Ângelo Girão: «Quero sair igual ao primeiro dia que cheguei»

2 meses atrás 85

Está Tudo Hóquei - O Podcast: falamos com os jogadores, treinadores e olhamos de uma forma própria para a modalidade. Vamos olhar para os jogos que se avizinham, falar com os protagonistas e ouvir as histórias.

No Está Tudo Hóquei desta semana recebemos Ângelo Girão. Depois de uma temporada onde terminou como campeão europeu, o capitão do Sporting visitou os estúdios do zerozero e falou sobre a última temporada, tal como o seu futuro.

zerozero: Tinha ficado prometido este encontro, depois da conquista da WSE Champions League na cidade do Porto, numa altura mais calma, já depois das competições terem terminado.

Ângelo Girão: Obrigado pelo convite. É sempre bom estar aqui convosco.

zz: É mais que oportuno, até porque desde a primeira se prontificou a vir aqui ao zerozero e em termos esta conversa. Começamos a falar da WSE Champions League: a primeira imagem que me recordo sua, depois do árbitro apitar para o final do jogo, é vê-lo de braços abertos e esperar que alguém lhe apareça. A primeira pessoa que surgiu foi o Ferran Font, sem patins. O que pensou, naquele momento?

AG: Em primeiro lugar e por acho que é justo, quero deixar aqui um agradecimento público, em meu nome e em nome do hóquei patins o trabalho que o zerozero tem feito pela modalidade. É de enaltecer. Obrigado por tudo. Em relação à pergunta: foi um dia muito especial. Falaste de uma pessoa que esteve connosco durante muitos anos e que não teve oportunidade de jogar a final. Esse dia foi um bocado emotivo... Lembro-me de ter ido ter com o Ferran Font ao pequeno-almoço, ele estava bastante emocionado... O dia começou logo de forma muito emocional... Na palestra que fiz para a equipa chorei, porque sinto que o Ferran Font faz parte desta família, deste trajeto que construímos no Sporting e ele não teve essa oportunidade de estar na final, que por direito ele devia estar, pois só fomos à final, porque ele apareceu a um nível elevadíssimo na parte final da época. Ele ajudou-nos, carregou-nos até à final. O significado dele ter sido o primeiro a aparecer ainda foi maior, pois aquela conquista teve muito de Ferran Font e pouco de Ferran na final.

zz: Surpreendeu-me ele não estar na final? Eu pensei que ele fosse jogar, até pelo facto de Alejandro Domínguez o ter poupado durante a meia-final, quando ele não jogou a segunda parte do encontro contra o FC Porto, por já ter dois cartões azuis.

AG: Não quero, nem nunca me vou colocar em causa as opções técnicas e táticas, mas a mim também me surpreendeu, porque o Ferran Font é uma espécie de abre-latas. Quando está muito sufocado é um dos melhores jogadores do Mundo, tem um talento incrível, é um jogador que nos vai fazer muita falta. Não vou dizer que sou contra ele ter ido embora, porque não tenho voto na matéria...

Ângelo Girão
16 títulos oficiais

zz: Não é a favor...

AG: É uma perda gigante para qualquer clube do Mundo deixar de ter o Ferran Font. Tenho a certeza absoluta que não foi fácil para o Alejandro Domínguez ter de decidir, porque ele sabe o peso que o Ferran (Font) tem na equipa. Pensou muito nisso, de certeza. Claramente não foi pela qualidade dele... O Alejandro Domínguez terá pensado que o jogo com a Oliveirense ia ser mais encaixado, que acabou mesmo por ser, e que precisávamos de estar mais ativos na postura defensiva, que na ofensiva. Correu bem, o objetivo era ganharmos e ia ser mau para qualquer jogador ficar de fora... Tal como foi para o Matías Platero no jogo da meia-final contra o FC Porto. Qualquer jogador que ficasse de fora a equipa ia ficar triste, pois qualquer jogador quer estar na final da Liga dos Campeões. Este jogador em específico, por ser neste ano e por sabermos que ele ia embora, ainda teve um sentimento diferente.

zz: Já sabia que ele ia ser o primeiro a aparecer à frente?

