CEO da Premium Green Mail: “Mercado postal não é liberalizado. Pretende-se que exista um monopólio”

8 meses atrás 62

A responsável da PGM, um dos operadores do sector postal, defende que o mercado português não é livre, como a lei europeia manda. Para Ana Serrabulho, existe uma força para que os CTT continuem a dominar este mercado.

As notícias de que o Governo mandou a Parpública comprar uma participação nos CTT – Correios de Portugal após a nacionalização caíram como bombas, tanto na sociedade como no principal concorrente do serviço postal, a Premium Green Mail (PGM).

A CEO da PGM, Ana Serrabulho, concedeu uma entrevista ao Jornal Económico para abordar aquelas que considera serem as vantagens que os CTT têm perante os outros players do sector, bem como o monopólio que os correios criaram em Portugal, mesmo após a liberalização do sector postal em 2012.

A PGM considera que os CTT têm vantagem em relação aos outros concorrentes. A União Europeia liberalizou o sector em 2012, mas os CTT detém a maior fatia do mercado. 

A União Europeia tem um objetivo da liberalização do mercado no sector postal há bastantes anos, sendo que em 2012 foi dado o último passo, com o pressuposto de acabar com os regimes de monopólio que, de uma forma geral, existiam transversalmente na Europa e promover a concorrência. Sabendo nós de antemão que, portanto, existindo concorrência o mercado será beneficiado e todos os seus consumidores serão beneficiados.

No que respeita o serviço universal, a PGM surge como operador em 2017 para ser uma alternativa de referência no âmbito do sector universal. São muito poucos os operadores que foram aparecendo e ainda menos aqueles que conseguiram vingar. Porque é um negócio difícil e complexo.

Disse que o sector postal é difícil e complexo. Em que medida?

Sabemos que o negócio da correspondência é maduro, fruto da digitalização da sociedade. Acaba por vir em declínio há bastantes anos, mas, ainda assim, é um negócio que movimenta mais de 500 milhões de euros, sendo que a correspondência, apesar da tendência de declínio natural e inevitável, representa mais de metade dessas receitas.

Neste caso, mais de 90% da quota de mercado do serviço universal é detido pelos CTT. É importante compreendermos, no fundo, a preponderância e relevância do mercado e aquilo que ainda representa a correspondência nos dias de hoje. Portanto, em termos concorrenciais, àquilo que existe no âmbito do serviço universal e em particular a distribuição da correspondência e os CTT.

O que está a diferir entre os CTT e restantes operadores postais?

Em termos práticos, o que temos vindo a observar desde que iniciámos é que existe um conjunto de barreiras, que impedem o desenvolvimento dos operadores.

Uma das primeiras questões é a do IVA no âmbito do serviço universal, que é algo que, a nível de sujeição, a concessionária [CTT] está isenta. Portanto, os demais operadores alternativo, no âmbito da prestação do serviço universal, estão sujeitos à taxa de IVA.

Isto é algo que retira competitividade a que está sujeito à aplicação de IVA. Porquê? Porque acaba por ser um custo que posteriormente acaba por ser aplicado ao cliente. Neste caso, a PGM perde competitividade porque tem de acrescer IVA aos seus serviços.

Fala que operam no serviço universal. Mas quem são os clientes da PGM?

Concorremos no mercado de quantidade, que é basicamente o mercado empresarial.

Estima-se que este mercado represente 60% do valor global do mercado. Deste total, 60% serão mercado público e 40% privados. Portanto, o mercado público é um grande consumidor e cliente do serviço universal.

A componente do mercado público é outra que nos diferencia. São muito poucos, mesmo residuais e inexpressivos, os procedimentos de contratação pública abertos à concorrência.

Num mercado de quantidade, em que 60% seja público, seja por via de ministérios ou municípios, são muitíssimo poucos. Um estudo de 2021 indicava que 2% do valor deste mercado era aberto à concorrência e que tinha oportunidade de apreciar o caderno de encargos, saber os valores envolvidos e apresentar ou não uma proposta.

No fundo, trata-se também de um constrangimento. Quando se pretende uma liberalização de mercado há mais de dez anos, fomentar a concorrência, quando temos uma fatia muitíssimo considerável do mercado, que é público, que não está de todo aberto à concorrência.

E o que dizem os reguladores?

A Autoridade da Concorrência tem tido oportunidade de se pronunciar várias vezes de que seria fundamental a promoção de um procedimento concursal para perceber aquilo que o mercado tem para oferecer e está disposto a oferecer.

Bem como a questão do IVA, que a Autoridade da Concorrência já se manifestou diversas vezes, que diz que esta deve ser equitativa e que os operadores que operam no mesmo mercado possam ter o mesmo ponto de partida para os seus serviços.

Então, neste caso, acham que estão a avançar vários passos atrás da casa de partida?

Naturalmente que temos essa consciência. Quem chega tem que ter a noção de tem todo um caminho para fazer. O nosso projeto foi construído do zero e de raiz.

Apostamos numa estratégia de rede própria e tivemos de implementar toda a estrutura que opera. Não temos subcontratação de serviços nem regimes de franchising de agenciamento. Não é só o investimento necessário, mas a aposta significativa e um esforço muito considerável.

Se, adicionalmente, depois temos todo um conjunto de condicionantes de mercado… Não estamos a falar de beneficiar de algo mais. Estamos só a falar para que existam iguais condições, nomeadamente do ponto de vista fiscal [IVA]. Do ponto de vista dos procedimentos públicos, é importante os concorrentes terem a oportunidade de perceber quais os requisitos e valores, para que possam fazer as suas análises de viabilidade e apresentar, ou não, uma proposta caso existam condições.

Agora, inibir e inviabilizar a possibilidade de qualquer concorrente poder decidir per si fazer um investimento para poder concorrer a um procedimento de contratação pública é algo que não faz sentido no mercado como o que temos aos dias de hoje.

Mas existem outras medidas a ter em conta.

Sim. Existe todo um quadro legal que também tem de ser observado. Há mais de dois anos que temos vindo a reiterar, junto da autoridade reguladora e Autoridade da Concorrência, o quadro legal vigente.

No nosso entender, e no que respeita ao tema da concessão e das obrigações da concessionária, não há nomeadamente dos preços. O serviço universal tem vários princípios subjacentes: transparência, não discriminação entre utilizadores com a mesma tipologia e que sejam idênticos do ponto de vista da descrição.

Já tivemos oportunidade de apresentar denúncias às autoridades e de expor o tema de que os preços propostos nos procedimentos públicos a que temos a oportunidade de concorrer apresentam descontos extraordinários face àquilo que é a tabela de preços pública vigente. Para nós, neste tema, não se coaduna com aquilo que é a legalidade do quadro nacional e do quadro comunitário.

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