Aos 23 anos, tornou-se presidente e salvou o clube do coração: «O Angrense não pode fechar»

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As mais bonitas e genuínas histórias de amor acontecem quando e onde menos esperamos. Quem diria que iríamos encontrar uma nos Açores, no futebol terceirense. Um clube que, entre muitas, formou uma criança. Uma criança que cresceu e que se tornou num homem disposto a ajudar o clube, independentemente da fase mais perturbada. Uma relação de reconhecimento, saudável e de crescimento mútuo. Esta é a história de Pedro Barcelos e do «seu» Angrense.

Durante anos, foi «apenas» um menino bonito da formação, um dos rostos das camadas jovens de um clube quase centenário, figura de prol do desporto açoriano. Aos 23 anos, inconformado por um par de assembleias gerais perdidas em busca de uma ilusória direção, Pedro Barcelos arregaçou mangas e tornou-se no presidente mais novo da história do Angrense.

Pela ilha Terceira, o zerozero deslocou-se até Angra do Heroísmo e, para perceber mais sobre esta íntima e cativante história, visitou a sede dos encarnados da única cidade que por duas vezes foi capital do país.

No seio familiar, o inevitável começo de vermelho

«Sei que, com 5 anos, pedi ao meu pai para jogar futebol. O meu pai, que sempre foi adepto do Angrense, colocou-me logo no clube. Depois, «puxei» o meu primo; o meu pai fazia-nos o transporte casa, treino, casa num carro de dois lugares e lá íamos nós, apertadinhos... Foi aí que tudo começou», recordou Pedro Barcelos.

Pedro Barcelos, em cima e à direita, na formação do Angrense @Mário Picanço Ataíde

Entre as sedes dos dois maiores rivais de Angra do Heroísmo distam pouco mais de 400 metros; as ruas - de São João e da Sé -, inclusive, perpendiculam-se. Contudo, o pai angrense bloqueou qualquer possibilidade que não fosse a de vestir a camisola vermelha e branca: «Sim, era completamente impossível! (risos) Ele já não é tão ferrenho, apesar de, recentemente, estar a voltar. Ele afastou-se um bocadinho do Angrense, mas eu mantive-me sempre por cá. Ainda por cima, o meu irmão já tinha jogado no Angrense quando era mais novo, em 1996. Isso também ajudou a entrar aqui nesta mística do Angrense.

Ingressou no clube aos 5 anos e, daí em diante, a vontade de presidir o clube cresceu.

«Sempre tive o sonho de ser presidente do Sport Clube Angrense. Sempre foi algo que tinha em mim e nenhum amigo me deixa mentir, porque sempre lhes disse isso. Se era já, tão cedo? Se calhar, não, mas foi o que o mundo ditou. Foi uma oportunidade e tive que agarrá-la, porque, acima de tudo, o Angrense precisou de mim nesta pior fase e, claro, estou aqui pronto para ajudar em tudo o que conseguir. Resta-me dar o máximo de mim, como tenho feito desde a formação.

Altos e baixos na saída do habitat natural

Apesar dos 13 anos no Municipal de Angra do Heroísmo, a carreira de Pedro Barcelos contou com outras duas paragens enquanto jogador: Estoril Praia e SC Barreiro. O ex-guarda-redes passou uma época em cada paradeiro e retirou aprendizagens diferentes de cada experiência. Umas positivas e outras menos boas.

No Angrense, o jogador da casa... capitão e com títulos @Arquivo pessoal

«Estranhei, principalmente, no Estoril. Foi uma fase muito importante na minha vida, onde percebi que, se calhar, o mundo do jogador profissional não era para mim. Entrei numa realidade completamente oposta à que estava a habituado. Estive no Estoril seis meses e senti muita saudade de tudo: dos adeptos, do presidente... Aqui, sempre fui «o jogador da casa», conhecido por toda a gente, que ia aos séniores com 16 anos. Tinha isso tudo e, no Estoril, deixei de o ter da noite para o dia. Assinei a 28 de fevereiro e passei a ser mais um... Nada que me arrependa, claro, só aprendi com isso», fez questão de salientar.