AG: Não, mas sabia que ia estar a torcer por nós. O Ferran (Font) sempre esteve do nosso lado. Foi um dia de muitas emoções. Sabíamos que ia acabar, estar numa final e por isso foi um dia muito intenso.

zz: Girão ainda não tivemos oportunidade de perguntar ao Ferran (Font), mas pode nos ajudar a explicar. Ele quis aprendeu português? Não é muito normal vermos isso num espanhol.

AG: Ele aprendeu de estar connosco. Quando chegou, depois de estar duas semanas connosco e de termos ido a Barcelona fazer um mini-estágio no centro de alto rendimento, fomos jantar fora com o Ferran (Font) e o Sergi Miras. O Sergi não falava nada e até tinha alguma dificuldade em perceber e ele já falava muito bem. Claro que depois passados estes anos todos aprimorou e as pessoas que não o conhecem dizem que ele é português. O meu sogro pensava que ele era português.

zz: E há um barbeiro em Lisboa que diz que ele é de Viseu?

AG: Certo, o Rúben Fonseca. Nós cortamos o cabelo quase todos no mesmo sítio e ele pensava isso. Se não souberem, vão pensar que ele é português. Ele aprendeu rapidamente. Vai deixar saudades.

zz: Daí ter levantado a taça de campeão europeu com ele.

AG: Eu nem queria levantar. Antes do jogo começar disse isso à equipa, que íamos ganhar e quem iria levantar a Taça seria o Ferran Font. A taça era para ele, por tudo o que ele nos deu ao longo destes anos, por tudo o que ele significou para este grupo. Ele merecia mais do que alguma pessoa levantar este troféu. Foi uma viagem bonita e vamos ficar sempre com estes momentos nos nossos corações.

zz: Celebrou muito, porque nunca se sabe quando vai ser a próxima ou porque a porta de saída do Sporting está cada vez mais próxima?

AG: Foi um misto de emoções. Ganhámos uma Liga dos Campeões, mas falhámos a parte final do campeonato, falhámos a Taça de Portugal, a final da Elite Cup. Criou-se a ideia de que esta equipa estava velha e dói perceber que isso vem do nosso lado. Os adeptos das outras equipas vão criticar e estamos cientes disso. Já estamos habituados. Mas, criou-se um dinâmica entre os nossos adeptos que esta equipa ou era bipolar, ou estávamos velhos, ou tinha que ser feita uma renovação. Mas, se for a ver, nos últimos anos temos conseguido chegar às decisões, mas não temos conseguido ganhar. O facto de ganharmos mais uma liga dos campeões...

zz: E são três, num grupo alargado de jogadores.

AG: São três, mais duas supertaças europeias, uma taças CERS e outras provas internas. Ou seja, este grupo tem ganho ao longo destes anos. Havia uma dinâmica muito grande entre FC Porto e Benfica e nós, à nossa maneira, conseguimos nos impor. A nível nacional tem sido mais complicado, até porque ao nível de investimento não tem acompanhado o FC Porto e o Benfica, mas mesmo assim, temos conseguido dar a resposta dentro de campo e lutar por títulos. O meu festejo teve um bocado disso, a felicidade de estar novamente no topo e depois por algumas coisas que foram acontecendo. Não esteve relacionado com o facto de eu ir embora, depois da época que vai começar em agosto. Passei por coisas durante o ano que me fizeram e fazem querer ganhar cada vez mais, antes de ir embora. Quero sair igual ao primeiro dia que cheguei. Vim para um clube que não tinha história nos últimos 20 anos no hóquei e nós tivemos de a construir.

Girão e Ferran Font levantaram a taça da WSE Champions League @WSE

zz: Tornou-se um ícone.

AG: Com a minha maneira de ser, a minha maneira de jogar, conseguimos algumas coisas. Ajudei a equipa a conseguir algumas coisas e quero manter-me fiel a isso. Independentemente de se vou embora ou não, vou manter-me fiel à minha ideia de ganhar.

zz: Sente que os adeptos corroboram a sua entrega.

AG: Depende. Eu durante muito tempo foi defendido, havia uma estrutura onde me sentia acarinhado e sabia que aquilo que eu fazia era corroborado tanto por adeptos, como pelo clube. Agora, eu não mudei, mas o clube mudou. Está no bom caminho, pois tem ganho no futebol, está completamente recuperado, temos todas as condições para ganhar, não nos falta nada... Eu mantive-me igual e fiel ao que sempre fui. Dentro de um Mundo tão monopolizado pelo FC Porto e pelo Benfica, com estruturas de tantos anos e plantéis muito fortes, há dias em que temos de fazer mais alguma coisa para ganhar e se não estivermos todos alinhados para o mesmo, ficamos sozinhos. Muitos adeptos apontam o dedo à minha postura e eu tenho de fazer um mea-culpa: há dias em que excedo, mas isso tem um contexto, não me excedo do nada. Se sentir que há dualidade de critérios e que estamos a ser prejudicados...

zz: Ainda mexe muito consigo?

