"Bombardear é o melhor para mudar o regime em Gaza? Não, faz parte de um processo"

2 meses atrás 63

Em entrevista à Renascença antes de deixar o cargo, o embaixador israelita admite que Kamala Harris será diferente de Joe Biden, cujo legado elogia. Dor Shapira diz que o plano que Trump propôs como Presidente desencadeou vários acordos de paz. Num mandato que coincidiu com o 7 de outubro, o diplomata revela que o desmantelamento do Hamas em Gaza está quase terminado e reconhece novas falhas de defesa no drone houthi que explodiu na última semana em Telavive. O representante israelita comenta ainda a mudança de Governo em Portugal e a ida de Costa para Bruxelas, depois das vozes críticas que se levantaram na comunidade judaica do Porto.

Está de saída de Portugal. Como avalia os seus três anos aqui, ao nível das relações com as diferentes autoridades e com o povo português?

Estou a viver o fim do meu mandato e vou voltar a Israel. Devo dizer que quando aqui cheguei, não sabia muito sobre Portugal e sobre as relações entre Portugal e Israel. Saio daqui a compreender que o potencial para ambos os lados resultante do crescimento das nossas relações é enorme. Penso que estamos a começar a extrair cada vez mais deste potencial e tenho a certeza que estas relações entre os dois países continuarão a crescer, porque os povos português e israelita são semelhantes em tantas e várias maneiras. É por isso que eu e a minha família sentimo-nos realmente em casa aqui, tal como muitos israelitas. Pelo clima, a comida, o ambiente, a natureza das pessoas, se estiver em Telavive, acho que sentirá exatamente o mesmo tipo de sensação de 'casa' que sentimos aqui. É por isso que penso que os israelitas gostam tanto de Portugal e os portugueses - muitos dos que com quem falei - gostam tanto de Israel e estas relações vão continuar a crescer.

Acha que a maioria dos portugueses gosta de Israel?

Sim. Continuo a achar que há duas questões distintas. Em primeiro lugar, trata-se da reação do povo português em relação a Israel e, sem segundo lugar, tem a ver com a pergunta que ainda vai fazer, que é sobre a guerra em si.

Vou começar pela segunda questão, porque fazemos sondagens de vez em quando, sobretudo depois do início da guerra a 7 de Outubro, e vi também sondagens que os media portugueses têm feito desde então. E vemos constantemente que o apoio que Israel recebeu das ruas portuguesas é maior do que o do outro lado. E ainda está muito, muito estável.

Sinto isso em todos os lugares a que vou em Portugal, nas pessoas com quem falo, nos deputados, nos membros do Governo. Sinto o apoio porque penso que há compreensão do lado português de que partilhamos os mesmos valores, de que somos ambos países democráticos que acreditam na liberdade de expressão, na liberdade de direitos para as minorias, para a comunidade LGBT, a todos. E é por isso que somos iguais.

Podemos ter diferenças ou discussões sobre como conduzir algumas áreas das guerras, mas no fundo somos iguais. E é por isso que penso que há um enorme apoio nas ruas em relação a Israel.

Mas mais do que isso, falo com portugueses que vêm visitar Israel e adoram, sentem-se em casa. E falo com empresários portugueses que querem fazer negócios com empresas israelitas, porque entendem que podem ganhar muito com isto, que podem muito da tecnologia e das invenções israelitas, nas áreas da água, indústria, tecnologia médica, cibersegurança, entre tantas outras.

Não reconhece que o ambiente político poderia melhorar esta relação económica equilibrada entre os dois países?

No final de contas, as relações entre pessoas e países são mais fortes do que qualquer sistema político em qualquer país. As relações entre pessoas entre Israel e Portugal são muito, muito fortes e precisaremos de trabalhar para isso, para ser ainda mais forte porque está a aumentar. Não era assim há 20 anos nem há 10 anos. E tenho a certeza que daqui a 10 anos será ainda mais forte.

Qual o montante do investimento do investimento de Israel em Portugal? Provavelmente o setor imobiliário é o que está realmente em plena expansão neste momento.

É muito difícil de acompanhar. Posso dar-lhe alguns números. O comércio entre Israel e Portugal ronda os 500 milhões de dólares, mas isso não é suficiente e está a aumentar e a crescer. As relações comerciais tradicionais entre Israel e Portugal centravam-se na agricultura, e vai continuar porque o devemos manter para que estes negócios continuem a funcionar. Mas em cima disso precisamos de acrescentar a questão da tecnologia.

Vemos isso já a acontecer. Estamos a trabalhar com cidades como Lisboa, Porto e Braga e outras para que mais startups israelitas trabalhem com empresas portuguesas e começamos a vê-las a crescer.

