Crónica de bastidores. Três dias, onze tentativas por dia

1 mes atrás 53

Bon!(desisto)... six - zerô- ân.

E em certa medida, é uma boa solução.

A concièrge já sabe o meu número de cor, sublinha a autorização com uma gargalhada genuína, que por um lado me amolga de vergonha, por outro me assegura uma certa estima. Quem é que detesta quem nos faz rir?

Nunca me dei com este sistema francês tortuoso, que transforma um simples número numa equação, só porque sim: "seis-centos-e-dois" até é para meninos, numa língua que opta por "quatre vingt et un" "4 vintes e um" para ditar 81, só porque sim. Não bastava que os preços fossem, eles próprios, difíceis de acreditar, ainda têm de bónus o tão difícil de formular!

E ainda assim, no caro exercício do comer, há experiências de tom fofinho e até comovente, se comparadas com as da nossa nação. Por exemplo: cá, as saladas servem-se temperadas. O gosto dos verdes crus não é, como em Portugal, aquele exercício tipo sushi, em que te cabe produzir o sabor pós pagamento, caso não se esqueçam de trazer à mesa sal, azeite, vinagre e demais optativos. Partindo do princípio que conseguirás mexer depois da fazer, antes que a alface coza naquele cantinho ao lado do prato atafulhado.

Ah!!! A propósito de atafulhado: acabei de me lembrar que num destes dias, aprendi que essa pirâmide de comida a que chamamos "bife com ovo a cavalo" nos faz países irmãos. "œuf à cheval"! Estava no menu num dia destes. E lá vi o meu querido Rodrigo Lobo, o meu braço armado de câmera e tudo o mais em Paris, usar toda a perícia ganha em Portugal, para sacar as lascas de carne francesa sob o ovo sem o estraçalhar. Mais uma experiência cara em Paris? Oui! Mas sabem que mais? Cá, o pão para molhar na gema ou mais o que quer que for é gratuito e à discrição. E a água, até a geladinha, vem para a mesa aos litros que quiseres, sem gastar um cêntimo. Podes pagar tudo ao preço de um rim, mas ici, podes viver a pão e água sem pagar.

Sim, levo daqui experiências tortas e retas. Novas e renovadas. E, por esta altura, toda uma veterania a compor números à francesa e amizades à gaulesa.

No hotel, além de já não precisar dessa habilitação matemática para enunciar o meu quarto, a senhora que limpa já me deixa seis cápsulas de café "fort" em vez de uma de forte e descafeinado. No pequeno-almoço a senhora que nos atura já topa o meu fim de refeição e avança de copo de papel para mim, para me evitar a vergonha de não me lembrar que se diz "gobelet". E vem de sorriso generoso e cheio, que nisso somos iguais desde o dia um, numa cumplicidade de que vou ter saudades.

Não chego - seria impossível- ao nível de empatia ganha pelo João Miguel Nunes, o mais medalhado olímpico em popularidade da comitiva RTP. Mas descobri que ele dopa a relação com os funcionários: consta que além dos sorrisos francos e simpatia natural, ele brinda os bons dias com concertos "A Capella", canta-lhes ainda antes de beber café quando diz bom dia. É concorrência desleal? É. Mas consta as senhoras que arrumam os quartos já deixam lágrimas de saudades dele, agarradas às toalhas limpas, porque a despedida está já aí.

Ontem, antecipando a dor da partida, o meu próprio regresso ao quarto foi... doce.

Sobre a cama, um saquinho de ladrilhos de chocolat e um bilhete da gerente. Mensagem em português irrepreensível, escrito à mão. Deu-me mais que chocolate, deu-me o seu tempo. Já sei que, como eu recebi aquela medalha de carinho escrito que está na foto, cada um de nós teve direito à sua.

Não faço ideia se o texto é o mesmo para todos, se o brinde é equivalente em doçura. Nem preciso. Mas se o nosso líder em empatia, João Miguel Nunes, para os amigos Jomi, aparecer com diabetes pós-olímpicos, bem feito! Quem o manda ser mais doce?

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