AG: Um bocado. Tenho conseguido controlar, agora mais. Quando há tanta gente a dizer o mesmo é porque quem está mal sou eu... Eu é que tenho de mudar, agora a minha entrega é que nunca vai mudar. Vou ser sempre assim, independentemente dos adeptos gostarem ou não. Tenho peripécias incríveis... Na final da Taça de Portugal, no ano passado, não joguem, porque tinha sido expulso na meia-final. Foi um vermelho completamente injusto...

zz: Acredito que os árbitros estudem os vossos comportamentos, mas deveria existir maior compreensão por parte do árbitro em gerir os conflitos?

AG: Quero deixar aqui uma ressalva: as regras não ajudam os árbitros. As últimas arbitragens têm sido muito melhores que o Play-Off passado, mas continuam a haver erros. Mas a culpa não é só dos árbitros. Para começar, a culpa é nossa, dos jogadores, que não facilitamos e sempre que pudermos ganhar alguma coisa, fazemos por ganhar. Não ajudamos os árbitros e acho que as regras deveriam ser um bocadinho mais claras. Digo isto como jogador e adepto da modalidade. Não deveríamos ter árbitros a apitar uma coisa e outros a apitar outra. Acho que o critério alargado é muito melhor e mais fácil. Prefiro um jogo que não seja 15 bolas paradas para um lado e 15 bolas paradas outro. O jogo tem de ser decidido onde é bonito: no contra-ataque, na rapidez, na estratégia... Isso é que é bonito.

qPara mim, o Xano Edo é um guarda-redes top mundial... E é top mundial para muitos anos

Ângelo Girão, guarda-redes Sporting CP

zz: Mais espetáculo.

AG: Eu queria ter estado nessa final da Taça de Portugal, como estava a dizer. Ainda sobre os adeptos, por exemplo, nessa final, eu estava na bancada, perto do cronómetro, na zona das famílias, o Alejandro Domínguez estava fora, estava eu e o João Souto e estávamos a tentar ajudar a equipa, nem tinha falado para os adeptos do SC Tomar mas começaram a insultar-nos de forma gratuita, só porque estávamos a falar para a nossa equipa. Quer tu faças alguma coisa, quer não faças, vão sempre criticar, falar mal de ti, inventar histórias, mas estou bem calejado disso. O carinho que recebo na rua é gigante. Fui à festa do título e saí de lá de coração cheio, pois os adeptos têm sido muito bons para comigo. Eu entreguei-me a esta casa a 100%, é a lei da vida, é natural, a renovação é perfeitamente natural. Não estou contra o que estão a fazer, o Xano Edo é uma guarda-redes fantástico.

zz: Não é oficial, mas é oficioso...

AG: Toda a gente sabe no Mundo do hóquei. Eu tive com o Xano Edo em Montreux, é um rapaz espetacular, cinco estrelas.

zz: Acha que o Sporting fica bem servido?

AG: Muito bem. Para mim já é um guarda-redes de top mundial e é um top mundial para muitos anos, para além da pessoa que é fora da pista. Estivemos uma semana em Montreux e não tenho nada a dizer. O clube vai continuar muito bem entregue.

zz: Quando houve aquele festejo das grandes penalidades, no jogo contra a Itália, em Montreux, houve alguma justificação para isso?

AG: Não. Acho que ele festejou contra o Benfica igual, mas tenho uma história engraçada. Depois do jogo, ele disse para a imprensa que eu lhe para que sítio iam os remates.

zz: Pois disse...

AG: Mas eu só lhe disse para onde rematava o Alessandro Verona mas Ale mandou para um sítio diferente e marcou golo. Eu comecei a rir-me e só lhe disse para não tentar adivinhar. Disse-lhe para ele montar a posição e reagir como sempre, pois ele é super rápido a reagir. A partir daí parou todas. Eu dei-lhe conforto e um bocado mais de experiência, embora ele não precise de grandes conselhos, pois é um excelente guarda-redes. Só precisa de maturidade, mas tem demonstrado ao lado dos tempos o guarda-redes que é e esta temporada na Oliveirense foi um claro sinal disso, pois esteve em todas as decisões.

