Atalanta, o pesadelo de Costinha: «Quiseram fazer de mim um mercenário»

6 meses atrás 48

Nacional, AS Monaco, FC Porto, Atlético de Madrid ou seleção portuguesa, os emblemas que mais associamos à bonita carreira construída por Costinha. Nos registos, porém, um asterisco pouco recordado: uma passagem no final de carreira pela Atalanta.

O que falhou nesta história? Apenas um jogo oficial realizado em dois anos e meio de ligação aumentam a curiosidade. O zerozero foi à procura de respostas, na preparação do decisivo duelo entre o conjunto italiano e o Sporting para a Liga Europa.

Nada melhor do que conversar com quem viveu na primeira pessoa estes tempos conturbados. O sonho transformou-se em desilusão e num teste à resiliência mental do antigo médio. Um agitado capítulo recheado de acontecimentos.

«Não jogava se não baixasse o salário»

Movido pelo sonho. Com outras propostas mais vantajosas a nível financeiro em cima da mesa e até planos pós-carreira em Madrid, Costinha fez o esforço para conseguir rumar à Atalanta. Jogar em Itália, confessa ao nosso portal, foi sempre um objetivo.

«Jogar no futebol italiano era uma vontade que tinha desde muito pequeno. Maradona no Napoli, os holandeses do AC Milan, os alemães do Inter... Craques como Zico ou Briegel. Estava no Atlético de Madrid com 32 anos, penso. O tempo de realizar esse objetivo estava a passar. Tive uma proposta muito forte do Besiktas, mas o presidente Cerezo rejeitou. Tinha o desejo que eu continuasse no clube e até assumisse um papel na estrutura mais tarde.»

Chegada a Itália foi a concretização de um sonho @D.R

«Pela porta da Atalanta abriu-se o sonho. Tive de o convencer e deixar-me sair. Em Itália não se olha tanto para a idade do jogador, muitos atuam em fases tardias nos grandes clubes. O mercado continua a mexer para jogadores dessa idade em caso de bom rendimento. Fiz muita força para ir e acreditava mesmo que era o passo correto», admitiu ao zerozero.

Infelizmente para o antigo médio, as coisas rapidamente deram para o torto. Uma complicada lesão contraída na fase inicial da época foi o mote para pressões e pedidos de revisão salarial, não acordados na assinatura de contrato com o emblema da Lombardia. O jogo com o Parma, a 2 de setembro, foi mesmo o único oficial com aquela camisola.

«Chego ao clube com um estatuto alto devido ao meu percurso internacional e títulos conquistados. O presidente Ruggeri acedeu ao pedido do treinador Del Neri e aceitou as minhas condições. Atenção, até fiz uma redução de salário em comparação ao que ganhava em Espanha. Não foi o dinheiro que me moveu.»

«O salário era alto para a realidade da Atalanta naquele tempo e duas pessoas da estrutura nunca aceitaram a minha contratação. Acabei por ter uma lesão que demorou mais tempo a recuperar ainda cedo na época, momento em que tenho de agradecer ao António Gaspar pela recuperação. Passados cinco, seis meses tiveram a primeira abordagem para baixar o salário e uma ameaça de não jogar.»

«Rejeitei, obviamente. Não bati à porta da Atalanta para assinar. Os diferentes treinadores que passaram durante esse período, incluindo Antonio Conte, queriam que treinasse e jogasse. A direção batia o pé e não o permitia», confessa-nos.

Rara fotografia com a camisola da Atalanta @D.R

«Mourinho quis-me no Inter e rejeitaram a proposta»

As perguntas devido à estranheza do caso, naturalmente, surgiram. Problemas físicos de Costinha eram a narrativa utilizada por membros da estrutura do clube perante os adeptos e, por isso, propostas como a do Inter foram rejeitadas.

«O mister Mourinho, para perceberem, quis-me no Inter e foi proposta uma troca direta com o Olivier Dacourt. Não aceitaram, pois o filme que queriam passar aos adeptos era de um mercenário que estava sempre aleijado. Se começasse a render no Inter, os adeptos da Atalanta iam pedir explicações», relata-nos. 

