Casamentos SAD - clube, roturas e o quase VIT SAD: «Empobrece o futebol»

2 meses atrás 64

B SAD, AVS SADo quase VIT SAD. A relação Sociedade anónima desportiva (SAD) - clube nem sempre foi a mais saudável, produtiva e simbiótica. O primeiro grande caso de rotura - e o mais emblemático - foi mesmo o do Belenenses x B SAD, num momento histórico para o futebol português: um clube histórico e campeão nacional ficou sem tapete.

Para prejuízo do clube, o Belenenses foi obrigado a cair para a distrital de Lisboa, enquanto a SAD permaneceu na elite do futebol nacional. Um caso incomum que provocou um tremendo divórcio entre adeptos, desuniu uma massa associativa, criou uma espiral de embaraços/contrariedades e, acima de tudo, levantou uma série de questões.

Poderá um clube/empresa sobreviver na elite? Quem irá apoiar a SAD? Um caso semelhante poderá repetir-se no futuro?

Vitória FC
5 títulos oficiais

A verdade é que a resposta - para as primeiras duas perguntas - não é universal e depende de vários fatores específicos que determinam o sucesso e apoio da respetiva SAD, contudo, a terceira resposta é simples: sim, casos semelhantes podem repetir-se no futuro (e assim aconteceu). 

Depois da quase Cova da Piedade SAD - um projeto novo da antiga B SAD -, surgiu a AVS SAD e pairou no ar a ideia da VIT SAD, que, entretanto, desvaneceu. Não deverá acontecer tão cedo - pelo menos entre Canelas 2010 SAD e Vitória FC -, mas o futuro é deveras imprevisível.

O que é certo é que, segundo o governo português, «cerca de 20 por cento das sociedades desportivas constituídas até hoje foram ou estão a caminho da extinção» e o último prejudicado foi o Vitória FC, que deverá cair para a distrital de Setúbal por incumprimentos da SAD.

Para entender melhor os processos SAD - clube e as fusões/roturas, o nosso portal falou com Diogo Santos Loureiro - advogado associado da PRA - e, para ter uma abordagem mais empírica de quem viveu na pele as guerras internas e os novos projetos, o zerozero convidou João Amorim e Danny Henriques, ex-jogadores de AVS SAD e B SAD respetivamente.

Mas antes, a conversa começou em Joana Simões - ex-atleta do Vitória FC e adepta/sócia do emblema de Setúbal desde pequenina [n.d.r: recorde aqui a história da guardiã de 25 anos] -, que se colocou contra o 'quase VIT SAD' e expôs o estado espírito dos adeptos sadinos.

«Prefiro estar na segunda distrital»

@FPF

«Foi muito tempo a falar de uma possível fusão e não se esclareceu nada. O que se falou, entre adeptos e sócios, era da tal 'VIT SAD' que, numa fase inicial não seria do clube, mas dentro de três anos poderia juntar-se ao Vitória FC para ser a Vitória FC SAD. Vamos ter respostas dia 22, em AG», começou por introduzir ao nosso portal.

«Desde que me lembro, sempre vi o Vitória FC com constantes problemas: ou abalado, ou com dificuldades em subir/manter de divisão. Vivi poucas épocas em que o clube estivesse bem e acaba por ser muito frustrante», anotou.

Ainda assim, apesar do período turbulento e das dificuldades estruturais, Joana afirmou que uma fusão «não seria um alicerce e tampouco um alívio».

Joana Simões
3 títulos oficiais

«Temos de olhar para o passado e, com muito respeito, ver o que aconteceu ao Belenenses. Para mim, tudo o que seja este tipo de fusões, que implique o clube passar a jogar noutro sítio, empobrece o futebol. Prefiro estar na segunda distrital e demorar 10/20 anos a regressar à Primeira Liga, do que ter o clube sem identidade», realçou.

Conformada, a ex-jogadora do Vitória FC indicou os próximos passos que o clube e massa associativa deverão tomar.

«Neste momento, começando na distrital, temos de deixar o passado e deixar de olhar para o Vitória FC de Primeira Liga. Temos de agarrar no clube com a humildade de um clube da distrital e deixar de pensar em guerras, em identificar culpados e haver união», rematou.

«É uma espécie de win-win»

Fusões, roturas, casamentos, traições. Após vários processos distintos - B SAD, AVS SAD ou até mesmo o do Club Football Estrela da Amadora SAD -, Diogo Loureiro explicou que a fusão de empresas ocorre «em qualquer meio» e apontou onde surge a principal «confusão».