Girão foi determinante em mais uma conquista europeia dos leões @WSE

zz: Os pais, normalmente, cantam músicas de embalar aos filhos e contam histórias. O pai dele deve contado posições de guarda-redes...

AG: Claro. De certeza. Sim, e o Xano Edo tem essa parte. Toda a gente sabe que o Edo Bosch é o meu ídolo, desde miúdo que o sigo, aprendi muito a ver o Edo Bosch na baliza e tenho esta parte engraçada do meu último de Sporting ser com o Edo e de ir embora para vir o filho do Edo. Isso ainda tem mais piada. Desejo as maiores felicidades e não tenho nada a dizer em relação ao processo de transição, acho que está muito bem feito e bem entregue.

zz: Foi um ano de Champions e à semelhança de outras Champions conquistadas, esta surge numa fase pessoal atribulada. Este ano foi a tribunal e teve de pedir desculpas ao Lucas Ordóñez.

AG: São duas coisas distintas. Aproveito este momento para dizer o penso: peço desculpa a todos. Aquilo que eu fiz não se faz, não é maneira de estar no desporto, mas teve um contexto... Não sou maluquinho. Eu não faço as coisas porque me apetece. Isto veio na sequência da final do Mundial em San Juan, aconteceram coisas com o Lucas Ordóñez que não deviam ter acontecido, eu não devia ter feito aquilo. Isto não teve nada a ver com o Sporting, nem com o Benfica não teve nada a ver com os clubes, mas foi de pessoa para pessoa.

zz: Alguma vez houve, do lado dele, algum pedido de desculpa relacionado com isso?

AG: Nada. Nunca mais falámos, apenas o cumprimento em pista. Foi um assunto que aconteceu e terminou. Acho que ficou subentendido isso. Depois, estamos a falar do Benfica um clube que não poderia deixar passar em claro o que se passou e aproveitaram para manchar a minha imagem, publicitar o que queria publicitar. A culpa foi minha, mas não teve nada a ver com o Benfica ou com o Sporting. Teve a ver com duas pessoas e dois momentos distintos: a final do Mundial em San Juan e o Sporting x Benfica. Eu dei de comer à força da comunicação do Benfica e eles mancharam a minha imagem na praça pública.

zz: Por vezes esse tipo de situações em jogo e ninguém tem o título de Santo.

AG: Verdade, podemos falar de todas as equipas. Mesmo aqueles que passam despercebidos e passam por corretos, têm estas situações. Agora, uns jogadores vê-se mais e outros vê-se menos.

qA situação com o Lucas Ordóñez não teve nada a ver com o Sporting e o Benfica. Teve a ver com duas pessoas e dois momentos distintos: a final do Mundial de San Juan e o Sporting x Benfica

Ângelo Girão, guarda-redes Sporting CP

zz: Mas a pergunta está mais relacionada com o lado provocatório: acha que o jogador deve ter o pensamento que está a enfrentar um colega de profissão?

AG: Eu sou super apologista de sermos agressivos, de sermos duros. O hóquei é mais bonito pelo contacto que tem.

zz: Mas eu não estou a falar do jogo.

AG: Sou apologista de sermos mais duros. O mais fácil num jogo em que estás a perder é dar um stickada, levas vermelho e sais do jogo e os teus colegas é que têm de se safar. Mas, concordo com o que está a dizer e isso nem sou um bom exemplo, pois se me provocarem, eu vou logo responder a seguir, mas tenho conseguido corrigir. Agora, também digo, quando faço e estou mal, e aconteceu-me nas meias-finais contra o FC Porto, fui logo pedir desculpa no final do jogo. Tem de partir dos jogadores a mudança de mentalidades, mas também acho que existe aqui um caráter punitivo que devia ser introduzido no hóquei. Neste momento podes ser castigado, porque alguém viu o jogo e fez uma queixa. Têm de ser os árbitros a analisar os jogos. E digo isto para agressões e simulações. Os jogadores só se mandam para o chão, porque é permitido isso. Eu sou apologista dos jogadores serem castigados se fizerem algo que modifique a verdade desportiva. Seja quem for. Não podemos premiar a batota, até porque já se criou o slogan de quando se perde a culpa é dos árbitros.

zz: Sentem isso?

