CRÓNICA | O futebol já vos devia isto

4 meses atrás 62

Caro leitor, o futebol, por vezes, é injusto, como você, por cruéis experiências, certamente já testemunhou. Apedeuta, é insensível a esforços e ignora entre-linhas quiméricas. Não foi o caso desta noite, histórica por imposição. Qual Robin Hood, o futebol roubou ao invencível (longe de ser vilão, claro) e deu ao pobre, que nunca havia saboreado a glória europeia e não levantava um troféu desde 1963.

As razões para a Atalanta ter contas a ajustar com o destino não se prendem exclusivamente pela ausência de troféus. É preciso compreender o passado e, sobretudo, a influência de Gasperini no clube - para isso, o zerozero já dedicou um artigo, que pode ler aqui. Um homem e uma ideia insistentemente a bater à porta da felicidade - três finais perdidas nos últimos seis anos -, sem sucesso até esta noite.

Foi dessa forma, tão confiante no que defendia ao ponto de não temer eventuais infortúnios, que a Atalanta entrou em campo. Confortável e destemida, a Atalanta foi superior durante todo o primeiro tempo.

Dois pés e um dos rostos do projeto

 Qual malhete, os pés de Lookman colocaram ordem na casa. Com o esquerdo, o avançado nigeriano condenou uma desatenção de Palacios e traduziu a vivacidade italiana em números no marcador. Minutos mais tarde, o direito esculpiu uma obra de arte; da faixa para dentro, túnel a um adversário e remate em jeito, indefensável, para o fundo das redes.

Nem meia hora e o homem do jogo - salvo alguma trama alemã, típica nos minutos finais - já estava encontrada. A distinção sorriu a alguém que representa, quase na perfeição, o projeto Atalanta; ofuscado e infeliz, passou despercebido noutras paragens - quiçá, inclusive, com desafios mais aliciantes -, mas em Bérgamo, à semelhança de Gasperini e de outros tantos, encontrou o sítio e as condições certas para brilhar. Um bonito entrosar do destino com o mérito.

O herói de Dublin: Ademola Lookman @Getty /

De volta às quatro linhas, o Bayer só conseguiu mostrar um ar da sua graça perto do descanso; soltou-se das amarras impostas pelo adversário, procurou ter bola, mas mostrou algum desnorte, pouco típico no imparável rolo compressor construído por Xabi Alonso.

Três, a conta que Deus fez; Lookman, o homem que Deus quis

Descanso passado, ideias refrescadas e uma aposta clara para o segundo tempo: Victor Boniface. O melhor marcador dos alemães foi chamado à ação, com o intuito de dar baliza ao Bayer. Houve mais bola, mais afinco, maior intenção, mas pouco produto final, ainda assim.

Musso, Hien, Ruggeri, Éderson... As linhas mais recuadas da Atalanta seguraram a equipa, deram confiança e criaram condições para as imediações adversárias nunca fugirem da mira. Se a intenção passou a ser «ferir o adversário», Lookman era o homem indicado para fazê-lo.

Foi um tormento com oposição, então com espaço... Servido por Scamacca, apareceu com espaço na grande área; pedalou para cima de um adversário, chutou cruzado com o pior pé e rubricou o hat-trick. 

Uma derrota que não mancha em nada a época soberba do Bayer. Uma vitória que consagra e imortaliza um clube, uma cidade e dois homens: Ademola Lookman e Gian Piero Gasperini. O futebol, afinal, também pode ser justo, caro leitor.

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