Atrair talento: retórica vs. realidade

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Muito se tem falado de talento e da sua atracção. Eu mesmo já escrevi aqui sobre os “regressos falhados”. Mas, recentemente, ouvi uma história na primeira pessoa que me deixou preocupado, embora não muito surpreendido.

O Joaquim – nome fictício – é um tipo simpático, íntegro e dinâmico que acumulou 15 anos de experiência fantástica na área do marketing digital e da gestão no vibrante mercado londrino, chegando a CMO – Chief Marketing Officer de empresas significativas, líderes nos seus segmentos e altamente inovadoras.

A certa altura, pondera o regresso com a família, porque “depois chega-se a uma idade que regressar faz cada vez menos sentido”. Começa assim a auscultar o mercado em Portugal, só para tomar o pulso, entrando em contacto com algumas empresas de executive search. Algumas, nem responderam!

Num desses contactos com envio prévio do resumo profissional, com uma reputada empresa de search a actuar em Portugal, Joaquim é surpreendido com um interlocutor com o vício de ser demasiado honesto. Diz o profissional de search: “Olhe, caro Joaquim, realmente você tem um curriculum muito bom, sem dúvida. Mas lamento dizer-lhe que é praticamente impossível!”.

Joaquim fica perplexo, mas o interlocutor logo clarifica: “Sabe, isto aqui, neste mercado, já sabemos os nomes e o cliente já tem muitas vezes preferências. Você não é cá conhecido, e a verdade é que a não ser que a especificação do cliente viesse perfeitamente à sua medida, por milagre, talvez tivesse hipótese. E mesmo assim, não sei! Lamento… Mas vou deixar em base de dados, pode ser que apareça alguma coisa!”, completa.

Joaquim, ficou estarrecido. Joaquim tem competências e experiência que não existe em abundância em Portugal e que poderia constituir um importante motor de crescimento para muitas empresas.

Os clientes desta empresa de search, que “já têm preferências”, são apenas de dois tipos: as grandes empresas nacionais, ou as poucas startups que têm dimensão para contratar alguém como Joaquim. Fica assim claro que, em muitos casos, no sector privado, temos uma espécie de “cargos de nomeação política”.

Apesar das retóricas e iniciativas que vamos vendo e ouvindo, a atracção do talento em Portugal e, consequentemente, a competitividade da economia, esbarram na cultura de favoritismo e opacidade que caracteriza o País. A estratégia de Joaquim passa agora por trabalhar para uma empresa estrangeira a partir de Portugal, ou criar o seu próprio negócio – possivelmente com sede fora de Portugal e com clientes internacionais.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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