Beto: «Sair do Sporting em 2004 foi uma paulada grande, uma lição de humildade»

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Este é o ponto final. Aqui vamos dar espaço ao adeus, vamos pendurar as chuteiras e vasculhar no álbum das recordações de jogadores que marcaram gerações. Não há parágrafo, sem antes haver um ponto final.

O nosso convidado deixou de jogar futebol em 2022, num país bem a norte. As mudanças de latitudes foram, de resto, uma constante na sua vida. Tão depressa estava no Sul, como no Norte. Foi campeão em dois países, festejou em Portugal por três clubes diferentes, celebrou uma conquistou europeia em solo português, mas grande parte da coroa internacional foi ganha de vermelho e branco. A pergunta antes do Ponto Final: Beto.

zerozero: Beto, obrigado por estar aqui connosco. Com estas dicas, descobria quem era o jogador?

Beto: Seria difícil. Falando de mim próprio, talvez chegasse lá, mas seria muito difícil. Falam aí de conquistas de vermelho e branco, é óbvio que falam do Sevilla, mas poucas pessoas chegariam a mim.

zz: Foram três ligas Europa...

B: Sim, três ligas Europa seguidas.

zz: Deixou de jogar em 2022, num Helsínquia x Ilves Tampere. Perdeu 1-0 nessa partida e foi expulso.

B: Infelizmente terminei a minha carreira com uma expulsão, mas foi uma expulsão derivada de um estado psicológico débil, estava a atravessar uma fase muito complicada na Finlândia, pois nessa altura não havia noite, por ser o verão. Eu tentava descansar o que podia, mas era de dia e o meu corpo nem sequer adormecia e comecei a acumular muito cansaço, demasiada fadiga mental, mau humor, o que é algo difícil para mim.

zz: A privação do sono é sinónimo disso, também.

B: A privação do sono foi, para mim, fatídica para continuar no clube. Eu arrastava o mau estar há algumas semanas e nesse jogo não aguentei. Não sei se foi o destino, mas esse jogo foi o último jogo da minha carreira. Até estava a fazer uma época interessante, ao nível do rendimento, estava a desfrutar de jogar, mas com a privação do sono e do cansaço comecei a questionar a minha permanência naquele local, pela idade que tinha e com todo o cansaço.

zz: Sabia que aquele poderia ser o seu último jogo?

B: Só dei conta disso tempos mais tarde. Eu sentia-me tão bem e sentia que o meu rendimento era tão alto, em relação à idade que eu tinha e ao contexto em que eu estava, que achava que tinha todas as condições para continuar a jogar. Nesse dia, depois de algumas semanas de tanto cansaço psicológico, muito devido à privação do sono, senti que se calhar era mesmo o fim.

Beto
14 títulos oficiais

zz: Foi aí que começou a bater a ideia de que era melhor terminar a carreira?

B: Não foi aí. Eu quando terminei a minha passagem pelo Farense fiquei algum tempo em casa à espera de um projeto que nunca chegou. Chegaram alguns projetos que eu não queria abraçar, mas não chegava aquele que eu queria, mas eu não tinha consciência que esse projeto que eu queria nunca iria chegar. Eu já tinha 40 anos e esse projeto não ia chegar. Foi então que recebi uma chamada de um amigo, que estava na Finlândia.

zz: O Roberto Rivelino.

B: Certo. Ele sabia, através da minha esposa, que eu estava 'insuportável', depressivo…

zz: Mas isso acontecia porque queria continuar a jogar não queria dizer adeus.

B: Eu não queria aceitar que estava a chegar ao fim e depois o meu rendimento no Farense também era sinónimo deste meu pensamento. Se calhar, já não tinha era condições para continuar no nível que eu achava que deveria estar, mas que o futebol acaba por te demonstrar que não estás.

zz: Agora que já terminou a carreira, fica com a ideia que teria sido bom para si trabalhar esse momento, ou é difícil aceitá-lo?

B: É sempre muito mais fácil para qualquer pessoa preparar-se e trabalhar com entorno familiar ou de amigos, ou até com especialistas da matéria, mas no dia em que decides que acabou, esse luto tem de ser vivido de forma pessoal. Tens de passar pelo luto e quanto mais rápido for o teu luto, mas fácil é a tua reinserção na nova vida.

zz: O dia a seguir…

B: Sim, nós temos a felicidade de viver duas vidas. Há perfis diferentes de jogadores e pessoas. Eu sou um apaixonado pelo futebol, tanto pelo treino, como pelo jogo, pela competitividade, pela pressão e por isso sabia que iria ser sempre muito difícil, para mim, deixar de jogar. É deixar de ter a minha rotina, os meus hábitos…

zz: O Cândido Costa já nos confidenciou isso, precisamente aqui no Ponto Final.

B: É normal. Tu crias muitas relações, é quase como estar num reality show, pois estás muitas horas com as mesmas pessoas, são constantes vivências em grupo, são as alegrias, as tristezas… E por isso é difícil acordar e não existir nada disso.

zz: Como foi essa primeira segunda-feira?

B: Esse primeiro dia do já não sou atleta foi muito doloroso para mim, para a minha família. Eu sou uma pessoa muito bem disposta, que acorda sempre muito feliz com a vida, mas nesses primeiros dias acordava triste, desmotivado, não tinha alegria nenhuma. Olhava para a minha filha, que é a coisa mais linda que tenho na minha vida, e o meu filho com amor e paixão, mas olhava-me ao espelho e não via nada, via tudo apagado, tudo cinzento e tive de passar por isso. Até que me reativei, com o projeto da Liga Portugal. Um caminho que eu estou a percorrer, que me motiva e que me ajuda a chegar onde quero chegar e agora sou uma pessoa resolvida.

zz: Quero voltar ao início e àquele menino que foi experimentar futebol ao Ponte Frielas: tinha que idade?

