Antonio Cicero. O poeta que quisa morte, por amor à vida

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Depois de anos a viver com Alzheimer, o poeta e letrista escolheu morrer por eutanásia, na Suíça, aos 79 anos.

Quando o corpo é só dor, e se vive apenas por dever, pela exigência de perpetuar uma existência absurda, a última dignidade ao alcance de um homem passa por ter a decisão sobre onde colocar um ponto final. O poeta carioca Antonio Cícero, um dos mais populares letristas do Brasil, teve uma última palavra para os amigos, uma carta de despedida em que explicou como, depois de anos de sofrimento, e dos vários internamentos a que foi sujeito, vivendo com Alzheimer, não conseguia espremer outra gota de prazer ou alegria dos seus dias. A doença, como ele especificou, retirou-lhe tudo, até «a coisa de que eu mais gostava no mundo»: ler. A sua morte teve lugar em Zurique, na Suíça, ao lado do parceiro Marcelo Fies, e resultou de um procedimento de suicídio assistido. Tinha 79 anos.


Caetano Veloso reagiu nas redes sociais à morte do seu «melhor amigo», homenageando «a pessoa mais correta que conheci », «uma inteligência luminosa», e vincando a coerência que o norteou até ao fim: «Adoro o desaforado livro de filosofia em que Cicero louva Descartes em época pós-estruturalista. Morrer por decisão própria enfatiza seu pensamento. E sua poesia».


Um dos poemas em que se traduz com a máxima limpidez a sua perceção lúcida sobre a vida, diz-nos isto: «Da vida não se sai pela porta:/ só pela janela. Não se sai/ bem da vida como não se sai/ bem de paixões jogatinas drogas./ E é porque sabemos disso e não/ por temer viver depois da morte/ em plagas de Dante Goya ou Bosch/ (essas, doce príncipe, cá estão) que tão raramente nos matamos/ a tempo: por não considerarmos/ as saídas disponíveis dignas/ de nós, que, em meio a fezes e urina/ sangue e dor, nascemos para lendas/ mares amores mortes serenas».


O compositor e músico Zé Miguel Wisnik também recorreu às redes sociais para homenagear o amigo, lembrando que a sua morte, «ante o avanço da doença que mina a mente, é o ato soberano de um imenso poeta filósofo». «Um ato límpido, adulto e amoroso. A vida é a afirmação e a aceitação do inegociável: a plenitude e a finitude. Como ele mesmo diz num poema luminoso: ‘Não temer a morte tornava-lhe a vida mais leve e o dispensava de desejar a imortalidade em vão. Sua vida era infinita, não porque se estendesse indefinidamente no tempo mas porque, como um campo visual, não tinha limite. Tal qual outras coisas preciosas, ela não se media pela extensão mas pela intensidade. […] Bom não é viver, mas viver bem. Ele viu a luz do dia, teve amigos, amou e floresceu. […] Viveu e ilumina nossa memória’ (‘Nênia’)».

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