O imobiliário é outra coisa. A maior parte das empresas não são israelitas, podem ser de israelitas Israel que se mudaram para Portugal e aqui abriram empresas, mas isso não é uma empresa israelita.

Ao deixar Lisboa, tem o desejo de ver algum projeto fechado dentro dos investimentos israelitas em Portugal?

Há tantas coisas que não conseguimos fazer. Na semana passada visitei os Açores e há coisas que podemos fazer juntos entre as nossas universidades. Nos Açores têm uma Universidade muito boa que ensina, estuda e investiga a questão da economia azul. Isto é algo que em Israel estamos agora a começar a desenvolver cada vez mais, com mais startups a começar a funcionar. Por isso, precisamos de falar uns com os outros e trabalhar em conjunto.

E temos alguma experiência na questão da tecnologia da água para algumas zonas de Portugal estão a sofrer, especialmente no Alentejo e no Algarve. Podemos partilhar convosco a nossa experiência e os nossos resultados nas empresas que já o fazem.Há muito quue podemos fazer, o potencial é enorme e vamos continuar a investir nisso. Verá que isso vai aparecer nos próximos anos.

Por outro lado há a guerra. Reconhece aqui um desafio de comunicação relativamente ao povo português na sua forma de ver Israel?

Israel não está no topo da agenda do povo português e nas manchetes portuguesas. Posso compreender isso, porque somos um país pequeno no Médio Oriente.

Israel está diariamente nas notícias.

Isso é só agora. Estamos a falar em termos gerais e consigo compreender isso. Mas acho temos uma ligação histórica, mas também emocional, que existe nos últimos 100 anos. Há uma história em Portugal sobre as relações com a comunidade judaica e com Israel. E os israelitas e a comunidade judaica de todo o mundo estão a começar a revelar e a aprender sobre esta história.

Vemos aqui hoje cada vez mais turistas vindos de Israel e da América também para conhecer esta história das comunidades judaicas que existiram e a história judaica de Portugal. E o povo português está a receber esses turistas para partilhar esta história. Não têm vergonha da história, ou melhor, têm vergonha mas não tentam esconder. E por isso verá aqui mais pessoas a vir de Israel e mais pessoas de Portugal a acolhê-los. Isso também ajudará muito nestas relações entre as pessoas e por outro lado, verá que os israelitas também os estão a alojar em Israel.

Tivemos estes processos de dupla cidadania. Sente que Portugal, enquanto país e incluindo os governos, anterior e actual, está a sair-se bem na defesa desta comunidade israelita com ligações ao nosso país? Acha que Portugal fez o suficiente por exemplo em relação aos reféns com cidadania portuguesa?

É uma boa pergunta. Não vou entrar na questão da lei sefardita e em relação à forma como deve ser feita, porque não acho que, como país estrangeiro, tenha de dizer a um país qual a lei que deve ou não deve ter. Não quero Portugal a interferir nas nossas leis a quem damos a nacionalidade.

Mas diria algumas coisas. Em primeiro lugar, uma vez aprovada esta lei, sabemos que hoje temos mais cerca de 50.000 israelitas de nacionalidade portuguesa a viver em Israel. E isso é muito significativo. Esta é provavelmente a razão pela qual as relações entre Israel e Portugal mudaram no último ano. Que mudanças vejo na relação? Não é só porque hoje vai a Israel, diz que é de Portugal e quase toda a gente já cá esteve ou vai fazer-te perguntas. Não é como há 15 anos atrás, quando não sabiam muito sobre Portugal.

A melhor forma para mostrar que tenho razão é ver o que tem acontecido aqui nos últimos anos em relação aos voos diretos. Não tínhamos voos diretos entre Telavive e Portugal e antes da guerra, antes de 7 de outubro, atingimos os 18 voos diretos semanais entre Israel e Portugal, a maior parte para Lisboa, alguns para o Porto, e também era suposto lançarmos novas linhas para a Madeira e os Açores.

18 voos semanais diretos é um número enorme. Somos ambos países de 10 milhões de pessoas e tivemos estes números. Os voos estavam completamente lotados.

E hoje, depois da guerra, os voos estão a voltar devagar. Agora temos cerca de dois voos diários e vamos voltar para os tais 18 e talvez até mais do que isso nos próximos meses. Isto mostra-nos antes de mais o potencial e também que as pessoas de Israel e de Portugal querem ir e visitar-se umas às outras. Eles estão interessados. Querem fazer negócios juntos. Querem visitar os lugares. E acho que o voo direto é a melhor forma de o provar.

A minha pergunta é se Portugal está a fazer o suficiente em relação aos cidadãos israelitas com dupla nacionalidade portuguesa.

