“Conselhos para meu eu quando jovem”, um ato de resistência

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Cássio Markowski venceu o prémio Sovereign Portuguese Art Prize 2023 com uma obra em que parte de um olhar contemporâneo voltado para a ancestralidade. Conheça as obras que integram esta edição e participe votando. O Prémio do Público será anunciado no final da exposição, a 16 de dezembro.

O anúncio do vencedor do prémio Sovereign Portuguese Art Prize 2023 foi anunciado a 28 de 28 de novembro, na Sociedade Nacional de Belas Artes. Cássio Markowski, o artista brasileiro radicado em Lisboa recebeu um prémio de 25.000 euros, pela sua obra, “Conselhos para meu eu quando jovem”, que retrata as relações familiares, as suas influências e contradições no âmbito da construção cultural do Brasil.

Na ocasião, Markowski salientou que “receber este prémio é a consolidação de um trabalho que venho realizando nos últimos oito anos. Tenho trabalhado questões políticas e sociais desde um olhar poético, privilegiando o desenho figurativo como forma de expressão estética e também filosófica. A partir de um olhar contemporâneo voltado para a ancestralidade revisito um passado não muito distante para discutir questões relevantes nos dias atuais.”

No ato de resistência em que a gramática do artista se inscreve, coabitam a vontade de refletir sobre a ideia da infância, masculinidade e identidade nacional. Ao Jornal Económico (JE), Markowski tenta ser sucinto à pergunta que diz ser “bem complexa”. Como caracteriza o papel das relações familiares na construção cultural do Brasil? “A colonização sempre é um processo de violência que desumaniza o colonizado, negando-lhe seu passado, sua ancestralidade e seus valores culturais. Uma das ferramentas de controle do sistema colonial é a construção de estereótipos”. E particulariza, afirmando que “o conceito de família patriarcal estruturado no Brasil durante o período colonial impôs uma matriz idealizada para o modelo de família brasileira, criando um distanciamento entre a norma e a realidade social onde imperam os processos de resistência”.

Sendo a arte um veículo de reflexão sobre passado e presente; para o presidente do júri, David Elliott, a sua obra reflete “a influência colonial de Portugal de uma forma positiva”. Que questões levanta hoje esse passado, enquanto artista?

“Agradeço a pergunta porque vejo nela a possibilidade de mostrar um ponto que me parece central em minha produção e nessa obra em particular. O meu trabalho se constrói com diversas camadas de sentido, tenta retratar de forma poética, onírica e eu diria até com uma certa subtileza questões ligadas a um passado traumático e busca trazer para discussão hoje um entendimento dos processos subjetivos que atravessam diferentes experiências sobre o trauma colonial”.

O JE quis saber que expectativas tem para a sua carreira artística após o reconhecimento que lhe traz o Sovereign Portuguese Art Prize.Procuro não criar muitas expectativas em relação ao futuro, mas de imediato posso dizer que essa premiação é importante para impulsionar a produção de novos trabalhos, além de mostrar que temáticas como as que eu abordo em minhas obras são de extrema importância para o entendimento da nossa sociedade nos dias atuais”.

O Sovereign Portuguese Art Prize quer ser uma montra de talentos emergentes e participar na integração social de crianças desfavorecidas

O The Sovereign Portuguese Art Prize é um prémio anual organizado pela associação Sovereign Art Foundation (SAF) que celebra o trabalho dos principais artistas contemporâneos residentes em Portugal e da sua diáspora. Para além de reconhecimento internacional e recompensas monetárias, o Prémio, através da venda das obras dos finalistas, contribui para o financiamento e angariação de fundos para apoiar vários programas de beneficência ligados às artes que apoiam crianças desfavorecidas em Portugal.

Eliette Rosich, coordenadora do Sovereign Portuguese Art Prize realça, a propósito, que “o preço estabelecido a favor do artista e da fundação [SFA] obedece a uma lógica de 50%-50%. Ou seja, o dinheiro angariado em Portugal permanece no país, pois é investido em projetos destinados a crianças de famílias desfavorecidas, no âmbito da integração social pela arte”. Já o fundador da SAF, Howard Bilton, realça que, tendo adotado Portugal como a sua “nova casa”, entendeu que é aqui que quer fazer a diferença.

“Além de ser colecionador de arte, sou um grande entusiasta das Artes, quis conciliar isso com a possibilidade de angariar dinheiro para ajudar crianças carenciadas em Portugal”. E explica que usa a arte para esse propósito, mas para atingir esse fim, é preciso “garantir que temos um Prémio conceituado internacionalmente, ou não iremos atrair artistas para o objetivo que temos em mente”.

E quem são os artistas no ‘radar’ do Sovereign Portuguese Art Prize? “Os artistas já famosos não são aqueles que estão no nosso ‘radar’, pois não precisam do Prémio para projetarem o seu trabalho. O nosso foco está, antes, no nível imediatamente abaixo, ou seja, num patamar intermédio, em que vencer um prémio relevante vai fazer a diferença”. E acrescenta, com uma expressão visivelmente satisfeita, que “basta olharmos para trás para percebermos que os artistas que figuram entre os 30 finalistas do nosso Prémio, veem a sua carreira ganhar um forte impulso, assim como a venda das suas obras”, frisa Bilton.

Apesar desse efeito positivo para os artistas, o fundador da SAF fez questão em salientar que “o principal objetivo do Prémio não é ajudar os artistas, esse acaba por ser um «efeito secundário», mas sim as crianças desfavorecidas que podem tirar partido desta iniciativa”. Antes de concluir que, à terceira edição do Prémio português, “a aprendizagem prossegue”, embora afirme que quer acreditar que “o júri com quem temos o prazer de contar é um sinal de que estamos a fazer um bom trabalho, visto reunir figuras particularmente relevantes do mundo das Artes”.

Howard Bilton refere-se ao conselho composto por 25 profissionais independentes no ramo das artes, composto por curadores, colecionadores e académicos, que nomeou artistas para concorrer ao Prémio, num total de 200 candidaturas recebidas. Entre outros nomes, Vicente Todolí, diretor artístico do Hangar Bicocca, o Centro de Arte da Fundação Pirelli, em Milão; Tim Marlow, diretor executivo do Design Museum, em Londres; Jorge Queiroz, artista e vencedor do Sovereign Portuguese Art Prize 2022; ou David Elliott, escritor, curador e antigo Diretor Fundador do Mori Art Museum, Tóquio, que assume o papel de Presidente do júri nesta terceira edição, entre outras personalidades de renome.

O primeiro prémio a ser lançado, em 2004, foi o Sovereign Asian Art Prize – atualmente, um dos mais prestigiantes prémios anuais em território Ásia-Pacífico. Em 2021, a SAF cofundou dois novos prémios, África e Portugal, sendo 2023 o terceiro ano que o prémio é atribuído no nosso país. No ano passado, o valor global angariado nas diferentes edições do Prémio atingiu os 11 milhões de dólares, referiu Howard Bilton aquando da visita organizada para a imprensa.

As obras selecionadas estão à venda – exceto a vencedora do Grande Prémio – e a receita obtida será usada para financiar e angariar fundos para vários programas de beneficência ligados às artes que apoiam crianças desfavorecidas em Portugal. Para além de poderem apreciar as peças expostas, os visitantes são convidados a votar na sua obra finalista preferida no site da SAF, que visa apurar o vencedor do Prémio do Público, a anunciar no final da exposição, de entrada livre, que se encontra patente até 16 de dezembro na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.

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