B: Eu tinha sete anos, em 1989, quando entrei no UD Ponte Frielas, nos escolinhas… Era um campo pelado, eu tinha sete anos, eram balizas de futebol de onze…

zz: Foi logo para guarda-redes?

B: Não, comecei a extremo direito… Era baixinho e fortezito

zz: Tudo diferente de agora.

B: Certo, tudo diferente. Eu jogava bem, mas não corria… Nunca gostei de correr. Até que o professor Virgílio me diz que eu jogava bem, mas para jogar a extremo tinha de correr. Mandou-me ir experimentar a baliza, com umas luvas todas rotas, umas chuteiras Desportex que eu tinha, que estavam todas rotas, fui para a baliza e adorei. Cheguei a casa cheio de sangue nos joelhos, mas adorei. Criei uma paixão que durou 33 anos, entre os sete e os 40, e foram 33 anos de paixão pura e dura.

Beto terminou a carreira na Finlândia @Beto - arquivo pessoal

zz: Mas naquele período inicial nunca equacionou ser outra coisa?

B: Não, porque desde o primeiro treino na baliza nunca mais pensei noutra coisa que não fosse conhecer a posição, aperfeiçoar as técnicas, mas o que mais me moveu foi a paixão pelo futebol e pela baliza. Foi isso que me ajudou, em muitos momentos da minha vida, a ultrapassar vários obstáculos.

zz: Qual foi a primeira coisa que aprendeu na baliza?

B: Foi a cair. A não cair de barriga, pois atirava-me de barriga e num pelado o corpo sofria muito. Nos primeiros treinos lembro-me de aprender a atirar-me de lado, a cair primeiro com o ombro, com a parte lateral da perna e essas foram as primeiras dicas. Depois, foi saber a forma de agarrar a bola, em que foi necessário saber que não podemos fazer das mãos uma parede, mas sim uma concha. Foi um período de aprendizagem, aperfeiçoamento e crescimento.

zz: Foi muito cedo para o Sporting.

B: Verdade, com 11 anos. Pelas mãos do Senhor Aurélio Pereira.

zz: Mais um…

B: Mais um, verdade, mais um talento que ele descobriu. Depois, fiz todo o percurso de formação, até 2002. Pelo meio fui emprestado ao Casa Pia. 

zz: Para quem ainda não vasculhou totalmente o seu perfil no zerozero, vale a pena dizer que descobrimos um plantel de Sub-15, em 96/97, absolutamente emblemático.

B: Verdade.

zz: Estavam lá o Ricardo Quaresma, o Luís Lourenço, o Luís Vilar, que agora é comentador…

B: Exatamente.

zz: Eram muitos nomes… 

B: Tinha o Carlos Martins, o Hugo Viana também esteve connosco. Eu fiz todo o percurso das seleções nacionais, até à seleção AA, inclusive aquela seleção B. A minha primeira seleção foi a de Loures, depois o Inter-Associações com a seleção de Lisboa.

zz: O Lopes da Silva Interassociação S14.

B: Certo. E a partir desse momento é quando chego às seleções nacionais, com a primeira a ser a seleção nacional de Sub-15.

zz: Como foi quando o chamaram para treinar pela primeira vez com a equipa principal do Sporting? Tem o Peter Schmeichel no balneário...

B: Sim, sim. Foi o Augusto Inácio que me chamou para ir treinar pela primeira vez com a equipa principal e era o Peter Schmeichel o guarda-redes do Sporting. Foi engraçado, pois entro no balneário do Sporting e vejo o João Vieira Pinto, o Sá Pinto, Rui Jorge, o Beto e depois o Peter Schmeichel… Ele era quadrado, tinha dois metros…

zz: Era uma das maiores referências da baliza…

B: Era a grande referência que estava na liga portuguesa. Eu nem sabia onde me sentar. Ele quando me diz para pegar nas luvas e nas botas para levar para o campo, eu levei. Cruzámos aquele caminho até ao Campo N. 2, que era onde treinávamos e entreguei as luvas e as botas ao Peter Schmeichel. Mas tenho um episódio muito curioso com o Peter Schmeichel, que aconteceu num dos treinos de finalização.

qO Peter Schmeichel não fazia treinos de finalização. Eu adorava voar e adorava os treinos de finalização, mas ele não gostava muito que eu voasse. Dizia que eu só fazia aquilo para as fotografias. Num dos momentos do treino, mandou-me sair da baliza e meteu o filho no meu lugar.

Beto, antigo jogador de futebol

zz: Queremos que nos conte a história.

B: O Kasper Schmeichel, filho dele, estava sentado junto a uma rede a ver o nosso treino de finalização. O Peter Schmeichel não fazia treinos de finalização, porque era preciso atirar muitas vezes para o chão e ele não queria atirar-se para o chão e mandava-me ir para a baliza. Eu adorava voar e adorava os treinos de finalização, mas ele não gostava muito que eu voasse. Dizia que eu só fazia aquilo para as fotografias. Num dos momentos do treino, mandou-me sair da baliza e meteu o filho no meu lugar. Sentou-me na rede para eu ver o treino.

zz: O que sentiu?

