Carros alugados, cerveja, quilómetros sem fim pelo andebol: «Estou viciado»

8 meses atrás 93

O EHF Euro 2024 está prestes a começar. Portugal volta a marcar presença entre as 24 seleções qualificadas para a prova que vai decorrer de 10 a 28 de janeiro. Nesse sentido, o zerozero vai apresentar, ao longo dos próximos dias, peças relacionadas com tudo o que envolve a competição.

Existem amores incalculáveis. Aqueles que nos deixam inquietos e por quem fazemos de tudo para conseguirmos estar perto deles. Por vezes, nem sempre é fácil e temos de abdicar de vários aspetos da nossa vida que consideramos fundamentais para o efeito.

Convívio é garantido @D.R.

Família, amigos ou adiar aquele trabalho que tem mesmo de ser entregue no final do mês. O desporto é rico em encontrar pessoas que têm este modo de vida. Por norma, temos milhares de adeptos que acompanham o futebol de forma religiosa, com especial enfoque para os clubes. 

Num país altamente dominado pelo fenómeno da «futebolização», ainda existem exceções à regra, sobretudo no andebol. O protagonista desta história é Jorge Campelos, porta-voz de um grupo de adeptos que vai estar presente na Alemanha a apoiar a seleção portuguesa. «Heróis do Mar, nobre povo...»

Dos veteranos à final da Champions

O ditado é simples e repetido milhares de vezes: «Em cada canto do mundo, temos um português». A experiência pessoal (fora do mundo do desporto) diz-nos isso mesmo. Já viajamos para vários países e a língua portuguesa é inconfundível, aquela que chama à atenção de cada um de nós. Quem nunca esboçou um sorriso ao ouvir palavras que utilizamos no quotidiano?

Jorge Campelos, advogado por conta própria, é um dos responsáveis por esse «fenónemo» de portugueses pelo mundo. Depois de vários anos como jogador de andebol, o bichinho acabou por ficar sempre e nunca largou o antigo pivô, que continua a estar em forma na equipa de veteranos do FC Porto.

@D.R

«Em 2015, juntamente com amigos, decidi fazer a primeira viagem para acompanhar a final four da EHF Champions League. Gostámos muito da experiência, pois são quatro dias de convívio com adeptos de outros países e clubes. Bebemos cerveja, falámos sobre andebol e estivemos inseridos num ambiente bastante animado», explicou, em conversa com o zerozero.

«Já fomos tantas vezes que, neste momento, temos amigos polacos que nos convidam para ir ver os jogos do KS Kielce. Estão sempre lá e criamos uma ligação especial ao longo dos últimos anos.» O diálogo começou de forma promissora, mas pairou uma dúvida: porquê 2015?

«Acima de tudo, foi um conjunto de circunstâncias que ajudou a que isso fosse possível. Os astros alinharam-se! Tinha o desejo de ir assistir a uma final four há bastante tempo. Comecei a conversar com um amigo, que também é um antigo jogador de andebol, para tentarmos viajar. Nesse ano, tínhamos ido disputar o Campeonato Europeu de Veteranos pelo FC Porto Masters e coincidiu irmos para Nice, em França, onde estavam duas funcionárias da EHF, que faziam a ligação com a organização do torneio.»

«Duas austríacas muito simpáticas com quem nos demos logo bem. Certo dia, desabafámos sobre o desejo de ir à final da EHF Champions League e elas disseram: quando acabarem esta prova, mandem-nos um e-mail e tentamos arranjar solução. Fiz exatamente isso e elas indicaram-nos uma forma de comprar bilhetes. Ou seja, o andebol de veteranos permitiu-nos ir assistir à final four [risos]», disse.

«Alugamos um carro e fizemos 100 km para ver um França - Polónia»

A chamada ainda vai no início, mas Jorge fala connosco de forma bastante animada. Apesar da distância física a que as novas tecnologias nos obriga, percebemos que o entusiasmo é notório, sobretudo com as histórias que conta. Perguntamos qual a melhor de todas elas, mas não há uma resposta concreta: existem tantas!

«Acima de tudo, estão relacionadas com conversas amigáveis com pessoas de outros países. Em 2023, por exemplo, estivemos a tomar café com o Talant Dujshebaev, atual treinador do KS Kielce. Numa das noites, descemos do quarto do hotel e ele estava lá com a esposa, pois iam acompanhar os filhos. Metemos conversa e falamos um pouco sobre o KS Kielce», explica.

@D.R

«Nunca mais me esqueço. KS Kielce - Veszprém, a 29 de maio de 2016. Os húngaros estavam a ganhar por uma margem confortável e o meu filho, que estava comigo, disse para irmos embora porque já estava resolvido. Disse que não. Já que pagamos, ficamos até ao fim. Assistimos a uma reviravolta épica!»

Nos primeiros anos, a família de Jorge ainda o acompanhou, mas foi sol de pouca dura... «A minha mulher ia sempre ver os jogos quando eu jogava andebol. Acho que ela só fazia isso para não me deixar ficar mal [risos]. No primeiro ano, ela aproveitou ao máximo, mas em 2016 apenas viajou, pois nem sequer chegou a ir para o pavilhão. Nós íamos para lá ao início da tarde e só saíamos à noite.»

