António Frias Marques. “Há um incumprimento muito grande no pagamento das rendas”

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O presidente da Associação Nacional de Proprietários diz que a situação é cíclica e está a ocorrer junto de inquilinos “sérios”, associando esta fase ao aumento do custo de vida.

Como está o mercado de arrendamento?

Há poucas casas para arrendar, muito poucas mesmo e pelos motivos que sabemos: a legislação não protege os proprietários e não temos dúvidas nenhumas que há muitas pessoas que são detentoras de propriedades que preferem reservá-las do que metê-las no mercado de arrendamento porque, muitas vezes, arrendar uma casa é pôr um inimigo dentro de casa e, como tal, as pessoas não estão para aí viradas porque há um historial de muitos anos desse sentimento e as pessoas uma vez envolvidas numa tormenta não se querem meter em outras. E, por outro lado, se não tiver rendimentos não paga impostos. Isto em relação ao espírito, depois em relação às rendas sabemos que 2% dos contratos de arrendamento são superiores a mil euros e posso dizer que as poucas casas que vão estando no mercado passado uma semana são arrendadas.

Mesmo que sejam pedidos valores altos?

Sim. E são arrendadas a quem? É muito simples: a estrangeiros e quando chegamos aos estrangeiros temos estrangeiros ricos e estrangeiros pobres. Hoje é comum arrendar uma casa em estado novo ou como novo por mil e tal euros, mas para um cidadão de países ricos uma renda desse valor não é nada porque se calhar na terra dele seria muito mais caro e sai muito mais barato do que ir para um hotel. Às vezes fico espantado, mas hoje em dia há em Portugal cidadãos de todos os países do mundo e em todos os países do mundo há pessoas com posses. E essas viajam e vêm para aqui porque têm segurança, apesar de toda a balbúrdia que a gente sabe que há e que passávamos bem sem ela, isto é um oásis em termos de segurança. Além disso, há imensos estrangeiros que estão a trabalhar, por exemplo, em embaixadas e pagar uma renda de mil e tal euros não é problema nenhum. Por outro lado, temos os estrangeiros pobres. Como é que se resolve o problema dos estrangeiros pobres? Os estrangeiros pobres arrendam um T2 que não é acessível a um casal com um filho, mas conseguem pagar esse preço porque estão em regime de sobrelotação. Os nossos associados não arrendam nesta situação e nós aconselhamos a não fazerem isso porque, para já, desvaloriza o prédio e cai na vertical o valor do prédio porque mais ninguém quer ir morar para esse prédio. Temos, por exemplo, muitos associados em Braga e já chamam ‘Bragasil’ porque dizem que 30% da população em Braga é brasileira e Braga era das cidades do país com rendas mais em conta, em que se arranjavam apartamentos T3 a 400 euros hoje a menos de mil também já não arranja porque os brasileiros tomaram conta de tudo, só que em vez de se meter um casal numa casa mete-se dois casais ou três ou até 10 homens. E mesmo que deem mil euros por arrendamento cada um paga 50 euros e ainda lhes fica em conta.

E casas para os portugueses?

Os portugueses estão afastados desta equação, naturalmente. O que acontece? Há dezenas de anos que vivemos na mentira e há pessoas que gostam de viver na mentira, mas o que se passa é que os nossos rendimentos não acompanharam o custo de vida. O nosso custo de vida é semelhante ao que se verifica na União Europeia, de uma maneira geral, em que vamos ao supermercado e as coisas são mais ou menos ao mesmo preço, mas os rendimentos não são. Então como é que o português pode competir para arrendar uma casa? Não pode e como é que vamos resolver esta equação? É muito simples, quem é que falha há 50 anos? O Estado porque o artigo 55.º da Constituição diz que um direito que as pessoas têm é ter acesso a uma casa. É o Estado que deve providenciar isso, não é o particular. O Estado que, por vezes, anda com o chicote na mão para ver se os senhorios fazem isto ou aquilo, mas quem tem falhado grandemente é o Estado nas suas duas grandes vertentes: Estado central e autarquias porque não têm resolvido o problema das pessoas que necessitam de casa. Antigamente havia casas de renda económica que custavam cerca de um um conto centro e dez, as pessoas inscreviam-se e tinham casa. Hoje todos sabemos que quando aparecem casas em algumas câmaras – não digo que seja em todas – é para os amigos.

Mas é impossível um casal, em que os dois ganhem o salário mínimo, conseguir pagar uma renda de uma casa…

Isto é a quadratura do círculo, como é que pode haver rendas acessíveis quando sabemos que não se arranja um quarto em Lisboa por menos de 400 euros? Estamos à espera que uma renda de casa seja 200 euros?

