AIVolution: Os perigos e encantos da Inteligência Artificial aos olhos de um futurista

3 meses atrás 102

A Inteligência Artificial (IA) é a maior invenção com impacto social, científico e económico desde os tempos da Revolução Industrial. Mas, tal como o advento dos combustíveis fósseis, também acarreta riscos que devem ser acautelados desde já. «Nunca olhámos para as consequências da dependência dos combustiveis fósseis e, hoje, enfrentamos um problema de alterações climáticas que vai obrigar 500 milhões de refugiados climáticos a migrar para a Europa. Não podemos cometer o mesmo erro com a IA e pensar apenas nos lucros». Foi com este aviso à navegação que Gerd Leonhard subiu ao palco da conferência AIVolution, que decorreu esta manhã na Sala Tejo, em Lisboa, da qual a Marketeer foi media partner.

Durante uma intervenção dedicada ao tema “Entering the Age of AI: The Impact on Leadership and Human Work”, o futurista alemão de 63 anos, que é também autor do livro “Technology vs. Humanity”, abordou as potencialidades mas também os perigos inerentes ao desenvolvimento das tecnologias modernas, em particular a IA. Até porque se define como um “humanista”.

Comparando a IA a uma ferramenta eléctrica que pode auxiliar os seres humanos na realização de determinadas tarefas quotidianas e rotineiras, Gerd Leonhard lembrou que não sabemos para onde caminha a tecnologia nem que uso pode vir a ter no futuro. Como tal, adverte, é preciso tomar medidas à escala global para regular esta tecnologia – tendo a União Europeia dado um primeiro passo com o AI Act. «Não regulamos quem usa um martelo, mas precisamos de regular quem usa esta ferramenta, porque é mil vezes mais poderosa. É como ter uma pistola de pregos para o conhecimento. É uma ferramenta perigosa», alertou.

Não obstante, para Gerd Leonhard a IA é mesmo a «grande oportunidade de negócio que teremos no nosso tempo de vida» e a «corrida ao ouro do século». E porquê? Porque poderá ter impacto em três revoluções que, na sua opinião, vão definir o futuro da sociedade, das organizações e dos líderes: revolução digital, revolução sustentável e revolução de propósito.

Revolução digital

O desenvolvimento da tecnologia é exponencial e os avanços realizados nos últimos anos vão parecer obsoletos dentro de alguns anos. A tecnologia, em particular a IA, vai muito provavelmente dominar as nossas vidas e terá um impacto transversal a todas as actividades. «Todas as indústrias que podem ser digitalizadas vão ser digitalizadas», vaticina Gerd Leonhard.

Para o keynote speaker da AIVolution, as máquinas vão fazer a maioria das tarefas que podem ser automatizadas e isso trará obviamente consequências ao nível dos recursos humanos. Ainda assim, o impacto não será igual em todos os sectores de actividade. Num call-center, onde 90% das tarefas são automatizadas, por exemplo, o impacto será grande. De resto, estudos apontam que 46% de todo o trabalho administrativo pode ser automatizado. E empresas como a IBM ou a Klarna já estão a substituir humanos por robots nos seus contact centers. «Se 95% do vosso trabalho é rotineiro, vão ter problemas», alertou.

Ao mesmo tempo, isso trará provavelmente grandes ganhos de produtividade. E fará com que os dados e a informação deixem de estar na base da pirâmide de trabalho, podendo os seres humanos focar-se noutro tipo de tarefas e skills, tácitas e não explícitas, onde serão sempre essenciais. Porque há determinadas características que os humanos têm que as máquinas não têm (pelo menos para já), como a intuição, imaginação ou inteligência emocional. «As máquinas não pensam, não têm palpites, não nos compreendem, não imaginam como nós nem se importam. E não o devem fazer! Esse não é o trabalho delas, mas sim ajudar-nos nessas tarefas», refere Gerd Leonhard.