Essa é uma pergunta para fazer ao seu embaixador em Telavive, porque é um problema dele. Ele é que tem de lidar com a comunidade portuguesa em Israel.

Estou a perguntar pela sua perspectiva.

Encontrámo-nos numa situação nova para nós e para vocês também. A questão dos reféns colocou também Portugal no triste mapa dos reféns que têm outras nacionalidades. Tivemos cerca de 10 reféns com ligações portuguesas. Por isso tivemos aqui no ano passado quatro delegações de familiares de reféns a visitar Portugal para se reunirem com o vosso governo, os vossos deputados e o vosso Presidente e pedirem- lhes que fizessem o que quer que fosse para os apoiar e apelar à libertação dos seus entes queridos.

Para mim, como Embaixador de Israel, não me interessa qual é a nacionalidade. Todos eles precisam de ser libertados e eu, como representante do Governo de Israel, preciso de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para os libertar, porque eles precisam de ser libertados.

As famílias dos reféns pediram isso ao Governo português. E o Governo israelita também o pede?

Pedimos a todos os governos do mundo que o façam, não apenas ao Governo português, porque queremos ver pressão internacional sobre o Hamas através de alguns outros países que os podem afetar para que apelem à libertação dos reféns. Continuaremos a pressioná-los militarmente, diplomaticamente, mas a comunidade internacional precisa também de ter uma posição muito firme para apelar à libertação dos reféns. Existem 120 reféns que ainda estão em cativeiro. Destes, há 10 com ligação portuguesa neste momento.

Mas registaram algumas mortes de reféns.

Infelizmente.

Estas mortes eram inevitáveis em cada caso naquele território? Não teria sido possível salvá-los?

É uma questão muito difícil de responder porque estamos em guerra. Por cada operação que corre bem - e também vimos nos últimos meses uma operação bem sucedida para libertar três dos reféns - ou sem sucesso, precisamos de as conhecer e investigar. E estamos a fazê-lo para aprender com isso.

Precisamos de fazer tudo o que pudermos para o libertar. Como sabe, existe agora uma sugestão de libertação dos reféns, e também de um cessar-fogo apresentado também pelo Presidente Biden. Nós concordamos com isso e há negociações sobre isso. Espero bem que, também com a ajuda da pressão internacional, o Hamas aceite esses termos, que aquelas 120 pessoas inocentes sejam libertadas e que as coisas possam voltar a ver alguma normalidade e tranquilidade na região.

Alguns reféns com cidadania portuguesa foram libertados. Não vou perguntar detalhes sobre a negociação. Apenas pergunto se é verdade que existiu algum tipo de intervenção portuguesa neste processo.

Não posso comentar sobre isso. Essa é uma questão a colocar ao seu governo.

Mas foi conduzida pelo governo israelita.

Essa é uma questão a colocar ao seu governo. Não me cabe a mim responder.

Além também da relação bilateral, houve uma mudança de governo. Do ponto de vista israelita, a posição portuguesa mudou?

Não vejo qualquer alteração nas relações entre o Governo Português e Israel. Penso que os anterior e o actual governos foram ambos muito claros no seu apoio a Israel no direito de se defender, a pedir a libertação dos reféns e encontrar uma solução para chegar a um cessar-fogo. Ambos os governos o disseram com muita firmeza.

António Costa era o Primeiro-Ministro e agora será o Presidente do Conselho Europeu. Foram escritos alguns artigos sobre António Costa, com críticas de alguma parte da comunidade judaica em Portugal. Tem alguma queixa sobre a personalidade de António Costa?

O que foi publicado há algumas semanas por alguns elementos da comunidade judaica no Porto é completamente ridículo. Não vejo qualquer tipo de comportamento antissemita por parte dele. Exatamente o contrário, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, foi um grande amigo da comunidade judaica. Como Primeiro-Ministro, também o seu apoio a Israel depois do 7 de Outubro foi muito bem notado. Por isso não defendo essas [afirmações] ridículas.

O que Israel espera dele como Presidente do Conselho Europeu?

A primeira coisa que esperamos de qualquer organização internacional é ser justa. Vemos hoje cada vez mais comportamentos e julgamentos injustos face a Israel nestas organizações internacionais.

A segunda coisa é garantir que a União Europeia (UE) está ao lado de Israel como deve estar, porque estamos do mesmo lado e pela compreensão de que Israel está a travar uma guerra contra o terrorismo, que é a mesma guerra que qualquer país da UE em qualquer país ocidental, democrático do mundo livre trava. Esperamos que nos apoiem quando se trata disso.

E a terceira coisa é continuar as boas e importantes relações que Israel tem com a UE.

