As origens de Daniel Sousa, o treinador do momento: «Chutei-lhe as pernas e ele sacou um mortal»

Percorreu «meio mundo» em busca de experiências mais enriquecedoras para o seu percurso - então ainda por iniciar - como técnico principal e, debaixo da alçada da equipa técnica liderada por André Villas-Boas, deu o primeiro passo rumo aos objetivos tidos na mente desde tenra idade. No primeiro assomo como técnico, já tinha dado o aperitivo de «ver e jogar por mais», um deleite confirmado na curva ascendente do Arouca, à imagem do percurso trilhado no Gil Vicente, na última época. Chegava o momento de saber um pouco mais de Daniel Sousa, pessoa sociável, mas reservada, aos olhos de quem o conhece...

De curva em curva até Aborim - Barcelos -, qualquer semelhança com o troço de acesso a Arouca não passava disso, uma mera semelhança, que não se ficou pela natureza da estrada. Monte abaixo rumo ao sopé daquela localidade do concelho, a verdura da paisagem e a ruralidade a ela inerente destoava da algazarra encontrada no jogo de sueca do primeiro café que encontrámos.

Café e água com gás identificados como o compasso de espera ideal para a brecha social entre conterrâneos e...voilá! Eis o primeiro dos ousados, disponível para nos ajudar na analepse à vida de Daniel Sousa.  

«Era tão magrinho que lhe chutei as pernas e ele sacou um mortal!»

De sweat do UCRA - União Cultural e Recreativa de Aborim - orgulhosamente envergada, Hélder Pereira, homem de palavra fácil e expressividade nos píncaros, rapidamente percebeu que a conversa estava para desembocar em Daniel, seu antigo colega de escola: «Andámos na primária. O Daniel era um miúdo extremamente magrinho. A meu ver, alguém o encaminhou bem. O homem, de repente, quando cresceu, desapareceu da freguesia.»

«Recorda-me que ele era tão magrinho, tão magrinho - e eu já era um matacão mais ou menos - que, ao jogarmos nas traseiras da escola, em vez de chutar a bola, chutei as pernas do Daniel e ele sacou um mortal no ar. Por acaso, não bateu de cabeça, bateu com as costas e não se magoou... Ele não se deve recordar dessa, mas eu recordo muito bem!», acrescentou Hélder, no seu registo bem-humorado.

Naturalmente, a ligação à comunidade local foi sofrendo erosão. A interação com os colegas de escola também, mas tal não impede o treinador do Arouca de manter a simplicidade que sempre lhe foi inerente: «Aqui há dois meses, passei por ele e levantei-lhe a mão e ele levantou também... Pode ter-me conhecido, pode não ter, já lá vão uns anos, mas a humildade dele não falhou.»

Contas acertadas no estabelecimento e findo o primeiro estágio do «curso Sherlock Holmes» - sem boina, nem gabardine, mas de cabedal às costas -, as indicações batiam certo no local a onde nos dirigirmos: ao Café Oliveira, a uma dúzia de passos da estação de comboios local. Uma pergunta pairou, logo embrulhada na frialdade que o final da tarde de inverno raramente perdoa: foram os caminhos de ferro, a metáfora para a viagem do jovem técnico?

Vizinhos, conversas infindáveis de futebol e o... squash

A dona Maria, proprietária do estabelecimento, não nos foi capaz de responder, mas deixou-nos as preciosas (e quase instantâneas) coordenadas de um velho e saudoso amigo de infância. Nada mais, nada menos que Ricardo Duarte, também ele treinador com sólida passagem pelo futebol finlandês e, por último, no Vianense.

Antes de a ele chegar, tocámos à campainha, na incerteza se estaríamos na casa devida. Surgiu-nos Marcos, jovem de 16 anos, de olhar reforçadamente jubilante, assim que percebeu que o zerozero estava lá para falar com o padrinho. O júbilo acelerou a entrada em contacto com Ricardo, afável e nitidamente apaixonado no seu discurso...

«Somos vizinhos! Ele é ligeiramente mais novo que eu. Moramos na mesma rua, demos uns pontapés [na bola] em conjunto e ambos temos um percurso em Ciências do Desporto, ensino superior e as opções de futebol no contexto académico e depois começar a treinar. Partilhávamos muito disso. Lembro-me, porque ia dois anos à frente, de ele estar muito entusiasmado com o que aprendia. Juntávamo-nos, às vezes. Ele ia partilhando as suas coisas, eu ia partilhando as minhas. Tínhamos boas discussões e, além disso, gostávamos de jogar squash... antes não havia padel, jogávamos squash», relembrou.

Dentro do seu desporto, Daniel também tentou a sorte, nada mais, nada menos que no UCRA: «Jogámos lá os dois. Joguei bastante lá, ele jogou um bocadinho também... Eu com 16 estava já nos seniores, o Daniel foi mais nas camadas jovens. Não tenho a certeza que tenha jogado no Popular [divisões concelhias]. Estava sempre lá, mas só me recordo de ele jogar nas equipas mais novas.»

