Como se explica a elevada abstenção? Em Fiães, “não há casa que não tenha emigrantes”

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Reportagem em Melgaço

22 fev, 2024 - 15:56 • Isabel Pacheco

A emigração faz disparar taxa de abstenção em Melgaço que, nas últimas legislativas, superou os 60%. Fiães é uma das 13 freguesias do município do Alto Minho onde “mais de metade da população” não vota porque “está fora”.

A dez minutos do centro da vila raiana de Melgaço, chegamos à freguesia de Fiães. Aqui não há cafés ou centros de convívio. O ponto de encontro faz-se na rua. Sempre com o silêncio como pano de fundo.

É uma “terra de emigrantes”, explica-nos Manuel Ferreira a razão da falta de burburinho. Ele, que com Maria Julieta, também já emigrou para França. Regressou à terra depois da reforma.

“Não há casa que não tenha emigrantes por esse mundo fora. Estamos em toda a parte do mundo”, conta Manuel que, no entanto, lamenta a “falta de gente” na aldeia. “Nesta povoação, que vê aqui, estou só”, resume.

Julieta acompanha o marido na conversa. “Olhe, no verão, no mês de agosto dá glória viver aqui. São aos 3, 4, 5 carros a cada porta. Agora estamos sozinhos, mas é assim a vida”, diz conformada. “O nosso país é pobre, não dá, temos que procurar”, sentencia.

“Posso dizer que nas últimas eleições, considerando as pessoas residentes ou que têm condições de votar, tivemos uma taxa de abstenção de cerca de 20% e a oficial era de 75%. A diferença está nos emigrantes que estão lá fora”, remata Manuel Ferreira

Em contraciclo, encontramos Joaquim Silva. É engenheiro de profissão e pai de três das cinco crianças com menos de 10 anos da freguesia.

Depois de passar pelo Brasil, Itália e pelos Açores, chegou a Fiães em 2019 para viver e “criar raízes”. É hoje o autarca da freguesia que, segundo os Censos de 2021, conta com 140 residentes habituais.

“Todas as famílias têm migrantes. Não conheço nenhuma que não tenha. É um desafio muito grande que nós, a nível local, não conseguimos contrariar”, admite o autarca que se confessa “especialmente triste” por não ver mais gente na freguesia. “Apesar de ser difícil viver cá, há qualidade de vida. A freguesia tem grandes condições para poder receber gente”, justifica.

E quando mais de metade da população emigrou e os que ficam são idosos com dificuldade de mobilidade isso “faz diferença” na hora de fazer as contas aos votos.

Considerando o número de eleitores muito reduzido, qualquer “pequena flutuação tem logo um impacto muito significativo”, explica Joaquim. Depois, “mais de metade das pessoas recenseadas está fora”, resume.

Mas, “as pessoas mobilizam-se”, garante o presidente de junta que fez os cálculos da abstenção real nas legislativas de 2022.

“Posso dizer que nas últimas eleições, considerando as pessoas residentes ou que têm condições de votar, tivemos uma taxa de abstenção de cerca de 20% e a oficial era de 75%. A diferença está nos emigrantes que estão lá fora”, remata.

O cenário repete-se nas restantes 12 freguesias do concelho do Alto Minho, fazendo de Melgaço o recordista da abstenção em Portugal continental.

O autarca Manoel Batista fala de “abstenção técnica brutal” que dura há décadas. Tudo às custas de emigração .

“Quando abrimos as urnas, temos logo um nível de abstenção que ronda os 50%. Mas, se tivermos em consideração a nossa população, o nosso índice de abstenção será baixíssimo. É muito alto, porque conta com a população residente fora do país e que não vota cá”, explica o também, presidente da comunidade intermunicipal do Alto Minho que faz as contas à Renascença.

“Temos uma população próxima dos 8000 habitantes, o que equivale a cerca de 6 mil eleitores, e temos um caderno eleitoral com 10 a 11 mil inscritos.”

Nas últimas legislativas, Melgaço registou uma abstenção na ordem dos 63%, a mais alta em todo o território continental. Mais elevada só mesmo no arquipélago dos Açores.

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