal, onde, segundo McLaughlin (2008: 90), “no contexto urbano, as crianças de famílias multi-linguísticas consideram ser wolof, isto porque é a língua que eles falam. A wolofização linguística implica, assim, de certa forma a wolofização étnica” (Language and National Identity in Africa).
Em Luanda, os jovens falam português, no entanto, não existe uma associação entre os falantes da língua e Portugal, i.e., não se identificam como portugueses. A língua portuguesa acaba, assim, por ser insuficiente para a formulação de uma identidade para os seus falantes. Para tentar suplantar este facto, a linguista Amélia Mingas entende existir uma nova realidade linguística em Angola, a que chamamos “português de Angola” ou “angolano”.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.