A Presidente da Comissão Europeia foi muito veemente no apoio a Israel desde o primeiro minuto desta guerra. Mas António Costa e anteriormente Charles Michel vêm de famílias políticas europeias diferentes. Espera que Costa mantenha a postura, por exemplo, da senhora Von der Leyen em relação ao assunto?

Pela pequena experiência que tenho com ele, espero que ele seja apenas António Costa e não aceite nenhum exemplo do senhor Michel ou da senhora Von der Leyen.

Para si, quem é António Costa?

É uma pessoa decente que vai chegar ao seu trabalho, e se me pergunta sobre a reação dele a Israel, ele compreende a importância das relações com Israel em tempo de paz e em tempo de guerra. E espero que continue a seguir essa que será a linha da UE, como deve ser.

Mas durante o seu mandato como Primeiro-Ministro, Costa também sublinhou a importância da resposta proporcional de Israel em Gaza.

Sim. Mas a guerra em Gaza, do nosso ponto de vista, é muito proporcional, e , como já disse anteriormente, pode acabar em 5 minutos. A pressão não tem de estar sobre Israel, tem de estar do outro lado.

Temos três objetivos para acabar com esta guerra. A primeira é garantir que o Hamas deixará de ter as suas capacidades e que não estará lá como governo do povo palestiniano. A segunda coisa é trazer de volta a segurança ao povo de Israel, para que possa voltar a viver nas suas casas. Temos quase 150.000 israelitas que tiveram que sair das suas casas no dia 7 de Outubro e, quase 10 meses depois, ainda não regressaram porque não é seguro. E a terceira coisa é libertar os 120 reféns.

Assim que estas três exigências sejam cumpridas - e estamos a alcançar estes três objetivos - esta guerra acabará.

Falando do terceiro fator, sobre os reféns, existem manifestações semanais ou mesmo diárias em Israel das famílias. Há muitas críticas sobre a forma como Israel conduz estas operações.

Quer que peça desculpa por Israel ser um país democrático? Eu nunca o farei. Estou muito orgulhoso por Israel ser um país e um povo democráticos, que vai para a rua e manifesta-se.

Em assuntos como os reféns, é muito compreensível que as famílias se manifestem por isso e também por outras razões. E sim, há divergências na sociedade israelita sobre a forma como o governo deve lidar com este acordo sobre os reféns. Mas, no final de contas, como já disse anteriormente, somos um país democrático. As pessoas podem manifestar-se, mas há também um governo que precisa de decidir e que toma a decisão e esperamos encontrar a melhor solução.

Quanto ao primeiro factor, estão perto do objetivo de desmantelamento do Hamas?

Não estamos longe. Não é uma tarefa fácil, porque não é apenas militar. Militarmente não estamos longe disso, mas também é uma questão ideológica.

E possível desmantelar o Hamas?

Penso que é possível, mas é um processo. Tem de ser por etapas. E não podemos fazer isto sozinhos. Assim que atingirmos os objectivos da guerra, teremos de trabalhar em conjunto. Israel não quer ficar na Faixa de Gaza. Se alguém pensa que queremos governar a Faixa de Gaza, está completamente enganado.

A Faixa de Gaza está destruída.

A Faixa de Gaza não está destruída.

Não está destruída?

Não está destruída. E ainda há 2 milhões de pessoas a viver lá.

Em condições muito duras, compreende isso?

E é por isso que precisa de ser reconstruído, tudo bem. O povo palestiniano permanecerá lá, mas precisamos de trabalhar em conjunto com a comunidade internacional para garantir que o povo palestiniano em Gaza terá lá o governo certo, um governo que acredite, antes de mais nada, nas necessidades do povo palestiniano e não na violência. Um governo que acredite que irá tratar, por exemplo, de toda a assistência humanitária da forma correta e não numa lógica de reféns. E um governo que acredite que os palestinianos e os israelitas devem viver lado a lado e não encorajar o incitamento a todo o momento.

Está a pedir uma mudança de regime em Gaza.

Haverá uma mudança de regime em Gaza.

Acha que o bombardeamento é a melhor forma de mudar um regime?

Se eu acho que bombardear é o melhor caminho? Não, acho que é um processo. O bombardeamento e tudo isto é um processo, passo a passo. O primeiro passo é acabar com a atividade militar do Hamas e é isso que este bombardeamento a que se refere está a fazer, para o derrubar. Não é contra o povo palestiniano. Não é contra Gaza, é contra os terroristas do Hamas.

Muitas pessoas duvidam que seja suficientemente eficaz para derrubar e desmantelar uma organização como o Hamas.

Eu encorajo e convido essas pessoas a virem explicar-me e provar-me, através da História, se existe uma forma melhor de o fazer. Não conheço nenhuma forma melhor. Foi esta a forma de vencer e derrotar o ISIS. Esta foi a forma de derrotar o nazismo e esta é a forma de derrotar qualquer organização terrorista.