«Onde há alguma confusão é quando existe a aquisição por parte de x empresa da maioria da capital social de outra empresa, que são denominados por 'novos investidores'. Eles entram, adquirem a maioria da SAD - às vezes apenas 51 por cento para terem o controlo - e, com isso, colocam capital e investimento externo. Mas isto é uma empresa a tornar-se sócia maioritária de outra empresa», começou por explanar.

Rui Pedro Soares foi o principal protagonista da rutura entre o Belenenses e a SAD @Catarina Morais / Kapta +

Este caso concreto - explicado pelo advogado Diogo Loureiro -, remete para o processo da B SAD, quando a Codecity adquiriu, em 2012, 51 por cento da SAD do Belenenses, num acordo que terminou em litígio, seguindo-se várias ações em tribunal [n.d.r: recorde aqui].

«O 'hipotético VIT SAD', por outro lado, seria semelhante ao do AVS SAD. Não se trata de um procedimento simples, mas é uma espécie de win-win. O Vitória FC, por exemplo, tem infraestruturas, um bom nome - porque é um clube histórico - e as empresas procuram um casamento em que as duas empresas se juntem utilizando parcialmente o nome de uma delas, ainda que seja criada uma empresa nova» continuou.

Assim sendo, o caso AVS SAD e B SAD têm os seus aspetos peculiares e distintos. O AVS SAD, apesar de estar dissociado do extinto CD Aves, que em 2020 viu a sociedade anónima desportiva - vencedora da Taça de Portugal em 2018 -, declarar-se insolvente, fez regressar o futebol profissional à Vila das Aves e chegou a um acordo com o CD Aves 1930, que deixou de ter futebol.

Henrique Sereno, ex-presidente da SAD do AVS e do Vilafranquense, explicou - em 2023 - que «não se trata de uma fusão, mas sim de um acordo com o Aves», num patrocínio que liga ambas as partes pelo menos por mais duas temporadas.

Henrique Sereno impulsionou o projeto da SAD em Vila das Aves @AVS

Diogo Loureiro, neste aspeto, aponta que a SAD de Sereno procurou «tirar o melhor proveito da situação», sendo o caso B SAD bem mais «esdrúxulo» e uma situação que «deveria ser evitada».

«Do ponto de vista regulamentar, não há muito a fazer por parte da Liga ou FPF. Poderá é, no futuro, haver uma alteração para evitar estas situações que acabam por desprestigiar a competição. Enquanto não houver regulamentação, as empresas vão poder fazer isso, porque têm direitos. Aliás, isto é mais uma questão de decisão interna, das próprias SAD's/clubes do que propriamente da Federação», concluiu.

De sublinhar que este processo do AVS SAD - ainda que criado por alegadas questões de cariz estruturais, como apontou Henrique Sereno -, atirou o Vilafranquense para a terceira divisão da AF Lisboa, tendo sido o maior lesado da situação.

B SAD vs AVS SAD

Dentro e fora de campo: duas experiências dissemelhantes. De um lado, estádios vazios, a casa às costas e instabilidade. Do outro, adesão, união, melhoria substancial das condições e sucesso desportivo.

A visão de Danny Henriques - ex-jogador da B SAD entre 2018 e 2022 -, ainda assim, não é totalmente negativa. Inclusive, o defesa central de 26 anos mostrou-se «grato» pelas oportunidades que o clube garantiu. Contudo, a experiência teve particularidades que deixaram marca, pelo que, jogar «com a casa às costas», «sem adeptos» e com constantes críticas «não foi fácil de lidar» para o defesa.

«Fui para a B SAD precisamente no ano que se separaram do Belenenses e nunca cheguei a jogar no Restelo. Comecei nos sub-23 e andámos com a casa às costas durante o período em que joguei. Fui para um sítio onde não tens propriamente uma casa, não tens as tuas próprias coisas...», introduziu ao nosso portal.

«Estás a jogar na Primeira Liga e praticamente não tens adeptos, porque os adeptos foram todos para o Restelo. Em cima disso, jogávamos num estádio muito grande, com pouquíssimas pessoas a apoiar-te e num contexto onde as pessoas e os clubes estão contra ti. Não é fácil», continuou.

Para além das dificuldades estruturais e da falta de apoio, Danny sentiu ainda um clube «pouco respeitado», ao passo que, a grande motivação foi sempre o aspeto desportivo ou, neste caso, o «cumprir de um sonho».