AG: Sim, por exemplo, vi os nossos jogos contra o FC Porto e penso que foram bem apitados. Tens algumas alturas que te podes queixar, mas noutros momentos foi o FC Porto a queixar-se. Mas os erros não foram superiores aos acertos e os jogos foram bons, gostei de ver aqueles jogos. O objetivo é deixar jogar-nos hóquei patins, pois o jogo é bonito se nos for com contacto, mais duro, com virilidade. Sou suspeito, porque adoro este desporto, mas ao vivo, acho que é o desporto mais bonito de se ver.

zz: Defende muitos livres diretos e grandes penalidade. Imagine que está num jogo decisivo, pedia ao treinador para ir bater um livre direto ou uma grande penalidade?

AG: Eu adorava bater penáltis, mas nesse momento não. Era uma falta de respeito para a equipa contrária.

zz: Acha que o seu colega ia ficar chateado?

AG: Eu ficava, se me fizessem isso, ficava muito chateado. Primeiro, por ser um falta de respeito...

zz: E depois porque era o mesmo que dizer que os seus colegas não sabiam bater penáltis.

AG: Claro, era passar um atestado de incompetência aos meus colegas.

Ângelo Girão no cenário personalizado do Está Tudo Hóquei, nos estúdios do zerozero @zerozero

zz: Quem é o adversário mais difícil de defender bolas paradas e o mais difícil de defender dentro da área?

AG: Há muitos... Bola parada, talvez o Gonçalo Alves. Nós somos amigos, mas é muito difícil... Penáltis, então é muito difícil.

zz: Mas em que sentido? Velocidade, colocação?

AG: Velocidade, colocação de bola e potência. Sai cada balázio... E não se sabe para onde vai atirar. Depois, livres diretos tens muitos: no FC Porto tens o Hélder Nunes, o Carlo Di Benedetto... marcou-me quatro ou cinco em Montreux, fez o que quis de mim. O Carlos Nicolía também marca muito bem e em momentos de decisão, acerta muito. O Lucas Ordóñez, o Lucas Martínez, este ano, marcou muito bem... O Pau Bargalló, ou seja, há muita gente.

zz: E de bola corrida? Um avançado que está sempre a passar na área...

AG: Talvez o Carlo Di Benedetto. É muito forte.

zz: Não sabe de onde pode vir o perigo?

AG: Mais porque ele é muito bem servido, tem um amplitude de braços gigante, o que o torna muito difícil de defender, para os defesas... Quando abre os braços ocupa muito espaço.

zz: Queremos que nos comente dois lances da Liga dos Campeões. Primeiro é o segundo livre direto da Oliveirense, que defendeu. Defendeu com a perna em cima.

AG: Ele mandou para o mesmo sítio onde enviou o primeiro, junto à trave. Basicamente, no segundo joguei os meus mind games. Tentei fechar os dois ângulos de cima e depois ainda tive a recarga. Conseguiu fazer bem a mancha e cobri bem a bola.

zz: Falando destes momentos: o que estuda num adversário?

AG: Em momentos de pressão, sabemos que o jogador manda para a zona onde se sente mais confiante. Depois, é o jogo do gato e do rato: ou acertas, ou não acertas. Neste caso do Lucas Martínez, no primeiro livre direto, tentei fechar ao máximo a baliza, mas ele acertou muito bem na baliza. Nesses momentos, não posso fazer muito. Se a bola for bem colocada, até podemos adivinhar o lado. No jogo do Campeonato em que fui expulso, o Zé Diogo Macedo adivinhou o local onde o Gonçalo Alves ia rematar, mas ele meteu a bola no ângulo. Quando isso acontece, tens de bater palmas, bola ao meio campo e seguir jogo.

zz: Quero falar sobre a última jogada da Champions. Foi muita tensão... Foi um 5X4 com dois homens metidos na área.

AG: Nesse fim-de-semana tivemos muita dificuldade em defender o 5x4.

Girão festejou a conquistou da terceira Champions com a camisola do Sporting, no Super Bock Arena, na cidade do Porto @WSE

zz: Este lance era capital.

