Ações de Fiscalização em massa e Trabalho por Decreto. Faz sentido?

6 meses atrás 63

Como declaração de interesses, gostaria de dizer, desde já, que sou totalmente a favor da fiscalização dos “falsos recibos verdes” (assumindo que estes são mesmo “falsos” e se reportam, de facto, a relações laborais encapotadas) e de medidas que contribuam para a diminuição da precariedade laboral.

É público que foi lançado uma mega ação de fiscalização a partir de Fevereiro de 2024 pela ACT, recorrendo ao sistema de cruzamento de dados com a Segurança Social que as novas alterações ao Código do Trabalho, na sequência da Agenda do Trabalho Digno, tornaram possíveis.

Como declaração de interesses, gostaria de dizer, desde já, que sou totalmente a favor da fiscalização dos “falsos recibos verdes” (assumindo que estes são mesmo “falsos” e se reportam, de facto, a relações laborais encapotadas) e de medidas que contribuam para a diminuição da precariedade laboral.

Por outro lado, tenho de assumir as minhas maiores dúvidas quanto à imposição “por decreto” e ao facto da ACT ter basicamente notificado quase 10.000 empresas para, sem mais, “regularizar” o vínculo laboral de milhares de profissionais apenas porque a ACT os considera como economicamente dependentes, ou seja, por concentrarem 80% ou mais do seu rendimento numa única entidade por intermédio de recibos verdes, naquilo que considero ser um claro “atropelo” à lei em vigor.

Com efeito, há muito tempo que o Código do Trabalho (no seu art.º 12.º) estabelece quais são as características que precisam de ser verificadas para que se possa presumir a existência de um contrato de trabalho entre a pessoa que presta uma atividade e a entidade que dele beneficia e que sejam formalizadas por intermédio de recibo verde e são estas: (i) local de trabalho pertencente à empresa; (ii) instrumentos de trabalho da empresa; (iii) empresa define horário (iv) a quantia certa e regular como contrapartida pela prestação da atividade e (v) o prestador da atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Ou seja, verificadas estas características, o profissional pode acionar junto da ACT ou dos tribunais a correspondente ação judicial destinada ao reconhecimento da existência do contrato de trabalho, sendo este sistema legal, para o bem ou para o mal, aquele que está em vigor em Portugal.

O leitor observará seguramente que o critério da dependência económica (80% do rendimento associado a uma só entidade) não consta do elenco de características suscetíveis de fundamentar a existência de um contrato de trabalho, mas por outro lado, constitui o único elemento considerado pela ACT para despoletar uma notificação de regularização do vínculo laboral à empresa que tenha um profissional com estas características…

Há algo que está aqui errado, porquanto se se considerar que a lei não está a dar uma resposta adequada a este tema, então que se altere a lei, mas não poderemos é aceitar que a ACT (como  o órgão que está encarregue de fiscalizar o cumprimento da lei) possa “atropelar” a mesma lei que a ACT tem o dever de fiscalizar o seu cumprimento, impondo requisitos e características que dela não constam e que são mais próximas de sistemas autoritários e não um Estado de Direito como o nosso.

Por outro lado, é importante que se diga que no atual mercado de trabalho (que se encontra praticamente numa situação de pleno emprego e com altos índices de competitividade) e no atual mercado da habitação (com escassez na oferta e há quem diga que se encontra sobrevalorizado), uma das principais consequências e desvantagens para os profissionais que não têm contratos de trabalho, com uma discriminação (a meu ver injustificada) no acesso ao mercado da habitação e do acesso ao crédito bancário, principalmente no caso dos profissionais mais jovens que veem assim o seu sonho de ter uma habitação própria adiado ou, pura e simplesmente eliminado. Assim, mais do que procurar reconhecer a existência de contratos de trabalho por “decreto” ou “à pistola”, se calhar valia a pena regular a atividade bancária no sentido de garantir que os mais jovens, ou pura e simplesmente, os profissionais que escolheram desenvolver a sua atividade profissional de forma independente não sejam injustamente discriminados face aos demais…

Vale a pena pensarmos nisto…

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