Mas não só de jogos se fazem estas viagens. Conhecer um país novo é sempre uma experiência enriquecedora. Entrar em museus, comer num restaurante típico ou frequentar as maiores praças da cidade. Não faltam opções. «Visitamos as famosas Termas de Széchenyi, em Budapeste. Também demos um saltinho a Auschwitz para conhecer os campos de concentração. No entanto, o nosso objetivo principal é ver todos os jogos [risos]. Tivemos uma situação em que pegamos num carro alugado e fomos ver um França - Polónia em Szeged, que estava a 100km de onde nos encontravámos. É a nossa diversão. Estou viciado.»

«Até brincávamos que estavam 22022 espetadores, sendo que os 22 éramos nós»

Pegar num carro alugado, conhecer museus ou chegar aos sítios com maior encanto. Tudo exige um planeamento. Jorge conta-nos ao pormenor todos os passos. «É tudo simples. Mal sai o sorteio, vejo os pavilhões e vou comprar os bilhetes. Depois, o processo é igual a uma viagem, seja em hotéis ou voos. Tentamos sempre encontrar as melhores soluções, mas isto é um hobbie um bocado caro. Um exemplo: em Munique, vamos estar num hotel perto do centro que custou aproxidamente 500 euros. A viagem custou-nos outros 200 e os bilhetes para os três jogos foram quase 200 euros.»

Estão em todo o lado @D.R

«Uma brincadeira destas nunca custa menos do que 1250 euros, pois também compramos recordações como camisolas e merchandising relativo à competição. É sempre a somar», explicou.

A conversa já vai longa e entre histórias e gargalhadas, chegamos a Munique, onde Portugal começa a caminhada. Jorge vai estar presente e viajará dia 11, na estreia. «A nossa ideia é acompanhar e apoiar. Sou muito amigo do selecionador nacional, pois joguei com ele e conheço-o desde muito novo. No último jogo do FC Porto na EHF Champions League, tivemos oportunidade de estar à conversa e prometi-lhe que, mal chegasse, ia beber uma cerveja ao hotel da seleção [risos].»

«Este ano, temos bilhetes para a claque portuguesa e se nos apurarmos para o Mundial, lá estaremos outra vez. Onde Portugal for, nós vamos. Tentamos fazer um pouco de barulho no pavilhão para dar aquela força extra aos nossos jogadores. Em Budapeste, tivemos num ambiente espetacular e até brincávamos que estavam 22022 espetadores, sendo que os 22 éramos nós [risos]», confidenciou.

A deslocação até à Hungria acabou por ser a primeira experiência ao nível de seleções. «Tínhamos tudo organizado para ir aos Jogos Olímpicos 2020 no Japão [n.d.r adiados para 2021 devido à pandemia]. No entanto, não pudemos ir porque as viagens estavam limitadas às equipas e não permitiram adeptos.» Nem tudo foi para mau para este grupo de amigos: puderam presenciar um sexto lugar histórico, a melhor classificação portuguesa de sempre em Europeus.

qNunca assistimos a uma cena de violência durante todos estes anos

Jorge Campelos, antigo jogador de andebol

A pergunta que fizemos de seguida foi relativamente fácil: de que países gostaram mais? «A Polónia, devido ao convívio. Também ficamos com excelente impressão da Hungria.» E menos? «Não gostamos nada da Suécia, pois é tudo muito frio e o ambiente não é próximo, algo típico de um país nórdico. Nós só nos conseguimos divertir com um nórdico quando ele bebe muito [risos]. Só voltaremos à Alemanha porque o Europeu será lá, se não, não íamos. São antipáticos.»

«Ainda assim, em termos de andebol, nunca assistimos a uma cena de violência durante todos estes anos. É um ambiente saudável, em que as pessoas só vão para apoiar a sua seleção. Eu sei que vou chegar a Munique e posso ir beber tranquilamente uma cerveja com um adepto da Chéquia ou da Grécia. Não tenho quaisquer dúvidas disso», explicou.

«O meu grande desgosto é olhar para os pavilhões portugueses e vê-los vazios»

As experiências são muitas para um grupo que aumenta de ano para ano. Jorge viu uma evolução no apoio. «De 2015 para 2023 notei grandes diferenças em termos de acompanhamento por parte dos adeptos portugueses. Antes, éramos meia dúzia e, hoje em dia, já encontro gente por todo o lado.»

No entanto, o antigo pivô deixou um reparo. «O meu grande desgosto é olhar para os pavilhões portugueses e vê-los vazios, ao contrário da Bundesliga e a Liga ASOBAL. É uma pena e uma situação que nunca vou conseguir compreender.»

Como tem sido habitual, perguntamos um prognóstico: «Acho que vai ser jogo difícil frente à Dinamarca, mas temos todas as condições para ganhar à Grécia e à Chéquia. Na Main Round, a minha esperança é que cheguemos ainda mais longe, mas é preciso sorte e acaba por ser uma lotaria, pois vai depender com quem nos cruzarmos.»

Jorge desligou a chamada. Dentro de poucos dias vão preparar a mala para viajar. De voz afinada e com a camisola portuguesa vestida, apoio não faltará. Alemanha, prepara-te, a armada portuguesa está a chegar.

Portugal

Jorge Campelos

NomeAntónio Jorge Pereira da Silva Campelos

Nascimento/Idade1966-01-26(57 anos)

Nacionalidade

Portugal

Portugal

PosiçãoPivô

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