Cenário de incerteza e tensão até à oficialização dos resultados diz analista

2 horas atrás 18

"Mesmo que as autoridades possam controlar os protestos nas ruas, as vozes de contestação deverão persistir, visto que na verdade os moçambicanos reclamam o custo de vida e não a vitória ou derrota de um ou doutro partido", acrescentou Alberto da Cruz, contactado telefonicamente pela Lusa a partir de Lisboa.

O analista referiu que as eleições em Moçambique têm sido caracterizadas por conflitos pós-eleitorais, e a votação de 09 de outubro não foi exceção.

"Venâncio Mondlane, o segundo candidato (presidencial) mais votado, alega que os resultados não refletem a verdadeira vontade popular, levando a protestos e polarização social. Embora a oposição tenha impugnado, segundo o anunciado na quinta-feira pela Comissão Nacional de eleições (CNE), apenas 15% dos resultados, o que torna improvável que isso mude significativamente o desfecho eleitoral", considerou.

A CNE moçambicana anunciou quinta-feira a vitória de Daniel Chapo, apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) na eleição a Presidente da República de 09 de outubro, com 70,67% dos votos, resultados que ainda carecem da validação do Conselho Constitucional.

Venâncio Mondlane, apoiado pelo Partido Optimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos, extraparlamentar), ficou em segundo lugar, com 20,32%, totalizando 1.412.517 votos.

Na terceira posição da eleição presidencial ficou Ossufo Momade, presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), até agora maior partido da oposição, com 403.591 votos (5,81%), seguido de Lutero Simango, presidente do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), com 223.066 votos (3,21%).

Segundo os resultados do apuramento geral das eleições de 09 de outubro, anunciados pelo presidente da CNE, Carlos Matsinhe, em Maputo, Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frelimo, venceu com mais de 50% dos votos em todos os círculos eleitorais do país, somando no total 4.912.762 votos.

Alberto da Cruz destacou, por outro lado, que a votação alcançada pela Frelimo e o seu candidato coincide com uma "crescente contestação à governação da última década".

O analista citou as "perceções de declínio nas condições de vida, como indicado pelo Afrobarometer, onde mais de 70% dos moçambicanos acreditam que a sua vida piorou nos últimos anos".

"O que abre espaço para uma investigação profunda sobre como a Frelimo consegue engajar o seu eleitorado", frisou.

A tradicional formação política opositora da Frelimo, a Renamo, ficou nestas eleições em terceiro lugar e o seu líder e candidato presidencial teve os piores resultados eleitorais de sempre.

"A performance eleitoral da Renamo, que atingiu os piores resultados de sempre, revela muito mais do que uma simples queda de popularidade. Desde o seu surpreendente arranque nas eleições de 1994, este partido tinha construído uma base sólida, contrariando as expectativas iniciais. No entanto, o seu declínio desde o pico em 1999, quando alcançou 117 assentos, culminou agora num colapso evidente, com apenas 21 deputados eleitos, e relegada ao terceiro plano no xadrez politico moçambicano", salientou.

Alberto da Cruz contextualizou o "desaire eleitoral" da Renamo.

"Não se pode ignorar o impacto da emergência do Podemos, um partido nascido das fileiras de dissidentes da Frelimo, cujo nome ganhou tração a suporte da suposta candidatura de Samora Machel Jr. Embora ainda pouco se saiba sobre a ideologia do Podemos ou a capacidade dos seus membros, incluindo os que irão para o parlamento, a verdade é que a sua ascensão adicionou uma nova camada de incerteza ao xadrez político moçambicano", defendeu.

"É cedo para prever o papel que este partido poderá desempenhar nos próximos cinco anos, [...] mas o seu surgimento aponta para uma reconfiguração das dinâmicas da oposição, passando esta assumir o segundo lugar", acrescentou.

Dessa forma, Alberto da Cruz acredita que Moçambique "enfrenta uma maior fragmentação política" porque "a oposição estará diluída, sem uma expressão clara de força que se possa opor eficazmente à Frelimo".

O partido no poder em Moçambique, por sua vez, consolidou o seu domínio, conquistando 195 dos 250 assentos disponíveis, contra 55 do total da oposição, "o que coloca esta numa posição difícil, sendo que será obrigada, curiosamente, a negociar para ter qualquer impacto significativo", disse.

Para Alberto da Cruz, a Renamo "perdeu a capacidade de reinventar".

"A Frelimo continua a dominar o cenário político, e a oposição, fragmentada, está num momento crítico. A entrada do Podemos poderá, eventualmente, marcar uma nova fase na política moçambicana, mas é ainda cedo para determinar se será uma força de mudança ou apenas mais um ator de pouca relevância num panorama cada vez mais despolitizado, contexto em que a Frelimo sai fortalecida", concluiu.

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