Ambiente 3.0, passos possíveis para uma construção necessária

8 meses atrás 65

Qualquer intervenção a respeito de temas ambientais para merecer a mínima credibilidade, não estar sujeita a censura e assegurar o arregimentamento de todas as fações, carece quase sempre de um “alerta-chavão” ao estado de emergência climática global, a necessidade de uma verdadeira transição energética, a aproximação do apocalipse (!).

Sem desmerecer qualquer dessas preocupações (legítimas) parece-me que uma abordagem que, ao invés fatalista, se edifique a partir de uma visão positiva/construtiva terá mais alcance e mais futuro.

Do plano fáctico e jurídico, um percurso rápido por alguns dos “momentos-chave” afigura-se suficiente para perceber como em algumas décadas foi possível evoluir tanto em Portugal no setor do ambiente. Em pouco mais de 50 anos, a estrutura jurídica passou de um conjunto incipiente de regimes jurídicos (exploração florestal, aproveitamento de águas) para um conjunto sofisticado de normas e standards. Em algumas décadas, aspetos basilares que hoje consideramos adquiridos foram-se lentamente firmando, como seja a aprovação do regulamento de atividades perigosas (década de 60), a lei de bases do ambiente (década de 80), o encerramento das últimas lixeiras a céu aberto (já em 2002), entre outros tantos exemplos.

A evolução normativa fez-se, em primeira linha, enquanto subproduto do direito da União Europeia (UE), mas também do esforço de muitos inquietos que em “contramão” com o espírito vigente e sem recorrer a medidas extremas (bloqueamento de estradas ou lançamento de tinta para obras-primas), fizeram vingar normas e práticas ambientais. Estando a braços com uma crise climática, não necessitamos atualmente tanto de “almas inquietas”, precisamos de comunidades críticas que garantam que os mecanismos criados não se detenham no labirinto jurídico ou burocrático.

Nesse contexto, três mecanismos já definidos carecem, a meu ver, de uma rápida concretização: o mercado voluntário de carbono, o mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço e os projetos agrofotovoltaicos. Se potenciarmos estes mecanismos, estaremos a caminho de um ambiente 3.0.

1.0 – Mercado voluntário de carbono

Foi muito recentemente aprovado o diploma que institui o mercado voluntário de carbono. Em traços gerais, pretende-se implementar um instrumento voluntário de incentivo económico que visa refletir em créditos de carbono (transacionáveis), iniciativas e projetos privados de sequestro/sumidouro de carbono (gestão agrícola e florestal ativa) ou de redução de emissão de gases com efeito de estufa.

Se numa primeira leitura do diploma não deixamos de identificar alguns aspetos meritórios (como a catalisação de investimentos do setor privado, a extensão de áreas elegíveis e a extensão do âmbito para projetos marítimos) numa análise mais profunda retira-se que há um longo caderno de encargos a considerar.

Refiro-me à carência de um regime contraordenacional mais robusto que sirva de contraponto aos benefícios económicos gerados por este mecanismo e mais penalizador para as situações de reversão intencional dos projetos. Refiro-me à necessidade de garantir mecanismos de fiscalização eficazes que permitam a verificação dos projetos (aspeto que, tem sido o principal “calcanhar de Aquiles” noutras jurisdições).

Refiro-me, por fim, à necessidade de ponderação da implementação de um mercado ibérico com uma plataforma comum de transações (à semelhança do MIBEL) e ainda a necessidade de assegurar que projetos implementados em território nacional sejam elegíveis para outros sistemas análogos de forma a assegurar atratividade do nosso mercado.

2.0 – Mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço (CBAM)

Em agosto de 2023, foi aprovado o já denominado CBAM, mecanismo de ajustamento carbónico transfronteiriço. Em traços gerais, este mecanismo, visa, assegurar que empresas que importam determinados bens para UE (atualmente apenas cimento, alumínio, fertilizantes, eletricidade, hidrogénio, ferro e aço) ou que deslocalizaram a sua produção para países terceiros (com custos inferiores decorrentes de políticas climáticas menos exigentes desses países) paguem o preço decorrente da “pegada carbónica” das mercadorias importadas por referência ao preço que seria necessário produzir a mesma mercadoria em solo da UE. Tal mecanismo – que ocorrerá em paralelo com a eliminação progressiva das licenças de emissão referidas – visa, por um lado evitar o denominado “carbon leakage” e, também, encorajar tais países terceiros a introduzir medidas similares de redução de impacte ambiental.

Da legislação comunitária aprovada parecem resultar encargos “titânicos”, tanto para a própria Comissão Europeia (CE), como para a autoridade nacional (no caso, a APA – Agência Portuguesa do Ambiente). Para a CE, o principal desafio será evitar as práticas de evasão (por exemplo através da alteração de nomenclatura dos produtos importados ou fracionamento de remessas) ou o risco de dumping de preços (importadores passarem a exigir aos fornecedores de países terceiros preços mais baixos de forma a garantirem a cobertura do preço do carbono), o que teria efeitos devastadores sobre a credibilidade deste sistema e em última análise sobre a subsistência dos mercados dos países terceiros.

Na perspetiva nacional, as tarefas não são menores. Além do prometido diploma de execução do CBAM para a fase de transição (Decreto-Lei), aguardamos ainda que a APA (a par de outras entidades como a Autoridade Tributária e Aduaneira) assuma um papel de pedagogia, informação e colaboração junto das empresas abrangidas.

3.0 – Projetos agrofotovoltaicos

O sistema de produção fotovoltaica aliada à produção agrícola (denominado agrofotovoltaico) tem já forte expressão em algumas jurisdições como a francesa e holandesa, e representa uma tríplice de vantagens: assegura produção de eletricidade necessária para os projetos, garante a majoração da produção agrícola (uma vez que permite poupanças no consumo de água e evicção de fenómenos naturais por via sombreamento e/ou proteção dos painéis), e permite a continuidade da atividade agrícola.

A relevância deste subsector é de tal forma que, muito recentemente a CE publicou um retumbante relatório sobre o potencial deste setor (“Overview of the Potential and Challenges for Agri-Photovoltaics in the European Union”). Entre os aspetos mais elucidativos refere que bastaria a utilização de 1% da área útil agrícola da zona euro para a implementação de projetos agrofotovoltaicos para gerar entre 315GW a 1415GW de capacidade instalada (valor último que representa só por si quase o triplo das metas para a energia solar na UE até 2030!).

Nesta matéria, e sem prejuízo da ausência de instruções claras a nível comunitário ao nível nacional é incompreensível o total imobilismo setorial e legislativo. Com efeito, quem pretenda nos dias de hoje implementar um projeto desta natureza, não só encontra total desconhecimento das várias entidades envolvidas como, mais, só encontra enquadramento na legislação enquanto projeto-piloto…

Diz-se que em Portugal somos ótimos a concretizar o impossível, mas menos bons na concretização do possível. Entre tantos projetos e mecanismos relevantes em matéria ambiental e de transição energética, parece-me que os três acima indicados são seguros, relevantes e impactantes. Só é necessário começar.

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