B: Senti, em primeiro lugar, muito privilégio por estar a treinar ali, mas depois dele me ter tirado da baliza senti que a qualquer momento podia perder aquilo. Também por aquele momento, aprendi a dar muito valor a todas as oportunidades que tive.

zz: Mas acredito que naquela altura um jovem entre os 17 e os 18 anos não tenha gostado de sentir aquela sensação…

B: Ele estava a ensinar-me, mas a forma de ensino de antigamente é uma forma de ensino muito diferente da que existe agora. Nos dias de hoje a comunicação é muito mais positiva.

ZZ: Nos dias de hoje, um guarda-redes questionaria a situação.

B: Certo, mas na altura respeitávamos. Havia a questão hierárquica, era o mais velho, era titular, pedia-me para levar as luvas e as botas e nós fazíamos, por uma questão hierárquica e uma questão de respeito. Eu nunca senti qualquer problema em levar as luvas do Peter Schmeichel para o treino, não sentia que era uma vergonha, ou humilhação. Sentia que era uma forma do Peter Schmeichel mostrar que eu tinha de dar valor por estar ali. Ser guarda-redes do Sporting, na altura, tinha de ser motivo de muito orgulho e muito privilégio, para mim e não uma coisa banal.

zz: E nunca houve uma oportunidade…

B: Certo, eu fui ao Casa Pia e regressei.

zz: Foi campeão sem jogar.

B: Verdade, com o Laszlo Bölöni. Na prática não sou campeão, porque não joguei nenhum minuto, mas fui o terceiro guarda-redes, apareço nos posters todos, fui para o Marquês… Talvez o treinador tenha achado que eu era demasiado jovem para assumir a baliza do Sporting, aos 18 anos. Mas não tive oportunidade aí, tive 15 anos depois.

zz: Andou emprestado e terminou o contrato com o Sporting.

B: Eu fui emprestado para o Chaves. Nem sei como fui parar a Chaves. Fui sozinho, tinha outros mercados para ser emprestado, nomeadamente da 1ª Divisão, mas as pessoas que estavam no Sporting, na altura, acharam por bem que deveria ir para o Chaves e para a 2ª Liga. Na altura não quiseram que eu fosse emprestado nem para o Belenenses, Académica ou Estrela da Amadora, que estavam na 1ª Divisão e nunca percebi bem porquê. Em Chaves, no capítulo desportivo, foi uma época terrível para mim. Tive uma pessoa no clube que me demonstrou aquilo que não é ser um companheiro de equipa, aquilo que não queria para o futebol. Foi terrível, para mim. É verdade que fiz muitos amigos no GD Chaves, ainda hoje, o Sr. Francisco é uma pessoa por quem tenho uma enorme estima, as pessoas de Chaves são maravilhosas e amo a cidade.

zz: Foi um processo que o obrigou a crescer.

B: Foi uma paulada tão grande, uma lição de humildade. Eu vinha de muitos anos de Sporting, com o roupão personalizado, com o chinelinho, com a sauna, o banho turco… Eu tinha tudo no Sporting, vivi a abertura da Academia… Tinha tudo e de repente fui confrontado com um contexto diferente, sem jogar, sem as mordomias todas que tinha no Sporting, mas serviu para aprender e não facilitar em nada, porque sabia que qualquer passo em falso que desse, poderia hipotecar o meu futuro.

Beto, durante a gravação do programa Ponto Final @zerozero

zz: Deu essa lição de resiliência, mas é nesse período que se perdem grande parte dos jogadores de futebol.

B: Talvez a grande maioria dos atletas, se passasse por aquilo que eu passei, porque não foi apenas em Chaves. Eu terminei o meu contrato com o Sporting, depois de estar emprestado ao Chaves, onde não joguei, e fui para o Marco de Canaveses, para o FC Marco, onde tive uma época desportiva excelente, mas estive nove meses sem receber. Eu tinha todos os ingredientes para abandonar o futebol, ou me perder no futebol.

zz: Nove meses sem receber é muita coisa.

B: Mesmo e eu já tinha muitas responsabilidades. Era a tomada de decisão. Optei que o futebol fosse o meu sustento e de repente o futebol largou-me. Mas continuei a jogar e a fazer o meu caminho, até que o Vítor Oliveira veio ter comigo e desafiou-me a ir para o Leixões. Disse que queria subir o Leixões 20 anos depois à 1ª Liga e que era comigo que iria subir o Leixões.

zz: E conseguiu…

B: Ele disse-me: Vais receber muitas chamadas de muitas equipas da 1ª Liga, porque estás a ter muito rendimento, mas não vais para lado nenhum, vais comigo para o Leixões.

zz: Ele teve razão?

B: Sim. Tive muitas ofertas no final dessa temporada, do SC Braga, da Académica, mas a decisão estava tomada, tinha de ir com o Vítor Oliveira, pois foi a primeira pessoa a acreditar em mim, quando eu estava no Marco.

zz: Mas já conhecia pessoalmente o Vítor Oliveira?

B: Não.

zz: E qual foi o motivo que o fez acreditar no instinto daquele homem?

B: Porque foi ele o primeiro a acreditar em mim, outra vez. Eu sou uma pessoa que valoriza muito as pessoas, sou pessoa de agradecer, sou empático e se aquela pessoa foi a primeira a devolver-me a esperança, quando eu estava em baixo, era com ele que tinha de ir. Eu fui para o Leixões, não pelo Leixões em si, mas porque queria ir com o Vítor Oliveira.

zz: Quando teve propostas do SC Braga e da Académica não ficou tentado?

