BCV considera “legítima e procedente” queixa dos bancos ao leilão dos depósitos do Fundo de Pensões

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O Banco de Cabo Verde (BCV) declarou esta sexta-feira, 1 de março, que o processo de leilões do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) violou o processo de transparência e que é passível de ser anulado. O banco da CGD participou no leilão para captar os depósitos do INPS.

O Banco de Cabo Verde, na sequência da reclamação apresentada pela maioria dos bancos participantes do leilão promovido, a 8 de dezembro de 2023, pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), “considera legítima e procedente” a queixa dos bancos com sede no país.

Os leilões realizados pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), com objectivo de rentabilizar os recursos (depósitos) foram suspensos pelo Banco de Cabo Verde (BCV), que, na sequência de uma relação interposta pelos bancos comerciais, liderados pelo Banco Cabo-verdiano de Negócios (BCN), decidiu parar o processo para fazer as averiguações necessárias.

Em causa está a aplicação do dinheiro do Fundo de Pensões Cabo-Verdiano em depósitos bancários.

Os bancos liderados pelo BCN (Banco Caboverdiano de Negócios acusam o INPS de  “falta de comunicação aos concorrentes do regulamento do concurso, do racional para a escolha dos rácios elegidos e da sua ponderação, bem como preocupações dos riscos para o sistema financeiro, devido à natureza do INPS enquanto depositante sistémico”.

A reação do regulador bancário cabo-verdiano baseia-se no facto de até agora “o INPS, instado para tal, ter recusado a disponibilização do regulamento dos leilões, assim como não partilhou, previamente, a fórmula de cálculo da avaliação das propostas, o que se afigura como sendo um procedimento que pode ser objetivamente qualificado como falta de transparência e que não se mostra razoavelmente compatível com licitações promovidas por qualquer entidade, sobretudo quando ela é de natureza pública”, de acordo com um comunicado do banco central datado de 1 de março.

A secretária-geral da União Nacional dos Trabalhadores Cabo-verdianos — Central Sindical (UNTC-CS), Joaquina Almeida, disse publicamente que “a ação dos bancos liderados pelo BCN visa impedir a realização dos leilões com o intuito de manter as remunerações dos depósitos do INPS a níveis baixos”.

Já o Conselho Directivo do INPS  veio a público esclarecer que os leilões foram realizados cumprindo três princípios fundamentais da gestão dos recursos do instituto, designadamente a liquidez, a segurança e a rendibilidade.

Por outro lado, o INPS explicou que os critérios para a selecção da licitação vencedora foram primeiro a taxa de juro resultante da licitação com peso de 55% e segundo os rácios prudenciais e de risco com um peso de 45%.

Os resultados colocaram o International Investiment Bank (IIB) em primeiro lugar, quando foi o BCN, que apresentou a maior taxa de juro ficou em terceiro lugar, atrás do IIB e do Banco Interatlântico, o que motivou a reclamação.

O Banco de Cabo Verde, a 12 de dezembro de 2023, recebeu uma reclamação subscrita pela maioria dos bancos participantes do leilão promovido, a 8 de dezembro de 2023, pelo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), “através da qual os reclamantes alegaram falta de transparência do processo, nomeadamente no concernente à falta de comunicação aos concorrentes do regulamento do Concurso, do racional para a escolha dos rácios elegidos e da sua ponderação, bem como  preocupações dos riscos para o sistema financeiro, devido à natureza de depositante sistémico do INPS, caso os leilões não decorressem de modo transparente”.

Em resultado de uma análise preliminar, o Banco de Cabo Verde (BCV) decidiu recomendar às instituições de crédito que se abstivessem de participar nos futuros leilões.

“Na sequência, o BCV solicitou um conjunto de informações aos bancos e ao INPS, que prontamente cooperaram, que permitisse fazer uma análise, já mais ponderada, se os leilões, nos moldes conduzidos, podem impactar negativamente a solidez e a estabilidade financeira das instituições de crédito individualmente e do sistema financeiro no seu todo”, refere o comunicado do banco central.

“A matéria respeitante à fiscalização se na instituição existem políticas ou adoção de medidas adequadas  para prevenir, atenuar e gerir potenciais conflitos de interesses, ainda que aparentes, deve ser efetuada pelas autoridades competentes, nomeadamente as que exercem a tutela sobre o INPS”, acrescenta o BCV.

