Correram o país e agora vão ver o Farense no Estádio do Algarve: «É um pacto com o Diabo»

1 mes atrás 51

Numa decisão verdadeiramente surpreendente, o Farense anunciou que os jogos em casa diante dos designados três grandes serão realizados no Estádio do Algarve. em detrimento do Estádio de São Luís. A título de confirmação, uma pequena mensagem informativa foi entregue aos adeptos com lugar cativo, no embate diante do Moreirense.

Bruno Ferreira e Francisco Grilo são fervorosos pelo clube e acompanham a equipa para todo lado, independentemente se faça chuva ou sol. Quem melhor então para falar sobre esta circunstancial mudança de casa? O zerozero esteve à conversa com os dois adeptos, de forma a tentar entender como está a ser encarada esta situação.

15 mil quilómetros, uma só paixão

Leu bem, caro leitor. 15 mil quilómetros: eis a distância percorrida na temporada passada pelo jovem Bruno para assistir aos jogos do seu emblema de coração. Do Bessa à Luz, passando pela Pedreira ou pelo Estádio José Gomes, o nosso entrevistado arregaçou as manga e partiu à aventura. 

O amor louco pelo leões de Faro vem de berço: «Eu sou sócio desde o dia em que nasci. O meu avô encarregou-se de tratar disso. Em Portugal, nascemos mal ensinados e somos levados para outros clubes, mas eu, com o decorrer do tempo, acabei por me ligar ao conjunto da minha terra.»

Na visão deste apaixonado, o mote 'apoia o clube da tua terra' anda à deriva: «É um reflexo da sociedade, que apenas procura vitórias e vangloriar-se. As pessoas já não vivem as suas próprias conquistas. A verdade é que no futebol quem ganha são os três grandes. Eu prefiro valorizar a minha cidade, as minhas origens, bem como a forte ligação com os outros adeptos e com os jogadores.» 

Bruno Ferreira comemora efusivamente com os jogadores @Bruno Ferreira

De avião em avião, Bruno Ferreira viveu o sonho de todos os adeptos da modalidade, aproveitando da melhor forma o «ano quase sabático» na universidade. Porém, determinadas circunstâncias impediram-no de dizer 'presente' no Estádio dos Arcos, no passado sábado. Como tal, viu o jogo no humilde conforto do seu lar. 'Conforto' como quem diz...

«Nem no estádio consigo ver os jogos sentado, quanto mais em casa [risos]. Antigamente, eu ficava encostado a uma parede da sala a ver os jogos. Entretanto, com a nova disposição do espaço, arranjei uma cadeira, mas passado dois minutos já estava de pé outra vez. É difícil controlar as emoções. No estádio, pelo menos, sabemos que podemos ser úteis

A turma algarvia teve um passeio tranquilo no primeiro escalão do futebol português, em 2023/24, tendo terminado o campeonato no décimo posto. Contudo, o principal palco do futebol luso não é um local que a formação de Faro esteja habituada a frequentar nos tempos modernos, chegando mesmo a frequentar a 2º Divisão Distrital em 2006/07.

Sabendo desta longa caminhada, o adepto, de 23 anos, não hesitou em escolher o melhor momento a que assistiu na bancada: «Vivi de forma muito intensa o golo do Rui Costa no Seixal, na penúltima jornada da 2ª Liga. Esse remate certeiro garantiu-nos a subida. Foi o tento mais festejado e épico de sempre.»

«O clube não quer roubar os adeptos»

Estádio de São Luís. Inaugurado em 1923, o recinto desportivo corresponde à fortaleza do mítico Farense. Questionado sobre o que torna este complexo tão especial, Bruno Ferreira foi perentório: «Vejo os duelos a dois metros do relvado. Aliás, eu consigo meter a mão por cima do placar eletrónico [risos]. É um autêntico estádio à inglesa, que leva a uma experiência bastante imersiva.»

Francisco Grilo, tal como Bruno, também está acostumado às grandes deslocações e concorda com a opinião do colega: «O São Luís tem uma essência particular. É um estádio muito compacto, no centro da cidade. Desta forma, tem uma mística diferente de todos aqueles que eu tive a oportunidade de visitar.»

A vista aérea do Estádio de S. Luís

Contudo, a partida desta sexta-feira, frente ao Sporting, terá contornos diferentes, estando agendada para o Estádio do Algarve. Grilo garantiu que a desconfiança sobre a alteração reinou numa primeira instância: «Já fui mais revoltado sobre este assunto. Numa fase inicial, havia muita incerteza sobre a política de bilhética, de como os adeptos iam comparecer ou se ia haver uma mistura entre adeptos, algo que pudesse levar a problemas de segurança. Honestamente, cheguei a ponderar não aparecer nestes três jogos.»