B: Eu sentei-me com o Vítor Oliveira e o Jesualdo Ferreira à mesma mesa.

zz: O Jesualdo estava no Braga.

B: Certo.

Beto foi chamado pela primeira vez à seleção nacional, quando estava no Leixões @Catarina Morais

zz: Em algum momento pensou que o Leixões seria a melhor opção, pois tinha que trabalhar menos para ser titular?

B: Não, nunca. O meu percurso como guarda-redes demonstra que nunca tive receio de nenhum desafio. Eu vou para o FC Porto com o Helton, vou para o Sporting com o Rui Patrício. Nunca tive problemas em abraçar desafios. Aliás, eu desafiei-me em muitos cenários e em muitos contextos. Eu reforço que fui para o Leixões, porque queria ir com o Vítor Oliveira.

zz: Como foi a conversa com o Jesualdo Ferreira e o Vítor Oliveira?

B: Foi engraçada, porque o Jesualdo dizia que queria que eu fosse para o SC Braga para ser uma excelente opção e competir com o Quim e o Vítor Oliveira diz-me: Ouviste? Para ele vais ser uma excelente opção, para mim, vais ser o guarda-redes. Vais ser o guarda-redes que eu quero para colocar o Leixões novamente na 1ª Divisão, 20 anos depois. Não vás para o SC Braga para seres mais um, vem para o Leixóes comigo para seres o guarda-redes. Aquelas palavras adoçam a tua mente e ajudam a decidir. Embora, na verdade, tenha ido para a reunião já a saber da minha decisão.

zz: E subiu com o Leixões, numa época incrível, e depois ainda fez duas épocas na 1ª Liga. A segunda época é absolutamente histórica, com o sexto lugar e foi nesse caminho que teve a hipótese do Benfica?

B: Há hipótese do Benfica e do FC Porto, mas o Antero Henrique, então dirigente dos dragões, adiou que os azuis-e-brancos fizessem uma proposta por mim, pois a comunicação social estava a falar consecutivamente do tema. A imprensa falava sobre a minha ida para o FC Porto e também sobre uma possível chamada à seleção nacional. O Luiz Felipe Scolari foi questionado sobre o tema e disse: Quanto mais falarem dele, menos ele vem, pois sou eu quem decide a convocatória.

zz: À Felipão.

B: Eu fiquei mais um ano no Leixões e foi no segundo ano que fui convocado à seleção AA de Portugal. A primeira convocatória que tive para a seleção principal de Portugal foi enquanto guarda-redes do Leixões. Para mim, ser convocado, pela mão do Carlos Queiroz, enquanto guarda-redes do Leixões, foi algo quase impensável. Víamos uma lista com jogadores do Manchester United, Real Madrid, Sporting, Benfica e depois aparecia o Leixões. Para mim, foi um feito enorme. Foi aí que o FC Porto fez a oferta, tive também uma proposta do Benfica, depois de os eliminarmos na Taça de Portugal.

zz: Havia aquela teoria que o Jorge Jesus não o queria por ser um guarda-redes baixo.

B: Sim, mas a estrutura do Benfica queria e não foi o Jorge Jesus que falou comigo, foi uma pessoa da direção do clube. Quando tive uma reunião com o meu representante e com o ex-presidente, Pinto da Costa,  do FC Porto acabei por fechar rapidamente, pois ele teve o charme de me convencer a assinar, pelo projeto que me apresentou. As palavras dele convenceram-me a assinar pelo FC Porto.

zz: Já tinha ganho a 2ª Liga pelo Leixões, chega ao FC Porto e ganha tudo no segundo ano. No primeiro ano, foi o ano do túnel.

B: Foi um episódio infeliz. Ficamos sem o Cristian Sapunaru e o Hulk durante muito tempo.

zz: Como viveram esse episódio?

B: Eu vivi esse episódio do túnel da Luz de forma estranha. Em primeiro lugar, não percebi muito bem tudo o que se estava a passar e tudo o que se passou. Fui abalroado pelos seguranças e não percebi bem o que tinha acontecido. Percebi que tinha havido muitos insultos, mas eram trocas de insultos e os jogadores do Benfica deslocavam-se para o seu balneário.

zz: Era o calor do futebol.

B: Havia gravidade pelos insultos, mas não era nada que me assustasse. Mas quando vejo o alvoroço dos seguranças a fazer o cordão, a agarrar jogadores, a começarem a ter atitudes agressivas para com os jogadores do FC Porto, aí vi que era uma coisa muito grave, pois já estávamos a falar de contacto físico. Depois vi alguém saltar, não sei se o Cristian Sapunaru, se o Hulk, embrulhou-se ali muita gente, e houve um momento-chave para mim, que foi quando o Raul Meireles Meireles falou comigo e com o Bruno Alves. Ainda hoje é o dia em que agradeço ao Raul Meireles aquela atitude.

qNo episódio do Túnel da Luz, o Raul Meireles virou-se para mim e para o Bruno Alves e relembrou a importância que tínhamos, por sermos jogadores da seleção nacional

Beto, antigo jogador de futebol

zz: Então?

B: Estávamos os três atrás de uma das colunas e o Raul Meireles, no meio daqueles caos instalado no túnel, foi o único que teve a frieza de nos dizer que erámos jogadores de seleção nacional e que não podíamos estar a fazer aquilo.

zz: Neutralizou o caos.