“Às autoridades de regulação e supervisão do sistema financeiro exige-se uma atuação, cada vez mais, preventiva e não reativa face à iminência de riscos que possam abalar a estabilidade do sistema financeiro, mormente perante sinais de risco sistémico e risco de contágio”, sublinha o banco central caboverdiano.

“No que diz respeito à análise ao processo de leilões, não obstante o facto desta não ser tornada pública na íntegra, até pelo dever de sigilo profissional a que o Banco Central se encontra sujeito, este entende que deve informar o mercado das principais conclusões/recomendações da avaliação efetuada ao referido processo, esta já remetida às entidades competentes”, defende o banco central.

Efetivamente, da análise efetuada, o BCV considera legítima e procedente a reclamação efetuada pela maioria dos bancos participantes do primeiro leilão, porquanto, o INPS, instado para tal, recusou a disponibilização do regulamento dos leilões, assim como não partilhou, previamente, a fórmula de cálculo da avaliação das propostas, o que se afigura como sendo um procedimento que pode ser objetivamente qualificado como falta de transparência e que não se mostra razoavelmente compatível com licitações promovidas por qualquer entidade, sobretudo quando ela é de natureza pública”, lê-se no comunicado do BCV.

“De facto, a falta de acesso prévio ao regulamento e à fórmula de cálculo não permite aferir com segurança a legitimidade dos resultados. Outros sim, a fórmula de cálculo para a avaliação dos riscos dos bancos participantes não se mostra correta, visto que três das quatro variáveis não foram normalizadas em escalas comparáveis, resultando no enviesamento dos resultados”, acrescenta a instituição.

O BCV procedeu a vários cenários, com diferentes técnicas de normalização de dados, e concluiu que os resultados são sensíveis à escolha da técnica utilizada, levando, nalguns casos, à “seleção adversa”, ou seja, os bancos com maiores fundos próprios seriam preteridos.

“Se a atuação do BCV não tivesse sido tempestiva, corria-se o risco de, num curto espaço de tempo, ocorrer a desmobilização de depósitos no montante de 3,5 mil milhões de escudos cabo-verdianos de alguns bancos para um único banco que beneficiaria dos pressupostos/critérios considerados para o apuramento dos resultados dos leilões, uma vez que os valores dos indicadores utilizados seriam os mesmos, pois teriam como data de referência o Relatório & Contas dos bancos de 31 de dezembro de 2022”, conclui o supervisor bancário de Cabo Verde que considera ainda que “este facto seria suscetível de acarretar impactos negativos nos principais indicadores prudenciais de alguns bancos”.

O BCV, por sua vez, constatou que foram introduzidas novas regras de rateio a meio percurso, incorporadas na carta-convite do 2º leilão, as quais não constam do Regulamento aprovado, “facto que corrobora as conclusões de falta objetiva de transparência do processo”.

Por seu turno, o banco central questiona “a racionalidade económica subjacente à escolha de determinados indicadores prudenciais utilizados pelo INPS no processo de leilões, sobretudo quando favorecem determinados modelos de negócio, o que não promove o tratamento igualitário entre os diferentes participantes”.

“Importa salientar que determinados indicadores selecionados nem sequer permitem captar os riscos intrínsecos associados ao perfil de risco dos bancos participantes, como o risco de liquidez, de concentração de depósito, de contraparte e de contágio”, revela o BCV.

“As instituições de crédito são reguladas e supervisionadas pelo banco central, nos termos do mandato que a Lei lhe confere, pelo que as decisões de clientes bancários deverão ser tomadas com este conforto. Neste sentido, se o objetivo dos leilões era a rentabilidade dos fundos do INPS, sem descurar da avaliação de risco, o que é compreensível e legítimo, no entanto deve-se dizer que o peso atribuído à componente dos rácios prudenciais mostra-se inadequado, tendo em conta que os bancos participantes apresentam indicadores dentro dos limites regulamentares e de referência definidos pelo BCV”, avança ainda o banco central.

“Face a determinadas idiossincrasias do nosso sistema financeiro, nomeadamente a elevada concentração a fontes comuns de financiamento, os leilões ou iniciativas semelhantes deverão proporcionar a igualdade de tratamento às instituições participantes, e basear-se em procedimentos objetivos e transparentes, sendo assim, recomendável uma concertação prévia com a Autoridade de Regulação e Supervisão do sistema financeiro na definição das regras de futuros leilões, de forma a acautelar eventuais impactos negativos para o sistema financeiro”, determinou o BCV.

