Acordo de paz "não eliminou" fatores de conflito em Moçambique

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"O que aconteceu foi um acordo entre o Governo de Moçambique e o líder da oposição, que permitiu o silenciamento das armas, mas não eliminou os fatores geradores de conflito (...) que estão na possibilidade de participação, estão na despartidarização e estão na possibilidade de criação de um Estado de direito", explicou.

João Feijó, pesquisador do Observatório do Meio Rural (OMR), organização não-governamental (ONG), e autor de vários trabalhos sobre o conflito terrorista em Cabo Delgado, acrescentou que estas dificuldades são sublinhadas nos períodos eleitorais, quando são percebidas as "fragilidades" do acordo de paz assinado em 06 de agosto de 2019.

"Porque a seguir aos escrutínios eleitorais assistimos a um grande descontentamento da população e a uma grande desconfiança da população em relação aos resultados eleitorais. E assistimos durante aquele mês seguinte a população na rua a manifestar-se e com ameaças de se incendiar novamente o país", apontou Feijó, em declarações à Lusa à margem da conferência "Fatores de Conflitualidade em Moçambique", promovida hoje em Maputo pelo OMR.

"A pólvora está aqui toda, basta aparecer um líder mais violento, mais populista, que atice a população, que poderá haver estes sismos sociais e estas revoltas, que são depois violentamente reprimidas pela unidade de intervenção rápida, criando mais fraturas no tecido social moçambicano, mais sentimento de ressentimento em relação ao Estado central e tornando mais violentas as vinganças", apontou.

Problemas que diz que "um dia, mais tarde ou mais cedo" vão acontecer, "porque nenhum regime fica eternamente", recordando os 49 anos no poder da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

Hoje passam cinco anos após a assinatura do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional, em Maputo, entre o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o líder da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), Ossufo Momade.

"Existem muitas `Renamos`. Existe a política, que está no parlamento, existe a Renamo militar, que está nas matas ou em vias de sair das matas, e depois existe a Renamo social, que representa esta consciência da população de que o Estado central não permite a possibilidade de participação e que a violência constitui a única possibilidade de participação, é composta, sobretudo, por uma juventude zangada que está nas redes sociais, a protestar, e que não encontram maneira de alterar o cenário", considerou Feijó.

O Presidente moçambicano garantiu em 31 de julho, na Gorongosa, palco há cinco anos do acordo que terminou as hostilidades (01 de agosto, antecedendo o acordo de paz), que quase 90% dos mais de 5.000 antigos guerrilheiros da Renamo já recebem pensões.

"Portanto, não pode haver teoria de que as coisas eram só faladas", afirmou Filipe Nyusi, no Chitengo, em pleno Parque Nacional da Gorongosa.

A Gorongosa, segundo Nyusi, é hoje o "parque de paz" de Moçambique, local afetado pela guerra e onde em 01 de agosto de 2019 foi assinado o Acordo de Cessação Definitiva das Hostilidades Militares, entre o Governo e a Renamo.

"Esta é uma prova inequívoca de que este espaço de conservação da natureza constitui um legado natural e parte da história do povo moçambicano. A partir deste espaço, os moçambicanos se abraçaram para, em paz e harmonia, trocar a guerra pelo desenvolvimento do seu país", recordou, sobre o acordo que assinou com o então presidente da Renamo, Ossufo Momade, após anos de conversações com o histórico líder e fundador Afonso Dhlakama (1953--2018).

"O clima de paz permite que a administração do parque procure, na dimensão das suas necessidades, recrutar diretamente ex-combatentes da Renamo para o seu quadro de pessoal", disse Nyusi, acrescentando: "Ninguém liga a quem foi guerrilheiro. Essa conversa aqui na Gorongosa não há".

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