«No SC Barreiro, as coisas são diferentes. Volto da faculdade para o Angrense - tinha essa promessa de voltar. Por acasos da vida, saí e, para não parar, fui jogar para o Barreiro, onde fui muito bem recebido. Gostei muito de lá estar. Terminei o ciclo com chave de ouro, a ganhar tudo o que havia para ganhar. Foi a minha melhor época sénior e, talvez, a única onde fui realmente um jogador importante», constatou.

Do campo para a secretária

Sobre o presente, Pedro Barcelos aproveitou para esclarecer a situação.

«Neste momento, somos comissão administrativa. Sou o presidente dessa comissão e temos o intuito de sermos direção num futuro próximo, se os sócios assim entenderem, que eles é que são soberanos», começou por esclarecer.

«Esta oportunidade surgiu porque o Angrense estava a passar por uma crise diretiva. Tivemos duas assembleias gerais onde ninguém apresentou uma lista. Sabendo do meu historial e da minha vontade, as pessoas - e o antigo presidente Bruno Mão de Ferro - começaram "Por que não agora, Pedro?". Reuni várias vezes - ainda um bocadinho às escondidas do meu pai - com o André Barcelos, o meu irmão, e só pensávamos "O Angrense não pode fechar, o Angrense não pode fechar!". Pressionei-o muito nesse aspeto, até que ele disse "Vamos". Aí, começa todo o processo de arranjar membros para a comissão - somos dez, a contar comigo. Acho que é sempre curioso dizer que temos cinco/seis elementos nesta comissão que fizeram parte da formação do Angrense dos 5 aos 18 anos; é algo que identifica o clube, o que é jogar cá e ser formado cá», constatou.

Nesse sentido, Pedro Barcelos revelou-nos alguns percalços sentidos no começo: «Claro que levámos aqui alguns não's e isso desmotivou-nos. Contávamos que a pessoa X ia aceitar e, depois, por motivos perfeitamente compreensíveis, não aceitava - respeitamos isso, logicamente. Ainda assim, claro que nessas alturas nos perguntávamos: "Será que isto vai andar para a frente?". Isto tudo porque queríamos e queremos fazer um trabalho bem feito, digno do que sentimos pelo clube. Já o disse muitas vezes: nunca vou conseguir pagar ao Angrense aquilo que o Angrense me deu. Nunca. Tenho uma dívida de gratidão com o clube que será impossível pagar. 

Depois da preparação, o dia chegou: 11 de junho de 2024, Pedro Barcelos tornou-se no líder mais novo da história do Angrense, um dia inevitavelmente marcante: «É complicado acertar na palavra para descrever esse dia. Foi muito especial. Estava, como é óbvio e apesar de estar no meio de gente conhecida, com uma camada de nervos muito grande. Foi o assumir de uma responsabilidade enorme. Tive sempre essa noção. A partir do dia em que disse que queria assumir, sabia que a minha vida ia dar uma volta grande.»

Não fosse o avançar desta comissão e o clube podia fechar: «Sim, existia essa possibilidade. Só à terceira assembleia geral é que houve alguém a assumir. Claro que havia esse risco, principalmente na parte sénior, que é mais trabalhosa e complicada; na formação, acabava por se resolver, acredito eu.

Em off, o presidente contou ao zerozero que a restante comissão administrativa é, à semelhança de Pedro Barcelos, bastante jovem, também na casa entre os 20 e os 30 anos: «O facto da comissão ser tão nova tem aspetos bons - motivação, comunicação, ambição, acho que é uma mentalidade diferente - e também tem uns menos bons, mas acho que isso não é um problema; temos aqui dois membros que já fizeram parte de direções antigas, já tem vários anos de Angrense e há sempre malta "mais experiente" que nos ajuda. Não com cargas ou posições na comissão, mas que nos ajudam por fora, com conselhos; são sábios e temos de saber ouvir. Assim, torna-se tudo mais fácil.»