Os bilhetes dos duelos assistidos em 2023/24 @Francisco Grilo

Todavia, o seu ponto de vista mudou, com o preço dos ingressos a ter sido um fator decisivo: «Por exemplo, no ano passado, os sócios pagantes tiveram que dar 17 euros para ir ver um duelo com o Sporting no São Luís. É um preço muito elevado. Quando a política de bilhética foi lançada, a quantia desceu significativamente [10 euros para a Bancada Poente Inferior e 5 euros para a Bancada Poente Superior]. É bem mais benéfico.»

«Quando o Farense lançou a tabela de preços para não-sócios e apresentou valores entre os 35 e os 45 euros, demonstrou a narrativa de que o clube não queria roubar os adeptos, mas sim aproveitar um estádio com uma maior capacidade para atingir um elevado capital financeiro. O objetivo passa por aproveitar o interesse nacional que os grandes trazem consigo», acrescentou.

Apesar desta condição favorável, o jovem de 21 anos deixou alguns alertas: «Há pessoas que vão tentar boicotar o jogo. Apesar do número associado à presença de sócios não se antever mau, não está perto de ser comparado com os jogos no São Luís, onde havia filas para a aquisição dos bilhetes. Para além disso, o estádio não é no centro da cidade e não tem transportes públicos para ligar. [o Farense disponibilizou entretanto transporte para os sócios]»

A arte de aproveitar a exposição para singrar

Na época transata, o registo do Farense contra os colossos do paradigma lusitano no seu abrigo não foi o melhor: três jogos para o campeonato, três derrotas. Posto isto, Francisco Grilo pesou na balança dois ingredientes e retirou as suas conclusões, ao mesmo tempo que deixou duras críticas aos organismos que regem o futebol em Portugal.

O último jogo do Farense, em casa, frente ao Sporting @Kapta+

«A meu ver, mais vale retirar vantagem deste rendimento financeiro do que apostar, sem certezas, no desportivo. Contudo, deixo uma questão... 'um clube como o Farense, mais pequeno que o Sporting, deveria ter que mudar de casa para conseguir algum aproveitamento monetário?' Eu acho que a Liga Portugal e a FPF deveriam analisar este assunto com maior atenção. Os clubes têm que tentar procurar obter receitas sem ser sempre pelo meio da venda de ativos», afirmou numa primeira instância, indo depois mais longe:

«O Farense viu nesta mudança uma alternativa. A verdade é que os bilhetes de 35 euros estão praticamente esgotados e os setores de 45 euros do Sporting também estão bem compostos, o que nos leva a crer que o interesse é grande por este encontro. Este dinheiro que vai entrar nos cofres do Farense poderá ajudar a comprar novos reforços, a melhorar as infraestruturas e a pagar a nova Academia. É um pacto com o Diabo, diria eu.»

Peças importantes como Bruno Duarte, Mattheus Oliveira e Gonçalo Silva já abandonaram o barco. Todavia, Bruno Ferreira deposita grande confiança nas novas contratações, especialmente em Marco Moreno, ex-Atlético de Madrid, e Álex Bermejo. Já Francisco Grilo ressalvou a importância de manter os dois principais ativos no plantel: Ricardo Velho e Mohamed Belloumi. Aspirações para a atual campanha? Um passo de cada vez.

Francisco Grilo recebe as luvas de Ricardo Velho @Francisco Grilo

«Acho que o plantel está ligeiramente mais fraco do que no ano passado. Contudo, sinto que as equipas que subiram de divisão, como o AVS ou o Nacional, ainda não apresentam um nível consistente. Ainda não se reforçaram suficientemente bem para se manterem de forma tranquila na Primeira Divisão. A permanência é o cenário mais provável, mas obviamente que um adepto gosta de ambicionar mais e espera que a equipa repita os feitos do ano passado. Foi uma época verdadeiramente espetacular», concluiu.

Embora exista um clima de incerteza sobre o eventual apoio à equipa da casa, uma coisa é certa: a claque dos leões de Faro vai marcar presença no próximo encontro. Num comunicado emitido nas redes sociais, os South Side Boys, asseguraram que não vão faltar ao compromisso, apesar do notório descontentamento pela decisão da direção.

Novo palco, as mesmas pretensões. Ficaremos a saber daqui a escassas horas se os cofres do Farense, para além do esperado dinheiro adicional, ficarão mais preenchidos com pontos.

Confira o comunicado dos South Side Boys:

Com toda a polémica em torno desta decisão de jogar no Estádio do Algarve, os South Side Boys vêm por este meio deixar a sua posição bem assente. Nunca vamos concordar com isto, porque a nossa casa é, e sempre será, o nosso São Luís. Mesmo assim, a equipa que enverga o nosso símbolo vai jogar lá e, como tal, teremos de estar presentes, porque é isso que nos define. Só nos resta dizer que odiamos o futebol moderno e naquilo que se está a tornar. No entanto, amamos o Farense e estaremos com ele, hoje e sempre!

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