Costinha
12 títulos oficiais

Mesmo com um lado psicológico forte e o apoio dos mais próximos, o antigo internacional luso não esconde a situação problemática vivida. O testemunho ganha contornos ainda mais difíceis e que espelham as dificuldades sentidas até ao momento da rescisão, acordada no início de 2010.

«Treinava à parte, mas fiz a segunda pré-temporada toda com a equipa. Tínhamos vários médios indisponíveis para o primeiro jogo do campeonato e ainda pensei que ia para o banco, mas rapidamente recebi a informação de que não podia ser convocado. Mentalmente foi uma fase dura, mas sou uma pessoa forte e tinha a minha família comigo. Treinava nos mesmo horários do que a equipa, mas fazia exercícios diferentes. Andavam-me a pagar para isso, não percebia.»

«Tive de ir para o tribunal de Roma com um processo de mobbing. Tentar desgastar mentalmente um jogador com este tipo de decisões para depois existirem cedências nos valores a receber. Ganhei o caso e algumas coisas melhoraram, mas nem a massagistas do clube tinha acesso. Diziam-me, com muito respeito e carinho, que estavam proibidos pelos superiores. Os meus companheiros sentiam alguma revolta.»

«No terceiro ano a filha do presidente e o diretor Roberto Spagnolo, que chegou a estar afastado, tiveram uma conversa comigo. Reconheceram que não foi um processo bem gerido e reforçaram que não iam faltar com nada a nível de salários. O único pedido deles para a rescisão foi de pagarem mês a mês. Pediram desculpa», confidencia-nos.

«Não queria ter terminado a carreira daquela forma»

Apesar do diferendo, Costinha não mostra ressentimentos com o futebol italiano que tanto o apaixona. Lembra, com humildade, a decisão sua de escolher aquele projeto. 

«Não confundo clubes com pessoas. A Atalanta é maior do que o par de pessoas que me fez passar um mau bocado. Não conseguiram matar o brilho que tinha desde criança com o calcio. A Atalanta cresceu muito nos últimos anos e é um clube modernizado.» 

Paixão dos adeptos marcou Costinha @Getty /

«Fica sempre a mágoa», assume Costinha. «Não queria ter terminado a carreira daquela forma. Eu é que fiz força para ir, ninguém me obrigou a tomar aquela opção. Temos de aceitar as consequências das nossas decisões», afirma.

Nem tudo foi negativo, contudo. A paixão dos tiffosi da Atalanta são memórias bonitas que leva no coração. Poucos países vivem e prezam tradições do desporto-rei como em Itália, explica-nos.

«Guardo a forma como os adeptos vibram com aquele clube. Histórias formidáveis. Tinham a tradição da curva ir ao centro de estágio falar com os jogadores antes do primeiro jogo de cada época.»

«O capo [líder da claque], na altura um homem com a alcunha de Boccia, dirigiu palavras para vários jogadores, algumas mais duras. Disse-me: "Costinha, bem-vindo. Não me interessa se ganhaste a Liga dos Campeões ou se és internacional português, quero é amor ao escudo. Com isso és um de nós".»

«A cada quinta-feira existiam jogos para atletas menos utilizados contra equipas da região de Bergamo. Muitos autógrafos, fotografias e camisolas assinadas, uma forma de conquistar a acarinhar adeptos. Marcavam férias para os locais dos nossos estágios de pré-época. Cinco mil adeptos nas montanhas a dormir em tendas e roulottes (risos). Uma cultura que guardo no coração, apesar da tristeza futebolística», termina.

14 anos depois da saída de Costinha de Bergamo, o Sporting visita a Atalanta. Memórias de outros dias. 

Portugal

Costinha

NomeFrancisco José Rodrigues da Costa

Nascimento/Idade1974-12-01(49 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

PosiçãoMédio (Médio Defensivo)

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