Agricultores: “Não aguentamos mais, isto já é o grito de desespero”

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Reportagem na A25

01 fev, 2024 - 15:15 • Fábio Monteiro

Agricultores da Beira Baixa aparcaram mais de 200 tratores em ambos lados da via da autoestrada que dá acesso à fronteira de Vilar Formoso.

Uma espécie de centopeia mecânico-agrícola, com perto de um quilómetro de comprimento, bloqueou, esta quinta-feira, por volta das seis da manhã, a circulação na A25, junto à área de serviço do Alto do Leomil.

Conforme anunciado, os agricultores da Beira Baixa, associados ao protesto do Movimento Civil para a Agricultura (MAC), aparcaram mais de duzentos tratores, atrelados com lenha ou fardos de palha, carrinhas todo-o-terreno e máquinas agrícolas, em ambos lados da via da autoestrada que dá acesso à fronteira de Vilar Formoso. Reclamam o direito à alimentação adequada, condições justas e a valorização da sua atividade.

O bloqueio deu-se ainda com a noite cerrada, e foi acompanhado por um destacamento da GNR. Apesar de ontem o Governo, num acordo de última hora firmado com a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), ter revertido alguns dos cortes anunciados nos apoios aos agricultores, o MAC avançou à mesma com o protesto.

É ainda incerto quando irá terminar. Agricultores ouvidos pela Renascença prometem ficar dias, semanas, se necessário. Desafiam até a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, a vir ao terreno.

Paulo Tomé, porta-voz do MAC na Beira Baixa, pernoitou junto ao local do bloqueio na A25. E não dá sinais de cansaço. O protesto tem como objetivo, “mais que a parte financeira”, acordar os portugueses para a realidade, diz à Renascença.

“De uma vez por todas, haja respeito pelo agricultor e percebam a nossa importância na sociedade. A população, quando vai ao supermercado, tem de perceber que ao comprar um produto por um determinado valor, ele poderia custar o dobro, podia ser mais caro. Os apoios que temos são, no fundo, um a forma de regular uma falha de mercado. Estes apoios, no fundo, servem para sustentar a atividade e para conseguirmos produzir", explica.

Para o agricultor, o esquecimento do setor da agricultura é um problema transversal a todos os partidos. “Por isso este movimento apartidário, sem confederações, sem associações, no fundo está a dizer: olhem para nós.”

Presentes até à mudança

De forma orgânica e não planeada, os agricultores dividiram-se, ao longo da A25, em pequenos núcleos. No meio de cada um desses aglomerados, montaram parques de merendas improvisados, com azeitonas, queijo, sandes, cafés, sumos, vinho e cálices de CRF.

Pelo menos ao nível logístico, os agricultores estão preparados com mantimentos para a luta – que promete durar dias. Trouxeram até bidons para fazer grelhados.

Sebastião Gorjão Henriques, agricultor de Castelo Branco, diz à Renascença que o descontentamento passa, sobretudo, pelo corte dos apoios à produção em duas medidas: a do biológico e a da produção integrada. O agricultor refere-se aos cortes anunciados de 35% e 25% nos montantes a pagar pelo Estado ao abrigo dos ecoregimes de agricultura biológica e de produção integrada. No entanto, na quarta-feira, véspera do protesto, o Governo anunciou um pacote de apoio aos agricultores, onde estão previstos 60 milhões de euros para garantir que os cortes não avançam.

“Estes 35% são fundamentais nas nossas casas agrícolas e nós estamos a enfrentar um período que é praticamente impensável. Nós não aguentamos mais, isto já é o grito de desespero”, diz.

“Vimos para aqui, fechámos a autoestrada, aqui vamos ficar até que a ministra [da Agricultura] nos pague aquilo que é devido, aquilo a que nós nos candidatámos, produzimos, já vendemos. Faz todo sentido recebermos esse dinheiro, esse dinheiro é nosso”, acrescenta ainda.

No entender do jovem agricultor de Castelo Branco, Maria do Céu Antunes, “se for uma pessoa integra e vertical”, deve ir ao terreno e conversar com os agricultores.

“Nós não vamos sair daqui enquanto não recebermos o dinheiro e não houver uma estratégia de futuro daqui para a frente. Temos aqui as máquinas, podem chamar o exército, a GNR. Nós somos ordeiros, pacíficos. Parámos as nossas máquinas. Estamos aqui pacificamente à espera de uma resposta”, atira.

Alguns tratores à frente, aparece Luís Condessa. O agricultor entende que o “poder político” tem de “perceber que a agricultura neste país é o pilar principal de toda a nossa economia”. E nem o acordo com a CAP o fará desmobilizar. “Há outras reivindicações que não estão a ser resolvidas. Nomeadamente, a do gasóleo agrícola, a questão da concorrência desleal, e o apoio aos pequenos agricultores”, frisa.

Podia ser pior…

O bloqueio na A25 decorreu sem qualquer momento de tensão com as forças policiais. Em parte, isso deveu-se ao facto de existirem vias alternativas e formas de acesso à fronteira para os veículos pesados que, todos os dias, cruzam Vilar Formoso.

Alguns agricultores da Beira Baixa ouvidos pela Renascença lamentaram que o MCA não tenha pensado também bloquear a estrada Nacional 16, de modo a criar “reais constrangimentos”.

À Renascença, um agricultor, que pede para não ser identificado, confessa mesmo alguma deceção com a adesão. “Estava à espera de muito mais. Mas estamos os suficientes. E bons. Uma coisa é certa: os que estão aqui estão para ficar. Já tenho tenda, saco de dormir. Os tratores também estão aí. Os animais na herdade têm de comer”, diz.

Metros adiante, João e Ana Santos repetem a mesma ideia.

O filho de 17 anos estuda na Escola Superior Agrária, em Ponte de Lima, mas assim que soube da manifestação regressou a casa, para acompanhar a mãe, que tem uma quinta com cerca de 500 cabras. “Vim para cá logo quando soube da manifestação porque é uma obrigação nossa, temos de ficar aqui a dar o máximo de apoio”, diz.

Ana quase cora de orgulho. E diz: “Ficamos até eles quererem. Pode ser até à noite, quinze dias, amanhã, é igual.”

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