A verdadeira história por trás da lenda da rainha mais difamada da história

3 meses atrás 98

Isabel Stilwell, jornalista e escritora reconhecida pelo seu contributo ao jornalismo português e pela sua habilidade em retratar figuras históricas complexas, lança agora o seu novo livro Leonor Teles, a Rainha que desafiou um reino. Numa conversa envolvente com a Máxima, Stilwell desvenda a verdadeira face de uma das rainhas mais difamadas da nossa história, contestando os relatos tradicionais que a pintam como adúltera e traiçoeira. Segundo a autora, Leonor Teles é vítima da maior operação de difamação da história de Portugal, construída por cronistas como Fernão Lopes para legitimar outras dinastias. Através de uma pesquisa meticulosa e uma narrativa cativante, Stilwell apresenta-nos uma mulher multifacetada e resiliente, que se destacou num tempo em que o poder e a ambição femininas eram severamente condenados.

Capa do livro Capa do livro "Leonor Teles". Foto: DR

O que a motivou a escrever um livro sobre Leonor Teles, uma figura tão controversa da história portuguesa?

Exatamente por ser controversa, odiada mesmo. O estereótipo da mulher sedutora e vingativa. Desconfio sempre, porque somos todos muito mais complexos e interessantes do que estes retratos a preto e branco tentam fazer crer. Por isso parti em busca da verdadeira Leonor.

Leia também Histórias de Amor Moderno: “São dezenas as instruções que lhe dou e ele tem-se mostrado altamente obediente”

Que aspetos da vida de Leonor Teles a intrigam mais e como tentou abordá-los no seu livro?

Quis perceber como foi o seu primeiro casamento, o primeiro filho que "abandonou", como o rei se apaixonou por ela, e que tipo de relação tiveram. Na verdade, tudo me intrigava, o envenenamento de D. Fernando, as rivalidades e intrigas. É um daqueles tempos da História em que a realidade supera em muito a ficção.

Durante a pesquisa para o livro, encontrou alguma informação nova ou surpreendente sobre Leonor Teles que não fosse amplamente conhecida?

Penso que a chave para abrirmos a porta que nos aproxima de Leonor é perceber que Fernão Lopes, que escreveu sobre ela cerca de cinquenta anos depois, tinha um propósito claro: denegri-la, para justificar a legitimidade da Dinastia de Avis, para quem trabalhava. É um homem brilhante, que escreve fabulosamente, mas peca por encaixar as peças como lhe convém. Hoje diríamos que era um verdadeiro criador de fake-news.

Leia também Horóscopo. Saiba quais os signos que vão entrar em junho com o pé direito (e os que não)

Como é que caracteriza Leonor Teles: como uma vilã histórica ou uma mulher mal compreendida pela sua época?

Como uma pessoa complexa, com muitas facetas, capaz do melhor, mas também do pior. Num tempo — será que mudou assim tanto? — em que uma mulher que tem ambição de poder e luta por ele, é imediatamente acusada de ser "uma Leonor Teles". Adúltera, barregã, aleivosa, o que não falta são epítetos como estes que foram replicados ao longo dos séculos.

Quais foram as principais dificuldades que encontrou ao tentar reconstruir a vida de Leonor Teles, dado que a informação disponível pode ser escassa ou enviesada?

Felizmente os historiadores atuais já nos dão as armas para conseguirmos ler os acontecimentos daquele tempo com outra imparcialidade, cruzando fontes e pontos de vista, e ajudando a entender o que se passou em Portugal no contexto do que sucedia então em toda a Europa. Por exemplo as revoltas populares que Fernão Lopes atribui ao casamento do rei com Leonor, estavam a acontecer em Castela, França, Inglaterra, e por ai adiante e eram uma consequência da crise económica desencadeada pela Peste Negra. Como acontece quase sempre, é a riqueza ou a pobreza que define um tempo.

Leia também Alguém pediu sucesso? Estes signos estão cheios de sorte

Pode descrever algum episódio específico da vida de Leonor Teles que considera particularmente marcante ou revelador da sua personalidade?

Quando percebeu que o rei tinha sido envenenado e estava muito debilitado e às portas da morte, tanto quanto sabemos "escondeu-o" dos olhares da corte e dos embaixadores, e assumiu discretamente a governação por ele. Mesmo antes e depois deste episódio, vemos a assinatura da rainha quase sempre ao lado da do rei, inclusive nos tratados de aliança com Inglaterra, o que era invulgar, mas sinal da sua força e da consideração que os outros reinos tinham por ela.

Qual foi a sua principal inspiração ao escolher o formato narrativo para contar a história de Leonor Teles?

É o meu 12º romance histórico, já deixo que seja a história a decidir como quer ser contada. Neste caso, com uma segunda voz, a de Guiomar Lopes Pacheco que educou Leonor e que é simultaneamente irmã do assassino de Inês de Castro e maior inimigo do rei D. Fernando, e nos dá sempre um segundo ponto de vista.

Acha que a história de Leonor Teles pode ter paralelismos ou relevância para os dias de hoje? Em que aspetos?

A história de Leonor Teles é uma lição para os dias de hoje: o efeito das fake-news, a destruição do carater de alguém nas primeiras páginas dos jornais, perdura por séculos e séculos. Não é por acaso que a Constituição Portuguesa consagra o direito ao bom nome.

Existe alguma parte da história de Leonor Teles que gostaria de explorar mais a fundo num futuro trabalho?

Há sempre personagens secundárias que davam um livro, como é o caso de Diogo Lopes Pacheco, que esteve envolvido no assassinato de Inês de Castro, fugiu de Portugal disfarçado de mendigo, lutou com os reis de Castela, esteve com um "partido" e com outro, mas resistiu sempre, ao ponto de ser uma das testemunhas vitais já em velhinho para a aclamação de D. João I.

Como é equilibrar a ficção com a realidade histórica ao escrever sobre figuras históricas complexas como Leonor Teles?

Costumo dizer que sou jornalista do passado, e que, portanto, uso as mesmas técnicas do jornalismo: ouvir o máximo de pessoas, confrontar cada facto com o possível contraditório, e procurar aplicar a plausibilidade às lacunas que inevitavelmente existem. Seja numa história de há 700 anos ou passada há dez dias. No final do meu livro tenho sempre uma História dos Personagens e a Bibliografia, para ajudar o leitor a conhecer melhor os factos sobre cada personagens e a procurar mais, se assim o entender.

Ler artigo completo