B: Sim. Colocou-me água fria, bem gelada e percebi que ele tinha razão. Eu não estive envolvido em nada, mas estava no meio da confusão. Empurrões vindos de todos os lados. Mas a voz do Raul Meireles foi a chave, pois nós tínhamos uma responsabilidade, enquanto jogadores de seleção nacional. E depois disso acabámos por ajudar a terminar aquela confusão e tivemos um comportamento exemplar nesse túnel.

zz: A época seguinte foi perfeita?

B: Diria que sim, invicta, ganhámos todos os títulos.

zz: O Beto jogou a final da Taça de Portugal.

B: Sim, ganhámos 6-2 ao Vitória SC, num jogo de loucos, defendi um penálti antes do intervalo…

zz: Mais um…

B: Sim. (risos)

zz: Na época anterior é quando há aquele jogo interminável em Belém?

B: Sim, foram 31 penáltis. Estou nesse jogo. O jogo terminou à uma da manhã, os repórteres de imagem já estavam todos cheios de sono, tal como vocês, jornalistas. Defendi seis grandes penalidades, penso eu. Foi um jogo de loucos.

zz: Na época do André Villas-Boas, quando é que vocês pensaram e viram que estavam a construir algo especial?

B: Desde a pré-temporada que o André Villas-Boas incutiu uma comunicação muito positiva, muito coletiva, numa equipa repleta de egos, de craques… Para mim, foi dos melhores plantéis com quem joguei. Estava repleta de jogadores que queriam jogar e podiam jogar. O André tirava cinco e metia cinco e aquilo funcionava. Ganhávamos e chegávamos a atropelar as equipas… Eram mais de 20 jogadores de luxo. Há aquela história que o Ukra já contou aqui…

zz: Verdade.

B: Dizia que se queríamos andar à porrada, poderíamos andar dentro do ringue. Mas ninguém foi. A agressividade entre nós, era a forma de colocarmos a equipa num patamar competitivo muito superior ao que imaginávamos. Ele colocou uma competitividade tão grande na equipa, que depois, ao domingo, a nossa competitividade contra as outras equipas era avassaladora. As quezílias que existiam durante a semana, eram elos nos dias de jogo. Parecia que não tinha acontecido nada durante a semana.

zz: Mas isso faz parte dos grupos vencedores.

B: Certo. O mérito do André Villas-Boas foi transformar todos aqueles egos numa equipa. Aquela equipa estava tão bem trabalhada que ninguém questionava as decisões.

Beto venceu todos os títulos com o FC Porto em 2010/11 @FC Porto

zz: Mas recorda-se de algum jogo em concreto?

B: O jogo em casa contra o Vitória SC , em que estávamos empatados 0-0 ao intervalo, foi o encontro em que sentimos que erámos verdadeiramente uma equipa. O André nesse jogo sentiu que precisava mesmo de vencer. Não me recordo se mexeu em três jogadores e recordo que não era como agora, ele só podia fazer três substituições. Ele disse que eram aqueles três que iam mudar o jogo e aí percebemos que a azia daqueles que saíram transformou-se numa vitória.

zz: Abrimos a ficha de jogo no zerozero e temos a certeza disso.

B: Vamos a isso.

zz: Contra o Vitória SC está, de facto, 0-0 ao intervalo e fica 2-0, golos de Falcao e Cristián Rodríguez.

B: O Cebola, correto.

zz: Entrou aos 54 minutos o Guarín para o lugar do Belluschi, o Cebola para o lugar do Varela e entrou o Rúben Micael para o lugar do James Rodríguez.

B: Tinha saído gente importante e aquele momento transformou-se em união.

zz: Vamos agora ao jogo da Luz para a Taça de Portugal.

B: Jogo da segunda-mão. Estava 0-0 ao intervalo, 2-0 para o Benfica, que tinha ganho no Dragão. O discurso do André Villas-Boas, juntamente com o presidente Pinto da Costa, numa das poucas vezes em que ele desceu ao balneário.

zz: Queremos acrescentar aqui um dado importante: vocês tinham acabado de ser campeões na Luz, 15 dias antes.

B: Certo. Mas estávamos numa situação deveras difícil, pois estávamos a perder por 2-0 na eliminatória. É então que o presidente Pinto da Costa informa o plantel que vai ao Jamor. Ou seja, ele diz-nos que ia estar no Jamor na final e que nós teríamos 45 minutos para colocar o FC Porto na final do Jamor. Lembro-me das palavras do André que só nos disse: Está tudo dito, temos 45 minutos para esquecer o que fizemos há 15 dias, que foi ser campeões aqui, e voltar a demonstrar porque somos tão dominadores nestes 45 minutos. Lembro-me do Radamel Falcao fazer sprints aos 90, o João Moutinho a dar tudo, mesmo aquilo que já não tinha e vencemos 1-3.

zz: E estiveram a vencer por 0-3. O Cardozo marcou de grande penalidade, já nos minutos finais. 

B: Foi o Cristian Sapunaru que fez a grande penalidade. Esses 45 minutos foram bem demonstrativos do poderio daquela equipa. 

zz: Na época seguinte foi emprestado para o Cluj. Tomou esta decisão, porque queria mais minutos?