O banco central concluiu assim que “o processo de leilões, designadamente tendo em conta a violação do princípio da transparência, seria passível de anulação pelas entidades competentes. Informa-se, também, que o BCV está a desenvolver, em colaboração com organismos internacionais relevantes, um conjunto de medidas macroprudenciais que visam mitigar os riscos de elevada concentração a fontes comuns de financiamento”.

O Banco de Cabo Verde aproveita para reafirmar que os rácios dos bancos que participaram nos leilões do INPS estão acima dos limites mínimos legal e regulamentarmente fixados e que “continua a fazer o devido acompanhamento dos indicadores financeiros e prudenciais, em prol da estabilidade do sistema financeiro e da confiança dos aforradores, sejam depositantes, sejam investidores”.

Histórico do caso

O histórico do caso resume-se ao fact0 de a 5 dezembro de 2023, o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social de Cabo Verde) ter lançado um processo de leilões de depósitos a prazo e de o banco com a terceira maior taxa ter ganho o leilão.

Uma semana depois, o INPS lançou novo leilão, levando quatro dos bancos candidatos (BCN, BAI, Interatlântico e Ecobank) a queixaram-se ao regulador (BCV) da falta de comunicação aos concorrentes do regulamento do concurso, da fundamentação da escolha dos rácios escolhidos e da sua ponderação. Os bancos também partilharam preocupações com os riscos para o sistema financeiro, dada a natureza do INPS como depositante sistémico.

O Banco de Cabo Verde (BCV) anunciou ter recomendado aos bancos comerciais do país que não participassem num leilão de depósitos do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) até serem criados instrumentos para mitigar o risco de liquidez.

O BCV explicou que, após receber a queixa, realizou testes internos que demonstraram que a “continuação dos leilões, nos moldes efetuados, poderia ter um impacto negativo em alguns rácios dos bancos, nomeadamente nos rácios de liquidez” e recomendou aos bancos comerciais do país que não participassem nos leilões do INPS até que fossem criados instrumentos para mitigar o risco de liquidez.

No segundo leilão apenas participaram o IIB e o BCA  – Banco Comercial do Atlântico, que é detido pela Caixa Geral de Depósitos e que está em processo de venda.

No dia seguinte aos resultados da ação, o INPS pediu ao BCN que transferisse 150 mil escudos caboverdianos para o IIB como parte do resultado do leilão, mas o BCV recomendou ao BCN que não o fizesse. O jornal A Nação refere que também o Ecobank não efetuou a transferência e que apenas o BAI e o Interatlântico o fizeram.

A recusa do BCN em fazer a transferência de fundos levou o INPS a acusar o banco de “sequestro de dinheiro público” e o BCV de conivência. “Podemos afirmar que estamos perante o maior escândalo financeiro nacional, com o sequestro de fundos públicos por um banco privado, e com o apoio do banco central, para benefício privado”.

De acordo com o jornal A Nação, com o total de depósitos do INPS em 2022 no valor de 42 milhões de contos, a Caixa Económica lidera, beneficiando de 44% do total de depósitos do INPS, sendo que menos de metade está aplicada em depósitos a prazo (19% em depósitos a prazo e 25% em depósitos à ordem). Segue-se o BCN com 15% do total de depósitos, dos quais 7% em depósitos a prazo e 8% à ordem. O BAI, por seu lado, tem 13% dos depósitos, dos quais 8% são depósitos a prazo e depósitos à ordem e 5% depósitos à ordem.

O Ecobank tem 11% dos depósitos do INPS, dos quais 8% em depósitos a prazo e 3% à ordem. depósitos. O Banco Inter-Atlântico também da CGD por sua vez, tem 10% dos depósitos do INPS, sendo 8% em depósitos a prazo e 2% em depósitos à vista.

No fundo da tabela estão o IIB, com 5% dos depósitos, dos quais 4% a prazo e 1% à ordem, e o BCA com 1% dos depósitos, totalmente à ordem.

– O Banco Cabo-verdiano de Negócios, principal visado nesta polémica, é detido pelo Grupo Ímpar, que tem como administrador Joaquim Coimbra (também ele parte dos órgãos sociais do BCN). Joaquim Coimbra (antigo accionista dos falidos BPN e BPP) entrou para o grupo Ímpar através da compra da posição da Império Bonança.

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