AG: No lance do remate do Facundo Navarro, eu alertei o Henrique Magalhães, quase que lhe acertei com o stick, porque ele não teve a postura de defender. Eu acho que ele não me estava a ouvir e por isso tentei acertar com o stick. A verdade é que a bola ainda entrou na área e o Bruno Di Benedetto rematou duas vezes nos últimos segundos. Este sentimento, depois do jogo terminar foi incrível.

zz: Ganhou no Porto, na sua cidade, com a sua família a ver na bancada, a sua filha pela primeira vez a ver o pai a festejar

AG: Por tudo o que passei este ano, por tudo o que se fez passar, de eu ir embora, de fazer alguma coisa no balneário... Eu nunca fui essa pessoa, nem vou ser. Podem me acusar de tudo, de fazer coisas que não devia de fazer dentro de campo, de levar cartões, de protestar demasiado pelas coisas, mas nunca vou fazer nada para não ganhar.

zz: Por vezes, quem tenta fazer isso, não percebe que há um animal egocêntrico dentro de cada atleta.

AG: Certo. Por muito que esteja chateado com alguma coisa, as pessoas que jogam comigo, que estão comigo dentro do balneário, são a minha família do hóquei, não vou fazer nada para melindrar e dizerem que eu fui um mau colega de equipa. Nunca vão poder dizer que eu fiz alguma coisa para não ganhar. E para o próximo é igual. Eu vou querer ganhar mais do que tudo.

zz: Era uma época que estava arrumada, pois todas as decisões estavam tomadas: não havia fantasmas, pois vocês sabiam que o Alejandro Domínguez ia embora.

AG: O Alejandro Domínguez já passa por este problema familiar há algum tempo. E a nossa relação: equipa e Alejandro Domínguez teve altos e baixos. No primeiro ano foi incrível, em janeiro teve um momento menos bom, mas depois de virmos de Montreux foi fenomenal... O Alejandro Domínguez foi incrível. Foi um grande treinador, ajudou-nos bastante e é um amargo de boca a saída dele. Neste momento, o Alejandro Domínguez sai como um amigo nosso... Ficou próximo de nós, ajudou-nos muito, para além de toda a qualidade que tem como treinador. Essa dinâmica de amizade e cobrança fez com que o grupo ficasse mais fechado, mais unido... Claro que o ganhar, ajuda. Quando vamos para a final-four da Liga dos Campeões, sabíamos que o FC Porto poderia ser favorito, mas não tínhamos medo deles. Provámos isso na meia-final da Champions, tal como no Campeonato. O Alejandro Domínguez foi fundamental nesse processo, pois fez-nos acreditar em nós. Como é óbvio, todo este processo foi partilha, pois o Alejandro também permitiu que nós o ajudássemos, pois teve outra experiência difícil e esse lado pessoal também fazia com que ele não se entregasse de corpo e alma a este grupo, mas quando conseguiu fazer isso, fez com que estes últimos meses fossem fantásticos. Ele vai ficar ligar connosco o resto da vida. Desejo-lhe o maior sucesso ao nível pessoal, pois isso é o mais importante. O lado familiar é mesmo muito importante.

qAs pessoas não podem achar que o que se passou em 2019 é o normal. Aquilo, acontece uma vez. Eu não pedi para me acontecer. Depois, criou-se o mito de que tenho que estar sempre a um nível alto. A pressão disto é desmedida

Ângelo Girão, guarda-redes do Sporting CP

zz: É o que estabiliza.

AG: Isto tem importância, mas passa a ter uma importância relativa. Aquilo que antes eu dizia que tinha uma importância gigante, tem uma importância relativa... Entrego-me de corpo alma, mas a minha filha, a minha mulher, o meu grupo de amigos, estão lá. Eu tenho o meu core bem montado, estou bem estabilizado. Desejo ao Alejandro Domínguez Domínguez que um dia volte... É um excelente treinador, uma excelente pessoa... Tive partes complicadas durante a temporada, mas fomos capazes de nos resolver e cara a cara conseguimos falar, explicar as ideias de cada um e isso foi muito importante. Fiquei com um amigo, tal como todos os treinadores com quem trabalhei. Gosto que as coisas terminem em bem.

zz: Ganhou a primeira Champions em 2019... O que ganhou nesse ano?

AG: Mundial... (risos).

zz: Anseia, acredita ou deseja que pode ser novamente o ano de Portugal?

