Tenho dito algo aos meus amigos alemães em posições de decisão e dotados de sentido de humor. Pergunto: Sabeis o que é pior do que haver uma Alemanha na Europa? Silêncio. Olhos arregalados. E respondo eu: É não haver.
Os últimos dados mostram que entre as maiores economias do mundo esta é aquela com pior desempenho. Em 2023 contraiu 0,3%. A centralidade comercial dentro da União Europeia (UE) diminuiu, enquanto a competitividade fora da UE estagnou. Registam-se menos vendas para a China e mais compras aos EUA. A indústria contrai. Os analistas falam de falhas de investimento, sobretudo em infra-estruturas públicas.
As coisas não estão boas na Europa, mas a Alemanha é caso especial. Em particular, é significativo para Portugal. Trata-se de um dos nossos principais parceiros comerciais, sendo o destino de produtos diferenciados: por exemplo, é o maior utilizador da engenharia portuguesa. É como disse Pacheco Pereira (Público, 27 Janeiro), “Neste 2024 tudo vai ser dominado pelas relações internacionais” já que “Não há nenhuma questão nacional que não dependa do estado do mundo”.
E o modelo de negócio da Alemanha assentava em relações. Essencialmente três. Primeiro, energia limpa, barata e fiável (Rússia, agora opção cortada). Segundo, mercado gigante em expansão muito inclinado ao seu perfil de oferta (China, relação a esfriar). Terceiro, moeda barata (por estarem numa união monetária com países como o nosso). Em breve só sobrará o próprio sustentáculo europeu, pois a China está a desenvolver-se tendo-se posicionado na frente da mobilidade eléctrica.
De facto, são tempos reveladores. A Alemanha já bateu todos os recordes em termos de Ajudas de Estado, caminho antes visto como predatório no Mercado Único. Em Janeiro foram 902 milhões de euros de subsídios para uma fábrica de baterias ao abrigo de novas excepções europeias que o permitem caso rivais extra-UE tenham aliciado esses investimentos (neste caso os EUA).
Mas, ainda assim, as coisas não estão fáceis. O Tribunal Constitucional aplicou o “travão de dívida”, introduzido em 2009 e em vigor desde 2016, não permitindo aprovar projectos de política industrial no valor de 60 mil milhões de euros. Nenhum outro país do G7 se auto-impôs tão estrita falta de flexibilidade.
Que implicações? Se fintar as suas restrições internas é difícil, o caminho de menor resistência será fazê-lo no quadro da UE. A política externa portuguesa deve tomar devida nota.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.