Comprovada capacidade de transmissão cultural cumulativa de abelhas e chimpazés

6 meses atrás 58

Nas reservas de animais da Zâmbia foram reunidos 66 chimpanzés. Divididos em dois grupos separados, os chimpanzés receberam um objeto mecânico, semelhante a uma máquina de venda automática, que exigia três etapas para abrir e oferecer uma recompensa alimentar. O primata precisava de apanhar uma bola de madeira, retirar uma gaveta do aparelho, inserir a bola e fechá-la para obter algumas nozes que sairiam do fundo desse objeto.

Durante três meses de observações, nenhum chimpanzé conseguiu resolver o enigma sozinho. Os investigadores retiraram então um animal de cada grupo, e treinaram-nos a resolver a tarefa. Devolvidos aos grupos iniciais passado três meses, 14 dos 66 chimpanzés desenvolveram a habilidade de abrir a gaveta por terem observado os primatas treinados.

“O que vemos é que os chimpanzés parecem ser capazes de aprender com outros membros do grupo algumas coisas que não conseguem inventar sozinhos”, resume Edwin Van Leeuwen, um dos autores do estudo e investigador da Universidade de Utrecht, Países Baixos.

“Isso significa que eles podem aprender socialmente comportamentos complexos”, sublinha. 

Este resultado leva os autores a concluir que as habilidades necessárias para completar a tarefa podem ser transferidas entre indivíduos, embora sejam necessárias mais observações para descrever melhor a habilidade desses animais. “Apresentámos provas para a hipótese de que a aprendizagem social nos chimpanzés é necessária e suficiente para adquirir uma habilidade nova e complexa após a inovação inicial”, acrescenta à publicação espanhola El Diário.

Equipamento da experiência com as nozes | Josep Call et al. 2024

Nesta experiência, os investigadores destacam que, mais importante do que o chimpanzé aprender com os humanos, é, uma vez o conhecimento adquirido, o primata conseguir ensinar os outros do grupo, estabelecendo uma transmissão cultural cumulativa.

Josep Call, investigador do Instituto britânico de Comportamento e Neurociência, explica que “no início, após um mostrar como se faz, todos os outros o copiam, mas chega uma altura em que vão estar a imitar-se uns aos outros e estabelece-se uma cadeia”. 

“É importante porque, uma vez que um já sabe fazer, os outros copiam, o que é uma clara evidência de aprendizagem social de um comportamento”, sublinha Call, também autor do artigo publicado esta quarta-feira na revista Nature.

O objetivo da equipa é agora, junto de comunidades de chimpanzés que vivem fora dos zoos, conseguir trabalhar uma prática que permite transmitir uns aos outros como remover térmitas com um galho, por exemplo.

E as abelhas - serão boas professoras?
Nesta quarta-feira, uma outra investigação com o mesmo propósito foi divulgada também na Nature. Desta vez o estudo é dedicado a ensinar abelhas e perceber o quanto são boas “professoras”

A equipa de Alice Bridges e Lars Chittka desenhou uma caixa puzzle para investigar se estes insetos eram capazes de aprender comportamentos mais complexos caso outros membros da colónia já tivessem esse conhecimento.


O dispositivo experimental usado com abelhas | Queen Mary University of London

O desafio desenvolve-se em duas etapas. As abelhas primeiro têm que mover um obstáculo para permitir a abertura de uma tampa giratória, revelando uma recompensa de água com açúcar.

Tal como os primatas, as abelhas não treinadas foram incapazes de resolver o puzzle de forma independente através de tentativa e erro. Os investigadores resolveram treinar algumas abelhas para resolver a tarefa e, ao fim de dois dias, as abelhas "demonstradoras" foram colocadas junto a insetos não treinados. 

Verificou-se que as “alunas” aprenderam a abrir a caixa em duas fases graças a esses professores, sem precisar de recompensa após a primeira etapa.

Os autores concluem que as abelhas “são capazes de aprendizagem social e possivelmente de transmissão cultural”.

Transmissão cultural cumulativa não é exclusiva do Homem

“Ao estudar um macaco, um rato ou uma abelha podemos compreender melhor os humanos”, admite Josep Call.

Alex Thornton, investigador da Universidade de Exeter, acredita que ao examinar as duas espécies claramente diferentes os dois artigos lançam sérias dúvidas sobre a “suposta excepcionalidade humana da transmissão cultural”.

Para Miquel Llorente, diretor do Mestrado em Primatologia da Universidade de Girona, estas investigações “não só esclarecem a capacidade de outras espécies adquirirem competências complexas, como também oferece implicações importantes para a compreensão da cultura humana e comportamento animal em geral”. 

Esta descoberta reforça a ideia de que a aprendizagem social não é exclusiva dos humanos e levanta questões fascinantes sobre as semelhanças e diferenças nos mecanismos de aprendizagem psicológica entre as espécies”, remata.

Ler artigo completo