AG: Eu anseio primeiro ser convocado, acredito que fiz por isso, tal como no ano passado. Tive uma época, no último ano do Paulo Freitas, pelo capítulo pessoal, muito má... Não tive, sequer, ao nível de ser guarda-redes de top-5, mas no primeiro ano ao Alejandro Domínguez e agora neste ano, acho que voltei a estar num bom nível. Anseio estar na seleção, sabemos que temos de jogar mais do que o que jogamos em Montreux e depois, porque provavelmente vai ser a minha última competição pela seleção nacional e tem um peso maior por isso. As partes boas estão a acabar, estou a sentir que está perto, de ser a última, e por isso ainda tenho mais esse fator de querer ganhar. Temos uma geração nova que está a entrar, que tem muita qualidade. Se calhar, faz sentido que eu, como um dos mais velhos, que os apoie e não se percam gerações. Lembro-me de quando cheguei à seleção de que se dizia que esticavam muito as gerações...

zz: Mas a qualidade não tem idade.

AG: Sim, mas depois queimam gerações. Há jogadores com qualidade e que nos clubes que estão já chegaram a finais de Ligas dos Campeões, de campeonatos nacionais e como tal, faz todo o sentido que comece a existir essa transição, para o processo ser sustentado. Temos de levar mais novos e pessoas mais velhas. Quando os mais novos tiverem experiência de seleção, saem os mais velhos. Eu não posso querer ir à seleção até aos 45 anos, se tiver qualidade. Não sou apologista disso. O Aitor Egurrola é um exemplo disso. É importante haver esta transição e dar conforto com títulos.

zz: Já se imaginou a levantar novamente aquela taça?

AG: Adorova... É um sonho. Ser campeão do Mundo pelo teu país é o momento mais alto da tua carreira. Isto é muito fixe, eu adoro, é muito bom jogar pelo Sporting, os adeptos fazem te sentir acarinhado, mas o momento mais alto da minha carreira é e vai ser sempre o Campeonato do Mundo de Barcelona.

zz: Tornou-se uma lenda nesse mundial.

AG: Isso foi bom e mau. Ainda bem que fala nesse tema. Eu não pedi para aquilo me acontecer, a mediatização. Eu trabalho para ganhar. As pessoas não podem achar que o que se passou em 2019 é o normal. Aquilo, acontece uma vez. Eu não pedi para me acontecer. Depois, criou-se o mito de que tenho que estar sempre a um nível alto. A pressão disto é desmedida.

zz: Pediu ajuda, alguma vez.

AG: Já, claro. Isto desgasta-te muito, porque em 2019 foi Campeão do Mundo, em 2020 não acaba o campeonato e em 2021 ganhámos a Champions e o Campeonato. Ou seja, num espaço de dois anos joguei com mais 200 quilos em cima. Primeiro, isto não é justo, porque é um desporto de dez jogadores. Recentemente, falei com um grande amigo meu sobre isto: não é justo colocar nas costas de um ou dois jogadores o peso de dez jogadores. Podem te pedir para estares bem, mas não é justo te pedirem para resolveres os jogos. Dizerem que só ganhámos se estiveres a um nível top. Está mal, o pressuposto está mal. Só ganhámos se enquanto equipa estivermos a um nível top. Não pedi para isto me acontecer. Trabalho para estar bem... Eu tive que fazer um trabalho para desmontar isto. Tive que deixar de ver algumas coisas, tanto para o bem, como para o mal. Mas, atenção: isto foi ótimo. Foi uma fase que vivi da minha vida que nunca mais me vou esquecer. Foi uma fase incrível, mas o retorno é 40 vezes pior, pois se não estás aquele nível de não sofrer, ou te pedem para sofrer dois golos no máximo, entras num nível ansiedade alto. Não é justo pedirem isso a mim, nem a nenhum jogador que sinta essa pressão.

zz: Termino com aquela pergunta que fiz no Luso em 2019: assina por baixo sofrer nove frangos e Portugal ser campeão do Mundo?

AG: Já! Assino já. Neste momento até digo 19 frangos. Aliás, acho que qualquer guarda-redes assina que aceita sofrer os frangos que forem necessários, se isso significar que somos campeões do Mundo.

Girão ajudou Portugal a conquistar o Mundial em 2019 @S. Akimova - WRG


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