Amadeu Guerra, o homem discreto que investigou Sócrates, agora à frente da PGR

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Um currículo invejável e o conhecimento profundo do Ministério Público. Amadeu Guerra terá sido a única escolha para suceder a Lucília Gago, tendo sido amplamente elogiado pelos partidos e sindicatos.

O nome do sucessor de Lucília Gago foi conhecido na passada sexta-feira. Amadeu Guerra terá sido a única escolha do primeiro-ministro, levando-a até Belém, com aprovação imediata.

O objetivo do Governo será trazer mais sobriedade ao Ministério Público, depois de toda a polémica que se gerou após o parágrafo que levou à demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, no âmbito das escutas telefónicas da operação Influencer. O primeiro-ministro Luís Montenegro está pronto para arrumar a casa na Procuradoria-Geral da República e Amadeu Guerra, um procurador já jubilado foi a escolha para tal, uma vez que conhece a justiça por dentro.

Mas quem é Amadeu Guerra?

Nasceu em Tábua, no distrito de Coimbra, e tem atualmente 69 anos. Quando o cargo chegar ao fim, em 2030, terá 75 anos, a única preocupação instigada até ao momento.

Licenciou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e chegou a desempenhar vários cargos até chegar agora a Procurador-Geral da República, o mais alto cargo em toda a justiça portuguesa.

Tem uma carreira de mais de 40 anos na justiça portuguesa e ainda exerceu cargos a nível europeu. Entre 1994 e 2006 foi vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), aquela que se tornou a sua área de referência e onde se tornou um dos maiores especialistas do Ministério Público e, a partir de 2001, integrou a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), onde conheceu Luís Montenegro.

Em 2000, em conjunto com o desembargador Mário Varges Gomes, Amadeu Guerra apresentou uma denúncia contra João Labescat na PGR, acusando-o de violar as regras de proteção de dados definidas pela CNPD. Uma segunda denúncia seguir-se-ia.

Enquanto magistrado, ascendeu a procurador-geral adjunto em junho de 2004 e quatro anos mais tarde, em 2008, viria a assumir a coordenação do Tribunal Central Administrativo do Sul. Na União Europeia esteve em cargos no Grupo de Trabalho de Polícia e na Instância Comum de Controlo da Europol.

No entanto, e apesar de todo um extenso currículo invejável a qualquer um, Amadeu Guerra tornou-se conhecido do grande público quando desempenhou funções de diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Assumiu o cargo em 2013, comprometendo-se a investigar a criminalidade económico-financeira e grandes casos de corrupção, branqueamento de capital e crimes de colarinho branco, sob o mandato de Joana Marques Vidal, entretanto falecida.

Já sob a alçada de Lucília Gago – que enalteceu o papel de Guerra na justiça portuguesa -, Amadeu Guerra foi nomeado para o cargo de Procurador Regional de Lisboa pelo Conselho Superior do Ministério Público, tendo-o ocupado entre 2019 e 2020, quando se jubilou por conta de problemas de saúde.

Beirão e benfiquista de coração

Benfiquista de coração, marido, pai de duas filhas e avô. Amadeu Guerra vai assumir um cargo com uma herança pesada, mas nada mais é que um homem comum.

É pautado por ser uma pessoa discreta, trabalhadora e eficaz. Com características da Beirão, região de onde é natural, Amadeu Francisco Ribeiro Guerra será, segundo quem o conhece, um bom garfo e praticante de desporto, principalmente adepto de futeboladas. Na sua personalidade pública demonstra sobriedade e formalidade.

Os casos mais mediáticos que investigou

Apesar de ser benfiquista ferrenho, isso não o impediu de investigar o clube e também o seu então presidente, Luís Filipe Vieira. É com este caso que se pode dizer que Amadeu Guerra não brinca no que toca à justiça.

Ainda assim, este não é um dos seus principais casos, ainda que mediático.