Está a pedir bombardeamentos. Está a dizer que bombardear é a melhor maneira de o fazer?

Não, estou a pedir para derrubar o militante do Hamas, derrubar o terrorista. É assim que se faz e esse é o primeiro passo. O segundo passo é construir o governo certo para o povo palestiniano, como disse antes.

Quão perto estão do primeiro passo? Tem uma percentagem do quanto desmantelaram a organização do Hamas?

Sim, quase mais de 80%. Estamos a falar do último quartel principal do Hamas, que está na área de Rafah, onde sabíamos que ainda lá estavam 4 batalhões. E por isso fomos a esta operação em Rafah. Acho que estamos a caminhar pelo menos para o primeiro passo que referi antes.

Em segundo lugar, a mudança de governo. Que voto na matéria tem Israel tem? Não cabe aos palestinianos terem o seu próprio governo? Não são livres para entender qual é a melhor solução?

Sim. Mas no processo democrático, como sabe e como aprendemos com a História, deveriam existir algumas regras. Hitler também foi escolhido pelo processo democrático. Ainda assim, deveriam existir algumas regras para garantir que alguém como Hitler não será novamente escolhido como chefe de um país. E também para o Hamas.

Pode dizer-se que foram escolhidos democraticamente em 2005, quando assumiram o controlo da Faixa de Gaza. Mas desde então, como sabe, nunca mais houve eleições em Gaza durante quase 20 anos e mataram todas as pessoas da Autoridade Palestiniana para garantir que não teriam qualquer adversário.

É difícil fazer eleições no meio dos escombros.

Estou a falar desde 2005.

E agora neste momento?

Agora não, não estou a falar sobre eleições agora. Em primeiro lugar, certifiquemo-nos de que o Hamas está fora de cena, depois trabalhemos em conjunto com a comunidade internacional, juntamente com o Egipto, com a Arábia Saudita, a ONU e os EUA, todos, para ter alguém a governar em Gaza para ajudar a reconstruir o lugar e a confiança do povo. E depois podemos começar a pensar nos próximos passos para termos um governo melhor e eleições.

Quando falamos em eleições, Israel aponta ao contexto democrático da Autoridade Palestiniana, dizendo que não têm eleições há muito tempo. E quando falamos com as pessoas em Ramallah, elas dizem que é impossível realizar eleições devido à impossibilidade de fazer os recenseamentos adequados, não só para a situação de Gaza, mas também por exemplo em Jerusalém Oriental.

Poderia Israel ajudar a Autoridade Palestiniana a realizar eleições, permitindo recenseamentos, aplicando os regulamentos adequados, de forma a aliviar a situação para que se realizem eleições?

Sejamos honestos, A Autoridade Palestiniana não foi a eleições há quase 20 anos, porque sabia que se fossem a eleições, seria um risco para eles o Hamas poder assumir o poder também na Cisjordânia. E se tivessem tomado também a Cisjordânia, isso seria o fim da Palestina.

Dessa forma está a reconhecer que o Hamas é uma organização política muito forte na Palestina.

Porque a Autoridade Palestiniana, durante os últimos quase 40 anos, não prometeu qualquer futuro ao povo palestiniano. Era um governo corrupto, que estava sempre a percorrer o mundo a falar sobre como deveriam processar Israel nos tribunais internacionais em vez de ajudar o povo palestiniano.

Em vez de lhes prometer no futuro, apoiavam as famílias palestinianas terroristas, apoiavam o incitamento nos livros de estudo dos professores. Em vez de trabalhar com Israel num futuro melhor para os israelitas e palestinianos, Abu Mazen [Mahmoud Abbas] que tem sido o líder lá quase desde sempre, opôs-se sempre a vir à mesa das negociações, a sentar-se e discutir com os israelitas o futuro.

Recordo que em 2000 e em 2007 ele rejeitou por duas vezes uma oferta que estava em cima da mesa para resolver o conflito israelo- palestiniano. Esta é a Autoridade Palestiniana, por isso não posso culpar o povo palestiniano por estar muito frustrado. Espero que haja uma nova geração que surja na Palestina para o povo palestiniano, que seja capaz de governar a Palestina com futuro, com esperança, com a compreensão de que Israel estará lá. Portanto, precisamos de nos sentar juntos e resolver entre nós este conflito. Não através da ONU e do TPI, da UE ou de outros, mas com israelitas e palestinianos sentados juntos, à mesa das negociações e a resolver o conflito.

Voltando ao Hamas, o objetivo é desmantelar a operação em Gaza, mas eles existem no exílio. O que vão fazer em relação a isso? Vão matar os mentores que estão fora de Gaza?