B: Sim, queria mais minutos e não queria perder a seleção nacional. Sabia que se estivesse num contexto competitivo e tivesse bom rendimento eu poderia continuar naquele grupo de Portugal. O Jorge Costa ligou-me a dizer que precisava de um guarda-redes para ser campeão na Roménia. Quero que venhas para o Cluj, para ser campeão comigo.

zz: E seguiu viagem…

B: Querendo sair, confesso que a minha prioridade não era ir para a Roménia, mas o Jorge Costa convenceu-me e só o facto do projeto ser ambicioso, haver o desígnio de sermos campeões e poder acrescentar mais títulos ao meu currículo fez com que eu aceitasse o desafio. Segui para a Roménia, fomos campeões, acabei por ser o melhor jogador do ano. Podia ter ido para outros locais e tive várias pessoas a questionarem a minha escolha, mas foi mais um desafio para mim, voltei melhor pessoa, conheci outra cultura.

Beto atingiu o maior sucesso desportivo no Sevilla @Carlos Alberto Costa

zz: Foi a primeira vez que emigrou, mas já sabia o que era ser emigrante dentro do nosso país.

B: Certo. Tinha muitos portugueses lá. O meu grande choque foi quando mudei de Lisboa para Chaves. Se eu já tinha ultrapassado a questão de estar sozinho em Chaves, não ter os meus pais, chorar muitas vezes sozinho, aqui já era um guarda-redes com outra bagagem.

zz: Já era um guarda-redes titulado.

B: Cheguei diferente.

zz: Terminou o Cluj e voltou ao Porto.

B: Sim, regressei ao Porto com a iminência do Helton ser vendido, mas o Helton não foi vendido e foi quando surgiu a hipótese do SC Braga.

zz: E voltou a ganhar mais um título.

B: Sim, mas antes coloquei o SC Braga na Liga dos Campeões.

zz: Numa eliminatória contra a Udinese

B: Defendi um penálti (risos)…

zz: É a sua vida.

B: Eu defendi uma grande penalidade marcada pelo Maicosuel, à Panenka, e coloquei o SC Braga na Liga dos Campeões. Não foi um troféu, aí, mas foi um objetivo muito grande, mas ainda conseguimos vencer a Taça da Liga ao FC Porto.

zz: Sempre a deixar marca.

B: Depois é quando acontece todo o alinhamento dos astros. O Iker Casillas lesionou-se no Real Madrid, eles tiveram de contratar um guarda-redes e foram buscar o Diego López ao Sevilla e o Sevilla teve de ir contratar um guarda-redes para ir jogar a final da Taça do Rei.

zz: Que história…

B: Mesmo. Vieram buscar ao Braga por empréstimo até ao final da época e depois no final da temporada é quando me contratam em definitivo.

zz: Como é que tudo acontece? Como é que o seu nome surge na lista do Sevilla?

B: O Unai Emery, juntamente com o treinador de guarda-redes, o Javi Garcia, tinham feito um trabalho de escolher alternativas para a baliza, mais direcionadas para o ano seguinte. De repente, tiveram de tomar uma decisão e entre quatro ou cinco perfis existia um que reunia os requisitos que eles procuravam: a parte da saída de baliza, boa saída de jogo com os pés, todos eram bons neste aspeto, depois vieram os restantes. Personalidade, carácter, liderança, as opções foram ficando reduzidas e ficou o meu nome. Tinha também a vantagem de chegar e ter de jogar, pois não havia tempo de adaptação. Eu gosto da pressão e sabia que ali ia ter muito isso. O Sevilla é um clube muito difícil, nesse contexto.

zz: A sério?

B: Exigem muito a um guarda-redes do Sevilla. É cultural. Um guarda-redes do Sevilla não tem margem de erro. Foi com o Andrés Palop foi comigo, foi com o Bono, é com o Orjan Nyland, agora… Não há margem de erro. Mas esse aspeto era giro, porque era exigente.

qQuando o meu empresário me disse que havia o interesse do Sevilla eu perguntei se não dava para ir ontem

Beto, antigo jogador de futebol

zz: Dá para crescer.

B: Exato. Quando eu recebo a chamada do meu representante da altura, o António Teixeira, eu digo: Não dá para ir ontem?

zz: São daquelas oportunidades…

B: Eu estava a atravessar uma fase menos boa em Braga. Isto aconteceu depois de um jogo com o Benfica, em Braga, e eu não estive muito bem no jogo. Estava menos confiante e as pessoas começaram a pedir a entrada do Quim para o meu lugar. Era uma fase menos boa e aquilo surgiu no timing perfeito. Cheguei na segunda a Sevilla, fiz exames, treinei, viajei na terça-feira para Madrid e no dia seguinte estava a jogar a meia-final da Taça do Rei, contra o Atlético de Madrid

zz: Uma semana de memória…

B: São aqueles dias em que tu dizes: Sonhei com um momento destes. Eu estava tão feliz e tão bem por estar a atingir aquele patamar que na minha cabeça nem entrava a ideia da pressão. Aliás, entrava no sentido de perceber que o momento era mais importante que qualquer pressão que pudesse sentir. Desfrutei tanto desse jogo, que nem liguei à pressão. Eu não queria saber com quem estava a jogar, só queria viver aquele momento e demonstrar que tinha talento e qualidade para estar ali. 

zz: E teve tempos fabulosos, com três ligas europas. Era um período em que a La Liga tinha os melhores do Mundo.

B: Talvez superior à Premier League, na altura. A nata toda estava ali. Neymar, Luis Suárez, Lionel Messi, Cristiano Ronaldo, Gareth Bale, Luka Modric... Estava tudo.

zz: E Sevilha é uma cidade fantástica.