O mandato de Amadeu Guerra à frente do DCIAP ficou marcado por nomes como Ricardo Salgado, José Sócrates, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Armando Vara, entre muitos outros.

Amadeu Guerra é conhecido dentro do DCIAP por ter revolucionado a departamento, abandonando a gestão caótica da sua antecessora, Cândida Almeida. O futuro PGR (toma posse a 12 de outubro) criou uma nova estrutura dentro do DCIAP com equipas multidisciplinares com procuradores, inspetores da Judiciária e Finanças, técnicos do Banco de Portugal e especialistas.

“A lei é igual para todos”. Esta foi, e deverá continuar a ser, a premissa seguida por Amadeu Guerra no DCIAP. Por isso mesmo, tornou-se um dos rostos da investigação na Operação Marquês, que condenou um ex-primeiro-ministro (Sócrates), no caso BES, que investigou um ex-presidente executivo do Banco Espírito Santo (Ricardo Salgado), um ex-chairman e ex-CEO da Portugal Telecom ( Granadeiro e Zeinal Bava) e um ex-ministro e ex-banqueiro (Armando Vara).

Foram mais de quatro anos em que Amadeu Guerra mostrou mão firme na liderança do DCIAP e de como a justiça precisava de funcionar, independentemente das personalidades envolvidas nas investigações criminais. Foi o caso da Operação Fizz, com o ex-procurador do DCIAP Orlando Figueira e o ex-presidente e então vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, que resultou na acusação e condenação de Figueira (processo contra Manuel Vicente foi enviado para Angola e não avançou).

Apesar de também ter estado presente no caso dos Vistos Gold, a sua conclusão não foi tão favorecida, uma vez que o processo resultou na absolvição do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, e de quase todos os arguidos.

Consenso da esquerda à direita

O nome de Amadeu Guerra reuniu consenso entre os partidos, embora tenham existido críticas da falta de procura do mesmo: todos os partidos foram apanhados de surpresa com o nome do novo Procurador-Geral da República.

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, indica que o “Governo fez uma escolha extraordinária” quando a única crítica apontada é a falta de diálogo. Para Hugo Soares, “a escolha de Amadeu Guerra é absolutamente inatacável”, uma vez que se pressupõe a restauração da tranquilidade e o “prestígio” do Ministério Público.

O principal partido da oposição – PS – não apontou críticas ao nome escolhido pelo Governo. “Neste momento, aquilo que me apraz dizer é desejar um bom mandato ao Procurador-Geral da República”, apontou Pedro Nuno Santos à saída da reunião com Luís Montenegro, que visou a discussão sobre o OE2025.

“O Ministério Público é um elemento central na vida democrática portuguesa. Desejamos o melhor possível ao novo Procurador-Geral da República. Vamos torcer para que corra tudo bem, para que seja feito um bom trabalho e para que o Ministério Público continue a ser um elemento central e importante da nossa vida democrática e do Estado de direito democrático português”, enfatizou o líder socialista.

A Iniciativa Liberal, primeiro partido a reagir à nomeação de Amadeu Guerra, mostrou estar confiante na única escolha de Luís Montenegro. “É um nome que garante, no início esse voto de confiança. Já veremos depois, no exercício de funções, como é que as coisas se passam”, referiu Rui Rocha.

Para o presidente da Iniciativa Liberal, Amadeu Guerra é uma “avaliação positiva” para a PGR: Pela trajetória que tem que na sua carreira profissional, é uma pessoa que nos merece um primeiro voto de confiança para exercer esta missão. Tem um passado ligado ao combate à corrupção e parece-nos uma pessoa, do ponto de vista técnico, juridicamente competente”.

Também o PCP elogia a carreira do recém-nomeado PGR. indicando que Amadeu Guerra é um bom presságio por ter um profundo conhecimento do Ministério Público. “Esperamos que esteja em condições de acalmar a turbulência que se tem vivido em relação à atuação do Ministério Público. Desejamos as melhores felicidades no início do seu mandato”, afirmou o deputado António Filipe.