A reversão do pacote Mais Habitação não veio dar maior confiança aos proprietários?

Não veio dar confiança nenhuma. Este Governo é um flop porque quando tomou posse disse às pessoas que ia retificar toda essa legislação e dar confiança, mas, na prática, isso não acontece. Ainda agora publicaram o relatório do Orçamento do Estado para 2025 e dizem preto no branco que vão acabar com o descongelamento das rendas e que todas as rendas mixurucas que são anteriores a 1990 vão passar para o NRAU [Novo Regime do Arrendamento Urbano] e quem não poder pagar a renda, o Estado avança como deve avançar e paga um subsídio de renda, mas cabe ao inquilino provar que não consegue pagar. Congratulámo-nos muito com isso porque começávamos a ver luz ao fim do túnel, mas no dia a seguir vieram dizer que não era nada assim e que não ia haver o descongelamento das rendas. Todos estes últimos governos só funcionaram em função de eleições, têm gabinetes de estudo que analisam o assunto, no entanto, como há mais inquilinos do que senhorios não mexem. E ficamos todos na mesma com rendas de cacaracá. Há 200 mil rendas em Portugal inferiores a 50 euros e ficam assim porque ou os inquilinos têm idades superiores a 65 anos ou têm um rendimento inferior a cinco ordenados mínimos ou têm uma deficiência superior a 60%, mas quem tem de tomar conta disto e ajudar as pessoas é o Estado, não são os particulares.

Essa função recai nos proprietários?

Sem dúvida, mas nos proprietários que cobram renda. Há milhões de proprietários em Portugal porque a maior parte deles são proprietários da casa que pensam que é deles, mas é do banco.

Mas muitos preferem comprar casa do que arrendar…

Não há nada que chegue a uma pessoa pagar uma renda de uma casa. É assim que se faz na Suíça, na Alemanha, etc. O que se passa em Portugal? As pessoas aqui são invejosas e pensam que o senhorio está a enriquecer com a renda, mas esquecem-se que o senhorio tem uma série de despesas associadas. Por exemplo, recebe uma renda de 500 euros, mas desse valor 28% é para pagar IRS, depois há o IMI, os custos de manutenção da casa, etc. E do outro lado da equação está uma questão que se chama mobilidade. Se a pessoa comprar uma casa prende-se àquele sítio com umas algemas de pedra porque não pode ir trabalhar para outro lado e fica ali amarrado. E a pessoa investiu de tal maneira naquela casa que só sai dali para o cemitério. Ficam sem liberdade e os Governos sabem disso e jogam com isso: andam ali com as pessoas com uma trelinha.

Para o próximo ano está previsto um aumento das rendas de 2,16%…

Essa é outra coisa que é do mais lamentável que há. Sabemos desde o fim de agosto que o aumento vai ser de 2,16% porque já foi divulgado pelo INE, mas ainda não foi publicado em Diário da República e estão à espera de publicar no último dia legal para o fazer que é dia 30 de outubro. Por que não se publica? Seria uma forma de as pessoas saberem o que podem contar.

Qual é a solução para o mercado de arrendamento?

A primeira é devolver a confiança aos senhorios, o que é muito difícil. Há um sentimento que é o de confiança que uma vez perdido tarda ou nunca se restabelece. É o mesmo que acontece com uma traição num casal, basta um que saiba e a confiança não volta. No arrendamento, as leis mudam todos os dias e, neste momento, estamos a atravessar uma fase horrível de incumprimento no pagamento da renda, coisa que já não se verificava há uns anos.

Por causa das rendas serem altas?

Não, porque há casos de rendas de 400 euros. Fazemos uma análise na direção e vimos que há uma situação social muito grave, porque as pessoas entre pagar a renda ao senhorio ou meterem pão na mesa se calhar optam por meter pão na mesa. Há neste momento um incumprimento muito grande no pagamento das rendas. Mas isto é cíclico e estamos a falar de pessoas sérias, não são inquilinos que são caloteiros. Lemos notícias que a economia está a crescer, que é tudo um mar de rosas, mas não sei se será, porque os produtos no talho e na peixaria estão a preços altos. Um pacote de leite antes da pandemia custava 48 cêntimos, hoje custa 82 cêntimos e já custou mais. E os ordenados e as pensões não são o dobro. Por algum motivo, o Governo deu mais 200 euros na reforma.

O que é que os proprietários estão a fazer para resolver este problema de incumprimento?

Começa por se mandar um carta registada com aviso de receção e depois cada caso é um caso, mas os senhorios têm uma coração no peito.

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