Cresce a tendência xenófoba na Europa, decresce o envolvimento dos jovens

2 horas atrás 24

A "branquitude" das políticas da UE, o baixo envolvimento dos jovens e o limitado pró-europeísmo na Europa Central e Oriental podem redesenhar o sentimento europeu, desalinhando-o dos conceitos pilares da constituição do bloco. 

"Com o tempo, isso pode vir a minar a saúde da democracia dentro do bloco", afirma o documento, assinado por Pawel Zerka, autor do relatório e investigador de políticas do Conselho Europeu de Relações Exteriores (CERE).Zerka descreve que quando “Mario Draghi (antigo primeiro-ministro italiano) dominou as conversas em Bruxelas sobre a necessidade de foco em reavivar a economia do bloco” deixou claro que a “UE está a perder vantagem competitiva”.

“Mas se a economia é o motor da UE, então o "sentimento europeu" deve ser visto como o seu combustível. E o que está a acontecer atualmente com o sentimento europeu requer atenção urgente – caso contrário, corremos o risco de ficar sem combustível, ou de ficar com combustível alterado”, argumenta.

Zerka define “sentimento europeu” como o “sentimento de pertencer a um espaço comum, partilhar um futuro comum e subscrever valores comuns” que o autor do relatório aponta como o “universalismo, a igualdade e o secularismo” – e alerta para o facto de estes “valores estarem a ser cada vez mais desafiados”.

"Mas a história do sentimento europeu seria incompleta – e enganosa – se não se investigasse os pontos cegos. Três em particular ganharam foco nos últimos 12 meses", alega o autor.

“Bem-vindo à Barbielândia: o sentimento europeu no ano de guerras e eleições”
"A União Europeia de hoje assemelha-se a uma Barbielândia: um lugar propenso que se considera mais perfeito do que realmente é – e que abriga alguns pontos cegos notáveis"
. Arranca assim a análise de Zerka, fazendo pontes com o filme de Greta Gerwig e o mundo real.

O relatório realça que - na fase pós-covid e com as duas guerras em curso - os dados recolhidos de investigadores das ciências sociais e políticas demonstram “consistentemente que um grande número de cidadãos em quase todos os Estados-membros da UE continua a confiar no bloco, está otimista sobre seu futuro e sente-se ligado a ele”.

Na análise, Zerka argumenta que a participação 51 por cento da população nas eleições para o Parlamento Europeu deste ano foi relativamente alta, o que indicia que uma grande maioria dos 27 governos nacionais permanece pró-europeia em termos de perspetiva e política, apontando para a manutenção de um forte sentimento europeu.

Porém, Zerka alerta que está a crescer um número de pessoas que se sente "excluído", "desiludido" ou "desinteressado" da UE, nomeadamente população “não branca e muçulmanos e pessoas na Europa Central e Oriental”, e ainda “eleitores jovens que sentem que a UE é muito branca", "muito ocidental" ou "muito baby boomer".

Gradual assimilação de uma "visão xenófoba"

De acordo com o relatório, especialmente após o ataque do Hamas a Israel a 7 de outubro do ano passado, os europeus "não brancos" foram expostos a um enorme aumento de narrativas xenófobas, especialmente os muçulmanos, que passaram a sentir-se frequentemente ignorados, devido aos governos do bloco apoiarem Israel.

O tema imigração também pesa no realinhamento europeu, sobretudo quando a extrema-direita se revela fortalecida nas eleições europeias.

Países como a França, Itália, Bélgica, Áustria, Hungria, Holanda e Alemanha viram surgir os bons resultados destes partidos, o que tem desencadeado um impacto forte nos discursos anti-imigração.

Nesta análise são recuperados os planos da extrema direita alemã do partido AfD para deportar requerentes de asilo e cidadãos alemães de origem estrangeira ou mesmo o partido Fratelli d'Italia, da primeira-ministra Giorgia Meloni, venceu as eleições europeias em Itália com 28 por cento dos votos. Estes exemplos surgem para se dizer que está em curso uma gradual incorporação de uma "visão xenófoba" do mundo, afirma o documento.

Mais brancos no Parlamento
O relatório observou a “diversidade limitada dentro das instituições europeias”, sublinhando que apenas três por cento dos eurodeputados são de minorias raciais e étnicas, contra dez por cento na população da UE, e que “muitos países não conseguiram apresentar nenhum candidato que não fosse branco”.

A branquitude do Parlamento Europeu realça-se perante outros tons de pele existentes nos campeonatos europeus de futebol, nos Jogos Olímpicos de Paris ou mesmo no concurso Eurovisão da Canção” – apesar da reação racista da extrema-direita contra, por exemplo, a cantora Aya Nakamura, observa Zerka.

Centro e leste dececionados com a UE

Em análise está também a fraca participação nas eleições europeias das populações da Europa Central e Oriental. Vista como uma preocupação crescente, sete dos 11 países da região apresentaram uma afluência às urnas abaixo dos 40 por cento.

Segundo o relatório, estes dados refletem demonstram um “entusiasmo morno”, o que indica que alguns países europeus centrais e orientais estão dececionados com os benefícios reais da adesão à UE. Por sua vez, a Eslováquia, a República Checa e a Croácia revelaram uma crescente normalização do euroceticismo.

"A questão aqui é se a xenofobia cada vez mais normalizada na UE não está a afastar alguns jovens do projeto europeu, ao mesmo tempo que habitua outros a uma concepção "étnica" de europeísmo — e, assim, facilitando o caminho para apoiar a extrema direita", lê-se no relatório.

Votação jovem a tender para os extremos

Nas eleições europeias deste ano, houve pouco interesse do eleitorado jovem e aqueles que se apresentaram nas urnas demonstraram um sentido de voto na direita radical, diz o relatório. E dá exemplos.

O partido de extrema-direita alemão AfD ficou em segundo lugar entre os jovens eleitores alemães. Na Polónia, o partido Confederação Liberdade e Independência, de extrema-direita, conquistou o voto jovem com cerca de 30 por cento. Em França, um terço dos jovens votou no Rassemblement National (RN), partido de caráter protecionista, conservador e nacionalista.

Zerka adverte que estas escolhas "refletem uma sensação de não se ser representado por forças políticas estabelecidas", que são frequentemente vistas como partidos do baby boom. Alerta ainda para um sentimento de "falta de voz" que coloca os jovens em risco de se desligarem ou até mesmo rejeitarem a UE.

Final feliz?

Esta é a terceira edição do European Sentiment Compass anual (Bússola de Sentimento Europeu), desenvolvido numa iniciativa conjunta do CERE e da European Cultural Foundation. Tem como base investigações conduzidas pelos 27 associados do CERE no verão de 2024.

Na trama de ficção, o filme Barbie tem um final feliz, no qual a protagonista "conserta uma falha no mundo da fantasia e mostra que ela própria pode ainda ser uma inspiração para as meninas do mundo real. Mas para que isso aconteça a boneca tem que reconhecer e confrontar os pontos cegos da Barbielândia – com sua tirania de felicidade" -, realça o relatório, deixando uma última mensagem para os governos europeus: "A UE ainda precisa decidir se e como abordará seus próprios pontos cegos".

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