O PAN indica que Amadeu Guerra é um nome forte para o cargo que vai ocupar: “Consideramos que é um nome associado ao combate da corrupção, à invasão fiscal e até mesmo à proteção de crianças e jovens, o que nos parece, em termos curriculares, que tem o necessário para promover as propostas que carecem”, revelou Inês Sousa Real, que só lamentou o facto dos partidos não terem sido consultados.

O Livre partilha a mesma visão, mostrando esperança num “novo paradigma” na abordagem do Ministério Público, ensombrado por tempos negros. Rui Tavares manifestou o desejo de que, sob a liderança do novo PGR, “não venhamos a saber de questões cruciais para a nossa vida coletiva apenas por meio de comunicados do gabinete de imprensa”, como aconteceu com o polémico parágrafo sobre a investigação a António Costa no âmbito da Operação Influencer.

O Chega de André Ventura indica que “Amadeu Guerra é uma boa escolha para Portugal” por todo o currículo que o ex-procurador comporta consigo. Para o líder do Chega, o novo PGR “tem um percurso sem problemas”, embora assuma esperar que “o novo PGR consiga cumprir com funções importantíssimas que o Ministério Público tem em mãos”, sendo que o seu principal desafio será o combate à corrupção (que Amadeu Guerra já provou que consegue fazer).

O consenso chegou também ao Bloco de Esquerda, indicando que a nomeação de Amadeu Guerra deve fazer o “Ministério Público virar a página de Lucília Gago”. “Há o consenso que a Procuradora-Geral da República foi acumulando episódios lamentáveis, que não esteve à altura do cargo, da relevância da instituição. O que queremos é que essa página seja virada”, aponta o bloquista Fabian Figueiredo.

A nomeação de Amadeu Guerra também agradou a Lucília Gago, que será a sua antecessora. Numa missiva enviada à Lusa, a atual Procuradora-Geral da República elogiou a “vasta experiência” do antigo diretor do DCIAP. “A atual Procuradora-Geral da República encara de forma muito positiva a nomeação do Dr. Amadeu Guerra para lhe suceder no cargo. Esse otimismo radica, desde logo, no facto de se tratar de um magistrado do Ministério Público com vasta experiência e conhecimento, o que habilita a uma perspetiva construtiva de incremento da qualidade da intervenção desta magistratura”, referiu Lucília Gago na resposta.

O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Paulo Lona, lembra o “conhecimento profundo” de Amadeu Guerra sobre o funcionamento do Ministério Público. “Parece-me que tem as características necessárias para o desempenho do cargo de Procurador-Geral da República, desde logo o conhecimento profundo do Ministério Público pelos cargos que desempenhou”, adianta Paulo Lona, que destaca ainda a capacidade de diálogo, de comunicação e independência perante o poder político de Amadeu Guerra.

Ao Jornal Económico, o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais indica que Amadeu Guerra é “uma escolha acertada” para assumir a PGR. “Amadeu Guerra estava num curta lista de nomes que podia ser indicado à Procuradoria Geral da República”, destacou o presidente do sindicato, António Marçal.

O dirigente sindical lembra que Amadeu Guerra “é um homem com décadas de serviço como magistrado do Ministério Público, tem o reconhecimento de todos com quem trabalhou, tem um conhecimento enorme do Ministério Público”. “A escolha deste magistrado é de alguém que está ligado ao DCIAP, a grandes processos. É um homem que pautou a sua vida profissional por uma grande descrição”.

Já a bastonária da Ordem dos Advogados disse que a escolha de Amadeu Guerra para a liderança do Ministério Pública foi feita “por quem tem competências” e recusou-se a avaliar a nomeação do Presidente da República, sob proposta do Governo AD. Ao JE, Fernanda de Almeida Pinheiro, desejou “as maiores felicidades” a Amadeu Guerra “no exercício das novas funções”, nomeadamente que “consiga executar na medida que são as expectativas do cargo”.

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