Essa é uma questão que deixo para os Conselhos [de Ministros ou Militares], mas a maioria dos militantes do Hamas, dos terroristas e arquiterroristas estão na Faixa de Gaza. Sinuar, o chefe do ramo militar do Hamas e a mente por trás do ataque terrorista de 7 de outubro, está na Faixa de Gaza. E Muhammad Deif, o chefe do Estado-Maior do Hamas, também por detrás do 7 de Outubro, estava em Gaza, mas nós abatemo-lo há uma semana.

Quando o Hamas em Gaza for derrotado, isso afetará também aqueles que estão fora de Gaza. Esse é outro pedido ao tribunal internacional. Esta é uma organização terrorista e certifiquem-se de que os sancionam. Não os deixem viajar pelo mundo. Não os deixem comportarem-se assim. São criminosos e deveriam ser tratados como tal.

E já agora, isto também está de acordo com a definição de Portugal, também os classifica como uma organização terrorista. Por isso, todos precisamos de tratá-los como terroristas. Deveriam ficar sentados nas suas casas e não sair de lá para sempre, porque um dia se o fizerem ou irão para a cadeia ou para o céu - ou para o inferno.

Israel sustenta que o Hamas, o Hezbollah e assim por diante são comandados pelo Irão. Essa é a posição israelita. Agora há uma mudança com um novo presidente que alguns analistas dizem ser um reformista. O que espera Israel deste presidente na arquitetura de poder iraniana?

Não vejo uma mudança real no Irão. Espero que haja uma mudança no Irão, porque tem pessoas muito boas, cidadãos que lá vivem e que compreendem que também têm sido feitos reféns pelos ayatollahs. Mas, neste momento, a mudança de presidente não muda o regime e a sua ambição do regime de criar o caos em todo o mundo. Quando olhamos para o mundo, o Irão está envolvido em tudo o que há de mau que acontece em todo o mundo. Estão envolvidos em organizações terroristas e atividades terroristas na América Latina, na Europa e, claro, no Médio Oriente.

Estão envolvidos na guerra entre a Rússia e a Ucrânia, ajudando a Rússia. E estão envolvidos na nossa região, financeiramente, militarmente e comandando também o Hezbollah no norte, o Hamas e a Jihad Islâmica, as tropas iranianas dentro da Síria e também os Houthis no Iémen, que se estão a tornar num enorme problema para todos nós, afetando as rotas dos navios que vão para ali.

Na última vez que esteve aqui, logo após 7 de outubro, perguntei-lhe sobre a fronteira do Líbano e isso e respondeu-me que estavam prontos para se defenderem em tantas frentes quantas as necessárias. Observamos alguns ataques do lado libanês, mas juntando as críticas sobre as falhas de segurança a 7 de outubro, descobrimos que um simples drone pode atacar Telavive, vindo de muito longe, dos Houthis. Não é preocupante que existam alguns desafios em termos de defesa de Israel?

Sim, especificamente aquele drone ainda está a ser investigado pela nossa Força Aérea. Houve alguma falha técnica que está a ser verificada na área de proteção de Israel face a este tipo de ameaça, e isso será revisto.

Mas nos últimos nove meses, Israel foi atacado pelos houthis com mais de 200 drones e mísseis balísticos e recordo também a noite em que o Irão decidiu atacar Israel com mais de 350 drones e mísseis balísticos do Irão.

E houve aí um alerta precoce.

É isso que estou a dizer. Os nossos sistemas para nos proteger deste tipo de ataques estão a funcionar muito bem. Portanto, neste exemplo específico que referiu, houve ali alguma falha, algum erro que terá de ser investigado para ver o que se passou ali. Não funcionou como funcionou em tempos anteriores.

Posso então reformular a minha pergunta de outubro: está Israel realmente preparado para se defender de todos estes tipos de frente?

Já estamos a fazer isso. Como puderam ver, há uma guerra no Norte, há uma guerra no Sul, há uma guerra com os Houthis.

Nós não queremos. Estamos a tentar fazer o que estiver ao nosso alcance para evitar estas guerras, não porque não possamos lutar, mas porque preferimos encontrar soluções diplomáticas para este tipo de guerras e não queremos ser arrastados para este tipo de guerras. Mas, uma vez que nos estão a atacar, e não nos dão outras opções, sabemos como reagir para que estejam certos de terão de pensar duas vezes antes de nos atacar.

E acho que o que viram no sábado passado é exatamente aquela mensagem que foi enviada aos Huthis.

Para além dos Houthis, estão à espera que a frente libanesa aumente a atividade, enquanto, como nos diz, estão quase a cumprir a vossa missão em Gaza?