B: Fabulosa.

zz: Mas deve ser difícil para trabalhar, por ser tão bonita.

B: É difícil para trabalhar, porque as pessoas exigem muito. Quer no Sevilla, quer no Betis. As pessoas são muito exigentes e os jogadores sentem isso. Nós como ganhámos tantas vezes seguidas, elevámos a fasquia. Os jogadores que vieram depois ficaram com o trabalho muito pesado. É verdade que o Sevilla, depois, já ganhou mais duas, mas está a atravessar uma fase muito difícil.

zz: E o Unai Emery, este ano, meteu-se num trabalho enorme, porque vai disputar a Champions League e quem for eliminado não desce para a Liga Europa, como em outras épocas.

B: Sim, é um desafio muito grande para o Unai. Houve uma época que ele colocou essa questão ao grupo, em Sevilla. Se era melhor continuar na Champions League, ou apostar fortíssimo na Liga Europa. É um bocado contrassenso, mas ele teve razão.

zz: Visionário.

B: Quando ganhámos a primeira Liga Europa, no ano a seguir foi quando se decidiu que o vencedor da Liga Europa iria para a Champions League. E fizemos mais duas vezes.

zz: O jogo contra o Benfica, da final da Liga Europa, continua a ser o jogo da sua vida?

B: É verdade que é o jogo que mais me vai marcar para o público. É uma final europeia, decidi nos penáltis, eu tive uma grande protagonismo, durante o jogo também. Além disso, foi contra o Benfica, que é uma das grandes equipas. Portanto, tem um impacto muito grande e é normal as pessoas, quando se recordam de mim, terem essa imagem. Mas eu ganhei muito mais coisas. Ganhei em clubes, ganhei na seleção, mas a tendência das pessoas é associarem-me a um jogo.

zz: Foi muito mediático.

B: Por exemplo, eu fui muito feliz no campeonato do Mundo do Brasil, quando joguei. Para mim, não houve nada superior do que jogar um campeonato do Mundo, com a tua seleção. Mas aquela final europeia, foi sem dúvida um dos pontos mais altos.

BEto levantou quatro Ligas Europa na carreira, três ao serviço do Sevilla @Carlos Alberto Costa

zz: Falou do Campeonato do Mundo do Brasil e como tal temos de trazer aqui o episódio da Flash Interview ao Ronaldo, na final do jogo em Solna, contra a Suécia. Foi o Beto que falou e ninguém viu?

B: 'És o maior do Mundo, c******...' Sim, fui eu.

zz: O que lhe deu para fazer aquilo.

B: Foi no dia do hat-trick, ganhámos 2-3 e ficámos qualificados para o Mundial. Para mim, aquele jogo, foi dos mais brilhantes do Cristiano Ronaldo. Ele tem muitos jogos de grande nível, mas, para mim, aquele jogo é um dos melhores. Ele, literalmente, colocou-nos no campeonato do Mundo. O jogo estava muito difícil e ele foi uma gasosa e explodiu. Por isso, naquela zona de entrevistas rápidas eu tive de dizer aquilo. 

zz: Depois de Sevillha regressas a casa…

B: Verdade, volto ao Sporting pela mão do JJ. São coincidências da vida e particularidades de uma carreira. O futebol é mesmo um T0, onde toda a gente se encontra.

zz: Falaram sobre o episódio que tinha ficado para trás?

B: Claro, eu tinha que falar. Eu sabia que quando chegasse ao Sporting e com o JJ, aquele tema ia ser assunto na empresa e como tal queria falar com ele antes. Eu sabia que o momento não tinha passado de um mind-game. E o JJ respondi: Achas mesmo, olha o guarda-redes que te tornaste. Tu és um grande guarda-redes e por isso estás aqui, mas nesse dia eu tinha de arranjar algum mecanismo para te quebrar o ritmo. Eu sabia que aquilo não era nada pessoal.

zz: E nessa altura muita gente acredita que vai para o Sporting e já está na fase descendente da carreira, mas a verdade é que ainda vai à Turquia, jogar no Goztepe, continua a ser chamado para jogar por Portugal e vence uma Liga das Nações.

B: Eu tinha mercado, quando saí do Sevilla, mas quando surgiu a palavra Sporting, fui buscar às memórias tudo aquilo que tinha passado. Utilizei a meu favor e como motivação.

zz: Era uma espécie de sonho de menino?

B: Sim, sim. Era isso. Eu tinha prometido ao meu pai que iria voltar ao Sporting. Se calhar, não merecia ter sido tratado como fui, quando saí para o Chaves, mas sabia que um dia ia regressar. Quando a palavra Sporting, em 2017, surgiu em cima da mesa, falei com o meu representante e disse que queria ir para o Sporting. Até lhe disse que não queria saber mais nada, nem quanto ia receber. Só sabia que era ali que queria jogar. Eu fui para o Sporting sem saber quanto ia receber. Fiz quatro anos de contrato.

Beto regressou a Portugal, para jogar no Sporting de Jorge Jesus @Global Imagens / Miguel Pereira

zz: Com 34 anos…

B: Não era fácil ter um contrato de quatro anos, com 34 anos de idade. Fiz um contrato assim, mas no fim do primeiro ano pedi ao Sporting para sair, pois queria desafiar-me, novamente.

zz: Não estava confortável com aquele papel.

