Bienal de Veneza é oportunidade para repensar pavilhão nacional considera Mónica de Miranda

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A artista e investigadora é uma das três curadoras, em conjunto com Sónia Vaz Borges e Vânia Gala, responsáveis pelo projeto "Greenhouse", escolhido para representar oficialmente Portugal na 60.ª Bienal de Arte de Veneza, que está a decorrer até 24 de novembro na cidade italiana.

A Bienal de Veneza "cria um espaço que facilita o processo criativo porque há um momento de conexão, de interação entre artistas contemporâneos e profissionais de várias proveniências", apontou a criadora numa entrevista por escrito à agência Lusa.

"Esse cruzamento de discursos e práticas pode ter um efeito rizomático na criação de novos espaços discursivos, especialmente nesta edição cujo tema é `Foreigners Everywhere` [`Estrangeiros em todo o lado`, em tradução livre], e que apresenta um vasto conjunto de propostas que desafiam os discursos e práticas de representação hegemónica", sublinhou a curadora.

Para Mónica de Miranda, especialmente com o tema escolhido pelo curador-geral da Bienal de Arte deste ano, o brasileiro Adriano Pedrosa, "é uma ocasião não só para repensar o que se entende por um pavilhão nacional, mas também uma oportunidade para desconstruir e, ao mesmo tempo, alargar o termo `estrangeiro`: afinal, somos todos estrangeiros em todo o lado, seja na forma física, emocional ou intelectual, independentemente do espaço, geográfico ou não, em que vivemos".

O projeto "Greenhouse" - estufa, em português - para a representação oficial portuguesa na Bienal de Veneza visou criar um "jardim crioulo" dentro do Palazzo Franchetti, que inclui uma instalação sonora, esculturas, e uma programação de dança, `workshops`, leituras e eventos participativos.

"Greenhouse" refere-se a "um espaço ecológico de criação e imaginação a partir da relação entre as ideias de ecologia, descolonização, diáspora e migração, com o projeto dividido em quatro ações: Jardim (Instalação, Espaço, Tempo), Arquivo Vivo (Som, Movimento, Performance), Escola (Educação, História, Revolução) e Assembleias (Público, Comunidades e Publicação).

"Com técnicas de contra-plantação baseadas na diversidade de espécies e aromas, os jardins crioulos criam um ecossistema em que as plantas se protegem mutuamente. Isso desafiava não apenas a lógica da monocultura, mas fortalecia também a resiliência do sistema agrícola, tornando-o menos vulnerável a pragas e doenças", apontou a cofundadora do Hangar - Centro de Investigação Artística, em Lisboa.

Para Mónica de Miranda, "face às alterações climáticas atuais, esta questão torna-se central para as lutas pela justiça e pela decolonização: essa resposta surge de um ponto de vista interseccional, ecofeminista, que defende, em linha com [a filósofa e ativista ambiental indiana] Vandana Shiva, que o sistema extrativista e monocultural do capitalismo afeta igualmente o corpo da natureza e os corpos humanos, individuais e coletivos."

A dimensão artística do projeto é complementada por uma dimensão prática e educativa, com colaborações de Sónia Vaz Borges e Vânia Gala, emergindo em processos coletivos de criação, diálogo e interação entre vários artistas, curador e o próprio público.

"Tal como num jardim, onde múltiplos processos e agências se entrelaçam para a sobrevivência e manutenção do ecossistema criado, também a obra de arte ganha vida através dos múltiplos entrelaçamentos entre artistas, investigadores, públicos e, neste caso, os seres vivos que compõem o jardim-instalação", descreveu à Lusa.

As curadoras convidam o público a envolver-se no projeto e a interagir com a obra através de performances, leituras, `workshops`, palestras, ações e práticas agrícolas: "Estamos interessadas em criar uma estética baseada na comunicação, de modo a que a obra em si não seja fechada, que abra espaço para diferentes reflexões. Consideramo-nos responsáveis para com o público no âmbito da narrativa que estamos a apresentar, o que ela revela sobre o mundo, as suas condições sociais e realidades", justificou.

"Continuamos a precisar de libertar o espectador da sua posição passiva para uma posição de possível ação e conhecimento. Neste trabalho coletivo, pensamos no público não só quando fazemos o jardim e a instalação sonora, mas também quando fazemos as escolas e os programas de performance, que envolvem outro nível de interação. O trabalho é interativo e coletivo, por isso é importante compreender estas dinâmicas em si mesmas, colocando o curador, o artista e o académico ao mesmo nível", defende a artista.

Nascida no Porto, em 1976, a criadora portuguesa de origem angolana vive e trabalha atualmente entre Lisboa e Luanda, e tem vindo a desenvolver criações e investigação nas áreas da arqueologia urbana, política, identidade de género, memória e geografias pessoais.

Mónica de Miranda está representada em coleções públicas e privadas como o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, o Arquivo Municipal de Lisboa, o Museu Nacional de Arte Contemporânea e a Fundação Calouste Gulbenkian, e participou, entre outras, na Bienal de Dacar, no Senegal, em 2016, e nos Encontros Fotográficos de Bamako, no Mali, em 2015.

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