Espero que não. E estamos a tentar, como disse antes, evitá-lo há muito tempo, mas poderemos chegar a um ponto em que o Hezbollah não nos dará outra opção, porque todos os dias há ataques vindos do Líbano em direção ao norte de Israel. A razão pela qual não se ouve falar muito sobre isto é porque evacuamos a maioria das casas e porque temos uma defesa muito boa.

Mas isto não pode durar para sempre e estamos novamente a tentar, através dos canais diplomáticos, garantir que o Hezbollah regressa à resolução 1701 das Nações Unidas e se desloque para a margem norte do rio Litani. E se isso não acontecer e esses ataques continuarem, estaremos lá para nos defendermos. Não teremos outro 7 de Outubro vindo do Norte.

Depois da tragédia do Holocausto, o direito internacional foi muito importante para Israel e para os tribunais internacionais. Têm agora uma decisão, que não é vinculativa, do Tribunal Internacional de Justiça sobre o fim da ocupação dos territórios palestinianos assim que possível, de acordo com os juizes.Porque não cumprem isto?

Em primeiro lugar, a recomendação do Tribunal da passada sexta-feira não é uma decisão obrigatória, é apenas uma recomendação.

Digo-lhe já qual é o problema do TPI e do TIJ, porque disse, e bem, que estas organizações foram formadas após o Holocausto. E por uma boa razão, a de estabelecer exatamente o que é correto e é muito nobre. Mas o que lhes aconteceu nos últimos 30 anos é muito lamentável porque tornou estas organizações mais políticas e toda a ideia que estava por trás delas simplesmente desapareceu. Hoje se olharmos para estas organizações, há uma razão pela qual também os EUA não fazem parte do TPI. Tornou um jogo político e Israel é o melhor futebol que se pode jogar neste jogo político.

É a pressão que recebem de todas as organizações internacionais que os rodeiam. O mais ridículo é que o Irão hoje é o presidente do Conselho dos Direitos Humanos, o mesmo país que mata mulheres que não cobrem as suas cabeças.

Portanto não confia nas Nações Unidas?

Não é que não confie. Estou muito desiludido com a forma como é conduzida e é necessário que algo muito importante aconteça para mudar a forma como este sistema está a funcionar. Isto não faz sentido. Mesmo antes da guerra, 75% das resoluções anuais da ONU são contra Israel, um país democrático do Médio Oriente. Isto não em tempo de guerra, em tempos de paz.

Há votações nas Nações Unidas. Não há alguém a ditar, há um sistema de votação.

Sim, mas se a ONU quiser votar uma resolução amanhã sobre Israel dizer que o sol nasce de manhã, a maioria dos países votará contra nós porque na ONU tudo já está estruturado de forma a que tudo estará sempre contra Israel. E isso não faz sentido, algo tem de mudar na forma como este sistema funciona. Espero que isso aconteça em breve porque é ridículo.

Antonio Guterres é da mesma família política de Antonio Costa, é português. Mantém as críticas de Israel sobre a forma como o Secretário-Geral expõe o seu ponto de vista sobre Israel e a situação no terreno?

A minha crítica em relação a António Guterres não é por ser de Portugal ou por ser do PS. A minha principal crítica é porque ele é o Secretário-Geral das Nações Unidas, e espero que se comporte como tal, tendo muito, muito cuidado na forma como ele lida toda a questão da guerra em Israel neste momento. E penso que ele não o fez da forma que eu esperava que o fizesse, e isso foi muito infeliz.

Muitos países e muitas sociedades civis exigem, por exemplo, reconhecimento da Palestina como Estado, que esteve em votação na ONU, e não vemos quaisquer passos que possam levar a este estado final. É mais urgente concluir a situação em Gaza e depois tratar do estatuto final da Palestina?

Ainda sobre a ONU, o dia 7 de Outubro foi o pior ataque terrorista da história moderna, ainda mais do que o 11 de Setembro. Pelos números, proporcionalmente, foi como se acontecessem trinta 11 de Setembro em Israel. E, no entanto, a ONU não aprovou sequer uma resolução que condenasse o Hamas a 7 de Outubro.

Condenam-nos por tudo desde 7 de Outubro, mas não aprovam nem mesmo uma resolução para condenar o Hamas. Comprovámos a existência de assassinatos, violações e raptos de bebés. E não os condenam? Isso é o básico. Isto mostra algo sobre a hipocrisia da ONU e por que razão algo está muito errado na forma como o sistema funciona na ONU.

Em relação ao Estado palestiniano, devo dizer que não consigo compreender a ideia de reconhecer agora um Estado palestiniano. Consigo compreender aqueles países que pensam que devem apoiar um Estado palestiniano.

É um objetivo de longa data.