B: Certo. O Rui Patrício também estava para sair, mas depois não saiu. Depois, erámos os dois guarda-redes e seleção, vamos os dois à Taça das Confederações, mas eu não tinha o papel que eu queria ter. O meu papel era mais de balneário e de liderança. Eu sentia que tinha mais para dar dentro de campo e foi quando falei com o treinador e o presidente para sair. Agradeço tudo ao Sporting, mas naquela altura sentia que ainda tinha muito para dar. Fui para a Turquia.

zz: Goztepe.

B: Era um projeto fora da caixa. Ninguém conhecia, nem eu.

zz: Como surgiu?

B: O meu representante apresentou-me tudo, inclusive a cidade. Juntei tudo, medi as coisas que iria encontrar e consegui. As pessoas ficaram com boas memórias minhas, e era algo que eu queria muito. Tive um rendimento muito alto, fui dos sítios onde mais me senti feliz. Na Turquia fui idolatrado e nem me sentia muito bem com isso. O presidente fez um estádio novo, com mais de 30 mil lugares e o estádio estava sempre lotado. Era quase 5 milhões de habitantes na cidade. A cidade parava por causa do futebol e sempre que eu aparecia era uma autêntica loucura. Não me arrependi da decisão que tomei de ir para o Goztepe. Já passou tanto tempo e ainda tenho uma tarja com a minha cara no estádio do Goztepe. Para mim, é melhor do que qualquer troféu que possa ter ganho. O mais rico que há no futebol é o reconhecimento.

zz: Regressou a Portugal por altura da pandemia: foi por causa disso?

B: Não, não foi por isso. É verdade que o futebol na Turquia sofreu muito por causa da pandemia. Os jogadores que não eram turcos ganhavam em euros e a lira turca disparou para valores quatro vezes mais. Era insustentável para os clubes ter estrangeiros. Eles falaram comigo, chegámos a um acordo. Eu tinha muito mercado na Turquia, mas com outros valores.

zz: E regressa a Portugal.

B: Tive um problema familiar e surge a possibilidade de regressar ao Leixões. Não era o cenário ideal para mim, até porque eu estava pré-convocado para o Euro, mas o Euro foi adiado e só aconteceu em 2021. Eu vou para o Leixões e deixo de ir à seleção, obviamente. Eu tomei a decisão de ir para o Leixões por questões familiares e porque o Vítor Oliveira ia pegar no clube.

zz: Ia ser diretor desportivo.

B: Ia juntar-se o Beto e o Vítor Oliveira, novamente no Leixões.

zz: Era romântico.

B: Sim, tinha qualquer coisa de romântico. Os adeptos estavam de costas voltadas com o clube e comigo e com o Vítor Oliveira voltariam os adeptos, voltaria a credibilidade, voltava a câmara municipal, voltava a acontecer muita coisa no clube. Infelizmente o Vítor Oliveira faleceu, eu continuei a minha palavra e voltei ao Leixões. Jogo seis meses no Leixões, conseguimos o objetivo de manter o Leixões e depois surge uma oportunidade da 1ª Liga, pela mão do Jorge Costa. Novamente, depois de uma chamada.

zz: E voltou a dizer que sim a um amigo.

B: Foi aí que senti, com quase 40 anos, que a 1ª Liga ainda me queria. Será que tinha competência para continuar a jogar na 1ª Liga?

qDepois da época no Farense, pensei que iria ter uma oportunidade melhor, mas não apareceu

Beto, antigo jogador de futebol

zz: E tinha?

B: Sim, penso que tinha. Apesar do Farense não ter conseguido manter-se na 1ª Liga, tive prestações muito boas. E aí achei que iria ter uma oportunidade melhor, tal como disse no início. Mas essa oportunidade não apareceu. E foi aí que o mercado me disse, por sinal, que 40 anos já era suficiente e poderia deixar o futebol.

zz: Foi uma carreira bonita?

B: Muito. Acho que foi muito bonita, foi muito trabalhada, foi uma carreira a pulso. Tomei boas e más decisões, mas olho para trás dou muito valor ao meu percurso. Ganhei muita coisa, mas dou muito valor ao meu percurso, de cair e voltar a levantar.

zz: A vida de um guarda-redes é assim. 

B: Bem apontado.

zz: Quem merece o seu maior agradecimento?

B: Vítor Oliveira. Os meus pais, em primeiro lugar, claro. Porque foram sempre exemplos de superar e resiliência e ajudaram-me a ser o homem que fui. Depois, o Vítor Oliveira, porque quando eu estava em tão maus lençóis, apostou em mim.

zz: E agora o 11 da sua vida.

B: Eu vou-me colocar na baliza, porque dou muito valor ao meu caminho e ao que consegui com o meu trabalho. João Cancelo, a defesa direito, Bruno Alves, Ricardo Carvalho e Pepe são os três centrais. Tenho que meter estes três. Fábio Coentrão a defesa esquerdo. Vou colocar dois médios, que para mim foram os melhores médios com quem joguei. Um deles não tenho dúvidas nenhumas, que é o Manuel Fernandes . Ele foi dos melhores jogadores que eu vi jogar. João Moutinho também entra no meu 11, Raul Meireles. Agora na frente poderia colocar o Nani, ou o Ricardo Quaresma, que mereciam estar aqui, mas só posso colocar 11. Por isso, vou colocar dois avançados, que não são dois avançados. É um médio muito ofensivo e um avançado: o Deco e o Cristiano Ronaldo. Podia estar aqui muita gente, mas escolho estes.

Beto durante a gravação do Ponto Final, no Liga Portugal Experience, no Thinking Football Summit @zerozero


Disponível em: zerozero

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