Formado na FCDEP, antiga designação da FDUP - Faculdade de Desporto da Universidade do Porto -, os regressos à terra-mãe passaram a ser espaço de debate informal, mas essencial, no desenvolvimento das capacidades dos dois amigos. Por essa altura, a motivação de Daniel crescia para um patamar ímpar.

«O Daniel é uma pessoa social, mas não um animal social. É calmo, socializa facilmente com muito tipo de pessoas. Isso é muito importante hoje em dia, em que os balneários são tão diversos e com gentes de tantos pontos do mundo. É alguém com mente aberta, inteligente e sempre sagaz, com uma determinação muito grande, especialmente, desde que entrou na universidade. Uma determinação muito grande para estudar futebol. Ele até ignorava outras coisas para se dedicar ao futebol. Lembro-me de estarmos horas e horas a mostrar textos e a discuti-los, artigos técnicos, carreiras de treinador, abordagens táticas e metedológicas... Um foco tremendo e pronto, depois surgiram as primeiras oportunidades, inicialmente, com o André [Villas-Boas].»

«Foi uma fase muito importante, porque ele entrou quase diretamente para trabalhar no futebol profissional. Teve aquele «para-choques» de alguém que o acolheu e lhe deu a oportunidade de aliar experiências e evidências. Tinha todo o perfil de ser esta pessoa para correr o mundo, esteve em muitos sítios, Rússia, França, aqui e acolá ... Já andei no estrangeiro e sei que quem vai não volta a mesma pessoa. Deu uma bagagem cultural, uma maturidade que o ajuda muito. É jovem, mas tem essa experiência de vida», assegurou.

«Não tem pedigree de ex-jogador, mas formou-se a alto nível»

Cerca de 13 anos depois do início da caminhada ao lado de Villas-Boas, o desafio imposto foi outro. Chegava a hora de assumir o Gil Vicente: «É natural que tenha acontecido na vida dele, porque falámos disso com muito orgulho. Não podia ser um início de carreira melhor para o Daniel do que começar no clube da sua terra.»

De lá para cá, emendou o mau arranque dos Galos, replicando de forma igual o percurso do Arouca, na atual época. Dois trajetos com expoente máximo nas vitórias, frente ao FC Porto.

«Não são coincidências, são padrões. As equipas mais fortes também têm padrões mais consistentes e quem tem a capacidade dele de os reconhecer e se preparar para eles, identifica melhor o tipo de jogo a fazer. Claro que joga contra jogadores de qualidade superior, mas o trabalho do treinador é facilitado nesses momentos em termos do reconhecimento do que vai acontecer. Tem o background da análise. Começou nessa área, mas as estatísticas estão aí para mostrar a qualidade dele e os pontos conquistados desta jovem carreira como treinador principal. É o exemplo de alguém que, não tendo um pedigree como ex-jogador, se formou a alto nível e consegue estar a alto nível na I Liga», congratulou Ricardo.

«Está supercontente em Arouca, encontrou afinidades com a terra dele»

Mais recente, mas igualmente bem estruturada, é a relação com André Simão, arquiteto de profissão que conheceu Daniel Sousa no desempenho da sua atividade laboral. Da primeira impressão bastante clara ao aprofundar dos laços, vários são os atributos enumerados.

«Mal falei com ele, pareceu-me logo uma pessoa diferenciada. Estava muito mais interessado em ouvir do que a falar, algo pouco comum quando trabalhas com arquitetos. Percebi ali que era um tipo habituado a confiar noutras pessoas e a analisar... Isso depois veio a confirmar-se porque deu-nos a autonomia total», explicou.

«Tem aquela inteligência emocional de perceber que não pode controlar tudo e que o importante é conhecer muito bem o que pode controlar. Foi muito analítico. Notou-se claramente que estava a tentar perceber quem é que tinha à frente e percebeu que cartas é que ia pôr na mesa e qual era o jogo dele, qual era o meu, e a partir daí percebeu: "Agora tem uns 90 minutos para me fazer um projeto como deve ser. Eu já não vou poder fazer nada"», explicou.

«Uma coisa muito fixe nele é o facto de se notar ser uma pessoa viajada. Fala muito das experiências dele. Fala do trânsito na China ou da vida em Londres, mas, ao mesmo tempo, nota-se um apego às origens. E quando digo origens nem sequer digo Portugal, mas sim à aldeia dele, ao Minho, ao Portugal profundo», continuou ainda.

«Por exemplo, quando conversamos, na altura em que tomou a decisão de ir para o Arouca, dizia que estava contente e que parecia ir para um sítio onde ia gostar de estar. Está supercontente, encontrou afinidades com a terra dele e não entra em comparações com Pequim ou Londres. Consegue viver muito bem entre as duas realidades», relacionou André, em jeito de conclusão.

Terminada a reportagem, ficou a certeza de que valeu a pena colocar as rodas no asfalto em busca de saber um pouquinho mais sobre Daniel Sousa, técnico de presente e futuro do nosso futebol. O próximo pode ser... uma passagem no zerozero para uma entrevista? Fica a dica, Daniel!