Sim, mas reconhecer agora o Estado Palestiniano é tão errado, porque não é o momento certo. Como diz, é algo de há muito tempo, mas fazer agora? Não esperar mais uns meses depois de a guerra acabar, não o fazer antes da guerra, mas agora? Fazê-lo é um premio para o Hamas. 'Fizeram o maior e pior ataque terrorista de sempre? Vamos reconhecer o Estado palestiniano!' É o pior momento que poderia imaginar. Portanto, não consigo compreender o momento.

A segunda coisa é a questão de como é que se faz esse reconhecimento. A Espanha reconheceu o Estado Palestiniano. Com todo o respeito, o Estado palestiniano não será decidido em Madrid, não será decidido em Dublin, nem mesmo em Lisboa. Será decidido entre israelitas e palestinianos. A única forma de o conflito israelo-palestiniano terminar é os israelitas e os palestinianos sentarem-se juntos a resolvê-lo. Então, o que é que o ajuda esse reconhecimento? O caminho não é o correcto.

A terceira coisa é o que significa reconhecer agora o Estado Palestiniano por si mesmo. Diz que há uma divisão entre a Cisjordânia, governada pela Autoridade Palestiniana, e Gaza, governada pelo Hamas.

Existem três áreas - A B e C - na Cisjordânia.

Então, qual é o Estado palestiniano? Gaza faz parte do Estado palestiniano. Então reconhece-se a organização Hamas - terrorista pela vossa definição - como chefe de Estado? É o que me está a dizer?

Não estou a dizer nada.

Não, não, não estou a falar especificamente de si. Estou a falar desses países e lembro que Portugal não reconheceu o Estado Palestiniano. As minhas queixas não são para Portugal. Acho que Portugal vai pelo bom caminho.

Mas aqueles que estão a reconhecer, estão a reconhecer o governo de um grupo terrorista que reconhece como um grupo terrorista para estar à frente do Estado. Por conseguinte, não consigo compreender esta ideia de correr a fugir agora para reconhecer o Estado palestiniano. É o momento errado, a forma errada e o parceiro errado.

Finalmente, aguardamos o que acontece nos Estados Unidos. Acha que com a administração Trump o foco em relação a Israel poderia mudar?

Permita-me primeiro reconhecer as ligações e as relações muito fortes que tivemos com o Presidente Biden. Acabou de decidir que se vai retirar depois desta presidência, e acho que é um daqueles cujo coração estava no lugar certo e ao nosso lado ao longo dos anos, desde a década de 70 e, sobretudo nos últimos 10 meses, foi muito apreciado pelos israelitas. Agradeço-lhe muito por isso.

Servi nos EUA, por isso tenho alguma perspetiva. A relação entre Israel e os EUA é muito, muito forte. Não se trata de relações bilaterais entre dois países, antes estão no centro de Israel e no centro da América. As relações entre Israel e os EUA por muitas razões são realmente inquebráveis, não importa quem seja o primeiro-ministro em Israel ou o presidente na América.

A vice-presidente Kamala Harris será diferente do presidente Joe Biden?

Claro que ela será diferente. Toda a gente é diferente. Ela trará alguma coisa dela, ela vai apresentar-se. Mas temos trabalhado com ela também nos últimos 10 anos, antes mesmo de ela se tornar vice-presidente, quando era senadora e quando era procuradora-geral da Califórnia.

Mas não importa se será um presidente democrata ou republicano. Estas relações entre os dois países permanecerão inquebráveis e muito, muito fortes. É completamente diferente do que aprendemos no mundo diplomático sobre as relações bilaterais entre países. É algo muito mais profundo.

Mas a situação é diferente porque Trump já foi presidente anteriormente. E apresentou uma proposta de um plano, chamado ' Paz para a Prosperidade', que não foi muito eficiente. Concorda?

Nao sei se foi eficiente ou não. Sei que no final de contas, trouxe-nos os Acordos de Abraão, os acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos e entre Israel e Marrocos e com o Bahrein. Portanto, não tenho a certeza se não foi muito eficiente. Acho que foi muito eficiente.

Agora o plano dele fala também em acabar com o conflito entre Israel e os palestinianos. É do meu interesse pôr fim ao conflito com os palestinianos. Quero que os meus filhos vivam num país pacífico.

Mas espera uma abordagem diferente de Trump nesta situação se for eleito presidente?

Não sei, temos de esperar que ele venha e ver exatamente onde é que se posiciona. Mas não tenho dúvidas de que, seja ele ou outra pessoa do Partido Democrata, o interesse de Israel estará no topo das suas prioridades.

O nome do Secretário de Estado é muito importante para Israel?

Todos na administração dos EUA, do presidente para baixo, são importantes para nós por causa das relações que temos com a América.

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