Revolução sustentável

É, na opinião de Gerd Leonhard, ainda mais relevante do que a revolução digital. Estamos a aproximar-nos a passos largos do fim de uma era de dependência dos combustíveis fósseis. Os sinais de alarme já soaram há muito. Contudo, a indústria petrolífera ainda lucra 2 mil milhões de euros por dia. A maior empresa do mundo na actualidade é uma petrolífera saudita, a Aramco. E ainda gastamos anualmente 6 milhões de milhões de euros a subsidiar a produção de combustíveis fósseis no mundo inteiro. «Sabem de quanto dinheiro precisamos para a revolução verde? De 9 milhões de milhões de euros por ano. Então, temos o dinheiro! Só que estamos a pô-lo no sítio errado. Estamos a entregar o dinheiro a empresas que nos podem matar. Estamos a monetizar a nossa própria morte», frisou Gerd Leonhard.

De acordo com o futurista e autor germânico, a transição energética é a maior oportunidade que temos pela frente e a IA pode ajudar nesse sentido. Mas não vai resolver o problema sozinha, porque os comandos partirão sempre dos seres humanos – e do uso que lhe quiserem dar.

O mesmo é válido para todos os outros problemas que enfrentamos – na área da saúde, por exemplo. Mas, para que seja usada para o bem, a IA não pode ser monopolizada por apenas algumas companhias tecnológicas, que têm a sua própria agenda e interesses, advertiu. «O maior risco é que sejam as empresas a liderar o mundo.»

Revolução de propósito

No palco da Sala Tejo, Gerd Leonhard trouxe ainda um outro tema para reflexão: o propósito. Para a sua geração (os designados Baby Boomers), o propósito passava essencialmente por prosperar na vida. O objectivo mais comum era o de fazer dinheiro para, no fundo, viver melhor e de forma mais folgada. «Não queríamos saber de muito mais. Mas, nos últimos 25 anos, 50% das emissões poluentes foram produzidas pela minha geração. E o pior: 90% das emissões são produzidas por 10% da população mundial. Por nós! Agora, as novas gerações dizem que isso não é suficiente, que esta economia unidireccional não basta.»

As gerações Millennial e Z estão a começar a dominar os cargos políticos e empresariais e, nesse movimento, a implementar uma nova filosofia de vida que Gerd Leonhard sintetiza em 4 P’s: pessoas, planeta, propósito e prosperidade. Ou seja, já não querem apenas prosperar a qualquer custo.

A tendência é que as empresas tenham que adaptar-se ao mindset destas novas gerações. «Fazer muito dinheiro a fazer coisas más ainda funciona. Mas não vai resultar no futuro. No futuro, o dinheiro apenas vai ser o resultado de fazer coisas boas. Se as empresas não forem neutras em carbono até 2030, vão ser odiadas pela maioria das pessoas», vaticinou. E é por isso que começamos já a ter regras de sustentabilidade muito apertadas (por exemplo, no sector da aviação com a taxa de carbono) e com penalizações graves para as empresas que não as cumpram.

Em suma, o ideal é que, no paradigma económico, a curva do humanismo (enquanto valor) e da produtividade e eficiência possam andar lado a lado. Neste momento, não é isso que acontece – o lucro, de um modo geral, ainda se sobrepõe a tudo o resto. «Com a IA, temos a oportunidade de reiniciar toda a nossa lógica económica», defende Gerd Leonhard.

Em jeito de conclusão, o responsável deixou a toda a audiência um conselho: «Não duvidem do futuro. Temos a oportunidade de criar algo novo, mas só se tivermos pensamento positivo. Sim, temos mais problemas, mas também temos uma maior capacidade para resolver esses problemas». E, para os líderes de empresas e organizações, uma mensagem especial: «Abracem a tecnologia, mas não se tornem a tecnologia. E, mais importante, ponham os humanos no centro.»

Texto de Daniel Almeida



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