«Sentia que o clube não era respeitado. Ouvia muito as pessoas dizerem que a B SAD não é um clube e que devia descer...  A minha maior motivação foi chegar à equipa principal e ter a oportunidade de jogar no primeiro escalão. Tenho também de agradecer à B SAD por isso. Cumpri um sonho e fiz um trajeto em crescendo, sendo que, na última época - na Primeira Liga - fiz bastantes jogos e foi muito importante por mim», sublinhou.

q Sentia que o clube não era respeitado

Danny Henriques, ex-B SAD

Sem muitos recursos humanos e com histórias para esquecer, a B SAD esteve quatro épocas na Primeira Liga, uma na Segunda e caiu, de imediato, para a segunda divisão distrital da AF Setúbal. Apesar de tudo, Danny Henriques recorda com tristeza a queda do ex-clube e deixou uma nota positiva sobre os funcionários em torno do plantel.

«Não tínhamos muitas pessoas a trabalhar para o clube, mas esforçavam-se imenso e davam conta do recado. Deram sempre o seu melhor e tive sempre a sorte de apanhar grupos bons e pessoas humildes. Vi [a queda para os distritais] acontecer com muita pena minha, mas também sempre pensei que iria ser difícil permanecer muitos anos na Primeira Liga», rematou.

«Mudámos um clube de Lisboa para o norte de Portugal»

@Catarina Morais / Kapta +

Após assumir a SAD do Vilafranquense - em Vila Franca de Xira -, em 2019, Henrique Sereno mudou de Vila e, em 2023, seguiu para Vila das Aves, criando o Aves SAD. A mudança, como expectável, foi polémica e esteve longe de ser unânime. De resto, a mesma SAD decidiu «adotar» um novo clube a mais de 300 km - cenário que se poderia assemelhar ao hipotético acordo entre Vitória FC e Canelas.

Para João Amorim - jogador que viveu na pele a transição - a mudança de 'Vilas' acabou por ser positiva, num processo catapultado pela «ausência de condições».

«A realidade é que não tínhamos condições de trabalho em Vila Franca de Xira. Treinávamos num campo em que, resultado da qualidade da relva era quase impossível de treinar/praticar um bom futebol. Não se justificava aquelas condições para uma equipa da Segunda Liga. Tínhamos, em cima disso, a desvantagem de jogar a 50km de Vila Franca, ou seja, os adeptos não acompanhavam a equipa», referiu.

«No entanto, a partir do momento em que nos mudamos para Vila das Aves, tudo mudou. Nos primeiros seis meses fizemos um grande sacrifício, uma vez que ainda não tínhamos campo de treinos e treinámos em vários terrenos diferentes, contudo, assim que o complexo ficou pronto, começámos a ter as condições que todos pretendíamos. Fizeram ainda várias melhorias. Desde os balneários, à zona dos ginásios, o AVS fez obras de reestruturação e melhoria das instalações, inclusive fizeram quartos individuais, onde ficávamos lá a descansar antes dos jogos», esclareceu.

Uma mudança que, para além das renovadas condições, teve ainda um fator extra de interesse para João Amorim: os adeptos. Apoio não faltou ao AVS SAD e o médio de 32 anos, como confessa ao nosso portal, não ficou surpreendido.

«Não tenho dúvidas que o facto de termos ido para o norte, numa Vila que esteve habituada a ter um clube na Primeira Liga, foi um fator muito bom para nós. Mas não me surpreendeu nada a forma positiva como os adeptos nos receberam na sua Vila. Já tinha jogado no antigo CD Aves e tinha sempre bastantes pessoas a assistir aos jogos, nomeadamente nas partidas fora de casa.»

«O projeto do AVS é bastante sério e esta subida vai dar mais força para as pessoas continuarem. De uma coisa não tenho dúvidas: já joguei muitos anos na Segunda Liga e as SAD's vieram ajudar muito... muito mesmo esta divisão. A nível de ordenados, hoje em dia está muito melhor», apontou.

q Já joguei muitos anos na Segunda Liga e as SAD's vieram ajudar muito

João Amorim, ex-AVS SAD

Mesmo não sendo o «Aves antigo», o médio luso atirou que as «diferenças foram poucas do CD Aves para o AVS SAD», referindo que «encontrou muitas pessoas da primeira passagem». Apesar da mudança repentina de localizalão, o AVS 'tomou conta' de Vila das Aves e escreveu história em 23-24, época que ficará ligada à primeira ascensão ao primeiro escalão.

«Cumprimos as expectativas - que era subir de divisão - e, tendo em conta que foi criado um clube novo, numa cidade diferente... conseguimos um feito histórico. Mudámos um clube de Lisboa para o norte de Portugal», concluiu.

Ler artigo completo