Bernardo Almeida: “Hoje temos o chatGPT e modelos de linguagem, e o que estou a tentar é aplicá-los à linguagem do ADN”

10 meses atrás 121

Bernardo Almeida, investigador da empresa InstaDeep, ainda tem todo um percurso para fazer até chegar ao topo da genética, mas já deu o primeiro passo rumo ao reconhecimento internacional ao desenvolver, na Universidade de Viena, técnicas que reprogramam células humanas com ajuda da Inteligência Artificial. As novas ferramentas facilitam o tratamento de doenças de origem genética, mas também abrem caminho a soluções questionáveis como a escolha da cor dos olhos de bebés – ou mesmo aberrações mais futuristas como o desenvolvimento de asas nas costas.

Bernardo Almeida desenvolveu na Universidade de Viena uma ferramenta que ajuda a localizar e reescrever "interruptores" de genes

TOMAS ALMEIDA

“Acredito que a tecnologia vai aparecer para fazer esse tal tipo de opções, e depois faz parte da sociedade e dos governos e da regulamentação decidir o que é que é possível, o que é que não deve ser possível, o que é que é aceitável ou não”, responde Bernardo Almeida, numa entrevista ao podcast Futuro do Futuro.

Com 28 anos de idade, Bernardo Almeida entra, com o trabalho realizado na Universidade de Viena, para o grupo das “esperanças” da ciência nacional – mas não enjeita a possibilidade de fazer uma visita guiada que permite conhecer os principais mecanismos do genoma humano. É a partir dessa visita que qualquer leigo poderá redescobrir o código genético que cada ser traz dentro do núcleo de cada célula, que pode dar origem a uma dupla hélice com mais de dois metros de comprimento quando desenrolada.

Nessa dupla hélice combinam-se os quatro nucleótidos conhecidos por adenina, timina, citosina e guanina (também referidas pela sigla ACTG), formando um código irrepetível com o correspondente a cerca de três mil milhões de caracteres. Bernardo Almeida recorda que apenas 2% do genoma diz respeito a genes que levam as células a assumirem diferentes funções consoante o local ou órgão do corpo em que se encontram.

Salomé Rita

Os restantes 98% dizem respeito aos denominados “interruptores” que têm uma função de regulação da ação executada pelos genes. E é neste ponto que a Inteligência Artificial pode ajudar cientistas como Bernardo Almeida a fazer a diferença.

O jovem cientista de Cascais recorda que, muitas vezes, não se sabe quais os interruptores que regulam cada um dos genes – e nalguns casos, o “interruptor” pode estar a “um milhão de letras distante” do gene por ele regulado, explica, numa alusão aos códigos que são formados no genoma, combinando adenina, timina, citosina e guanina.

Do mesmo modo que permite criar ferramentas como o ChatGPT que usa a estatística para a escolha das palavras mais adequadas para escrever um texto, a Inteligência Artificial Generativa permitiu que Bernardo Almeida não só passasse a identificar mais rapidamente os “interruptores” que moldam a atividade de diferentes genes, como permite reescrever as sequências do genoma que se pretende alterar, para mudar um gene, e eventualmente tratar uma doença.

“A partir do momento em que o modelo percebeu o que é um “interruptor” molecular de uma célula da pele ou de uma célula do músculo, utilizo esse modelo para escrever sequências novas, para desenhar sequências novas, que depois no laboratório nós testamos para confirmar se é um interruptor molecular da célula da pele ou do músculo, por exemplo”, descreve o jovem cientista.

Com este processo, a reprogramação celular tende a acelerar. E a palavra reprogramação não diz apenas respeito à transformação das células, mas remete igualmente para o facto de grande parte do trabalho de investigadores como Bernardo Almeida ser levado a cabo frente ao computador, numa lógica similar à de alguém que programa software.

Foi precisamente para ilustrar esse tipo de trabalho que a Bernardo Almeida trouxe um som de alguém a teclar no computador em resposta aos desafios que costumam ser colocados no Futuro do Futuro. Para o segundo desafio, relacionado com imagem, o investigador trouxe uma imagem com uma sucessão de caracteres que ilustra apenas uma secção do genoma – e que tem efeitos diretos na configuração do corpo humano.

Segmento do genoma humano composto com a sucessão das iniciais dos nucleóticos adenina, citosina, timina e guanina

DR

O primeiro caso publicamente conhecido de reprogramação celular surgiu envolto em polémica com o anúncio do cientista chinês He Jiankui que alegou ter alterado os genes de duas bebés gémeas para que se tornassem imunes ao vírus do HIV.

O cientista chinês haveria de ser condenado a três anos de prisão, mas no Reino Unido o conceito de edição celular foi aplicado, recentemente, dentro da lei para alterar os genes que estão na origem de maleitas conhecidas como a beta-talassemia e a anemia falciforme. Bernardo Almeida recorda que, desta vez, os procedimentos são bem diferentes dos seguidos na China em 2018: “Houve um ensaio clínico com cerca de 50 pacientes” e “analisou-se, durante algum tempo, os efeitos secundários”. “Houve um benefício, portanto foi aprovado”, descreve o cientista.

Bernardo Almeida lembra que é possível limitar as alterações a células de determinados órgãos e até evitar que as células transformadas se tornem hereditárias. Mas o cientista também sabe que a evolução em curso vai acabar por produzir impacto a nível social e económico. Os primeiros tratamentos de alteração genética para a beta-talassemia e para a anemia falciforme tiveram custos de dois milhões de euros por pessoa.

É provável que, um dia, estes custos desçam, e isso vai poder abrir caminho à medicina personalizada que lê um ADN específico de um indivíduo para “relacionar com o seu estilo de vida, a propensão a doenças” e quando se deteta uma doença, saber “a causa para se conseguir corrigir”. Em paralelo com a evolução da medicina, é possível que que se comecem a fazer notar as “diferenças económicas” entre as pessoas que conseguem ou não reprogramar as suas células, admite Bernardo Almeida.

Tiago Pereira Santos

TOMAS ALMEIDA

Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos

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