Amílcar Falcão, reitor da Universidade de Coimbra, diz que temas como a revisão do regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES) e emprego científico não são fáceis, nem consensuais, mas são fundamentais para o futuro da academia e de Portugal. Aguardam ambos o próximo inquilino do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. “O principal desafio será resolver tudo isto sem que se criem fraturas insanáveis entre os diversos atores, afirma nesta entrevista que integra o ciclo de reflexão que o JE promove este mês.
O Jornal Económico leva esta semana o ciclo de entrevistas-antevisão de 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal ao mais antigo centro do conhecimento do país: a Universidade de Coimbra.
Amílcar Falcão, o reitor, considerado uma das vozes mais independentes da academia, agora no início do seu segundo mandato, antecipa ao JE um 2024 complexo, circunstância agravada pela queda do Governo que pôs em banho maria decisões e trabalho que estava em marcha, como a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES)*. O reitor não usa a palavra, mas subentende-se da sua apreciação que o futuro ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior deverá ter, pelo menos, uma qualidade: ser bom gestor de conflitos. Para a Universidade de Coimbra, Amílcar Falcão tem uma palavra: robustecimento. Robustecimento da investigação, da oferta pedagógica e dos investimentos. Robustecimento cá dentro e lá fora.
O RJIES consagrado no artigo 185.º da Lei n.º 62/2007, é o diploma basilar do ensino Superior, no que toca ao seu funcionamento, à regulamentação, gestão e organização das instituições. Desde que entrou em vigor, em 2007, não foi revisto ou alterado. No início de 2023, Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior nomeou uma uma comissão presidida pelo ex-presidente da A3ES, Alberto Amaral, para avaliar o regime. O processo estava em marcha quando o Governo caiu.
Em linhas gerais, como antecipa 2024 no Ensino Superior e na Ciência em Portugal? Qual o principal desafio?
O ano de 2024 para o Ensino Superior e para Ciência será certamente um período muito complexo. Temas como a revisão do Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior*, emprego científico e avaliação das unidades de investigação são potencialmente geradores de entropia. Com a queda do Governo, a tendência para um aumento de entropia acentua-se. Se já não seriam assuntos fáceis de gerir por quem os iniciou e preparou, mais difícil será que quem vier a governar consiga trabalhar estes temas sem acrescidas dificuldades.
O que perspetiva para o que aí vem após as eleições legislativas?
Caso haja uma política de continuidade, com o processo eleitoral e formação de novo Governo, perde-se, no mínimo, tempo. Caso as opções políticas possam sofrer alguma inflexão, então o dano ainda deverá ser maior. O principal desafio será resolver tudo isto sem que se criem fraturas insanáveis entre os diversos atores, que são muitos e, genericamente, com pontos de vista bastante divergentes. Convergir com sucesso será bastante complicado.
Quais as prioridades da sua instituição para o novo ano?
A Universidade de Coimbra tem de continuar a sua trajetória de robustecimento nacional e internacional enquanto universidade de investigação.
Um desses projetos a que Amílcar Falcão alude é o novo centro de investigação e inovação em terapia génica lançado no início deste mês. O GeneT: Centro de Excelência em Terapia Génica em Portugal vai ser financiado, ao longo de seis anos, com 38 milhões de euros, provenientes de financiamentos europeus e nacionais. Trata-se do primeiro centro de investigação e inovação na área da terapia génica do país que vai dedicar-se às doenças graves e sem tratamento, sobretudo doenças raras, com condições para a realização de ensaios clínicos e produção de medicamentos. Este centro de excelência da Universidade de Coimbra vai colaborar com o Gene Therapy Innovation and Manufacturing Centre, da Universidade de Sheffield (Reino Unido), e com o Finish National Virus Vetor Laboratory, da Universidade da Finlândia Oriental, instituições pioneiras no desenvolvimento de terapia génica.
Este ambicioso novo centro de excelência vai revolucionar a investigação na área da terapia génica em Portugal, ao criar um ecossistema único que junta a investigação, a inovação, e a prática clínica. Será mais um importante passo na afirmação da Universidade de Coimbra como referência mundial da investigação e inovação, designadamente nas ciências da saúde.
Outras prioridades, Sr. reitor?
Uma reforma da oferta pedagógica, associada a uma ação social cada vez mais distintiva, fazem necessariamente parte do caminho a percorrer em 2024. É igualmente uma prioridade conseguir executar os projetos que temos em curso, nomeadamente os associados ao Plano de Recuperação e Resiliência.
Universidade Coimbra em números
Marca indelevelmente as áreas do ensino, ciência, inovação e cultura há mais de sete séculos. A Universidade de Coimbra é a mais antiga instituição de ensino superior de Portugal e do espaço lusófono e também uma das mais antigas de todo o mundo. Foi fundada em 1290 e considerada em 2013 pela UNESCO Património Mundial da Humanidade.
Composta por 11 Unidades Orgânicas de ensino e investigação – Faculdades de Letras; Direito; Medicina; Ciências e Tecnologia; Farmácia; Economia; Psicologia e Ciências da Educação; e Ciências do Desporto e Educação Física; Colégio das Artes; Instituto de Investigação Interdisciplinar; e Instituto de Ciências Nucleares Aplicadas à Saúde – a UC conta com cerca de 30 mil alunos e 3500 trabalhadores, incluindo quase 2200 docentes e investigadores. Tem 38 unidades de investigação com avaliação FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) e disponibiliza cerca de 250 cursos conferentes de grau.
O JE iniciou em janeiro a publicação de um ciclo de entrevistas sobre o Ensino Superior em Portugal. Leia aqui as entrevistas a:
Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa: “Sem mais investigação não teremos salvação”
José Moreira, presidente do SNESup – Sindicato Nacional do Ensino Superior: “Esperamos que a próxima equipa governamental esteja aberta à negociação e não só à audição”.