Nesse seguimento, Pedro Barcelos fez questão de mencionar Bruno Mão de Ferro, ex-presidente do clube: «Ainda esta tarde tive de lhe ligar. Está sempre disponível para nos ajudar. Temos de tratar de muitas coisas em pouco tempo e ele está a ajudar-nos muito nesse processo, seja com ideias, contactos, o que for. Fez com que não começássemos do zero.»

Olhar para o presente e preparar o futuro

A comissão é jovem, enquanto o clube é um dos mais antigos da ilha. Um oposto que pode assustar a massa adepta: «Estamos a falar do Sport Clube Angrense, um clube quase centenário, dos maiores dos Açores, que está constantemente no Campeonato de Portugal que mais vezes foi campeão do Camp. Futebol Açores nos últimos anos... Claro que assusta ter uma pessoa tão nova à frente, mas acredito que também depositam esperança nesta nova direção, nem que seja pela coragem de assumir neste momento difícil. Acredito que os adeptos tenham um misto de emoções: um bocadinho de receio, mas muita esperança no que podemos e vamos fazer.»

O presente, à semelhança do passado, por mais bonito e satisfatório que seja, não é um mar de rosas e, com uma nova época à porta, as dificuldade fazem-se sentir: «Está a ser complicado. Temos muitas equipas terceirenses no Campeonato dos Açores, o que torna o processo [de contratação] mais difícil. Existem poucos jogadores para tantas equipas. Além disso, temos sempre a nossa rigidez financeira. Temos uma referência e dali não passamos, aconteça o que acontecer. Acima de tudo, de qualquer pessoa, está o Angrense. Devido a isso, existem saídas...»

Presidente mais novo do clube, em funções há pouco mais de um mês @zerozero

«Esta época, a aposta será novamente no jogador açoriano. Vamos manter a base na prata da casa. Nesse sentido, também temos reforços que são produtos nossos... É importante agarrarmos quem tem a mística angrense. Não podemos dizer que o Angrense é um clube financeiramente estável. Temos de fazer sempre uns ajustes, não devendo nada a ninguém. Nunca demos o salto para outros patamares porque temos de ter a consciência do que é o Angrense. Não há grandes loucuras», continuou Pedro Barcelos.

Em tom de conclusão, os objetivos foram elencados: «Neste momento, é tornar o clube mais estável financeiramente. Depois, queremos estabilizar noutro campeonato. Não no Campeonato dos Açores, mas no CNS. Com os pés bem assentes na terra, queremos deixar de ser o clube do sobe e desce. É um objetivo a curto/médio prazo, mas é para se cumprir, sempre enquanto valorizamos a nossa formação. Temos um novo coordenador da formação, dois novos treinadores de guarda-redes na formação - o Filipe Soares e o Lucas Sá, que era do Lusitânia -, com pormenores técnicos diferenciados, que vão evoluir os nossos guarda-redes... Queremos voltar a ser um clube que forma jogadores e que os mete quase todos nos séniores. Os que não podem, é sinal que vão estudar para fora, o que também é um trabalho nosso: formar jogadores e homens. Por exemplo, no meu ano, éramos, praticamente todos, bons jogadores, mas fomos estudar para fora e, sinceramente, acho que o Angrense é que ficou a ganhar. Voltámos e, agora, continuamos cá, com outros cargos.»

Por fim, Pedro Barcelos deixou uma mensagem aos sócios e simpatizantes do clube: «É um motivo de orgulho. Sei a responsabilidade que tenho e só peço que tenham esperança, como eu tenho, de que o Angrense vai, mantendo aquilo que é, tornar-se ainda melhor.»

Um novo capítulo, ainda no começo, de uma história para a vida, de amor, gratidão e trabalho.

Pedro Barcelos junto à vitrine de troféus do SC Angrense @zerozero

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