Cu.Co.’24 — Dia 2: do hip hop ao cinema musicado

1 semana atrás 39

Ao segudo dia, o Cu.Co.: Encontro de Jornalismo Cultural de Coimbra arrancou pela manhã, às 11 horas, no Parque Municipal de Skate situado debaixo da Ponte Europa, onde as cores de graffiti se enamoram com o cinzendo do betão, local ideal para se falar sobre hip hop. E foi precisamente a cultura nascida há 51 anos no nova-iorquino bairro do Bronx a estar em destaque em mais um debate deste evento, com Ricardo Farinha (redactor do Rimas e Batidas e colaborador do Observador e Mensagem de Lisboa) a moderar um diálogo que juntou Adailton Moura (RAPresentando), Luís Vieira (aka Shark) e Tiago (aka TK) (ambos da Roda o Centro), Isabel Craveiro (O Teatrão), Carlos Braz (RUC) e Rui Miguel Abreu (Rimas e Batidas, Expresso e Antena 3).

O foco da conversa recaiu sobre o fenómeno conimbricense da Roda o Centro, um acontecimento semanal que reúne muitos MCs e curiosos naquele mesmo espaço para a prática do rap de improviso e que já foi alvo de um olhar mais aprofundado do próprio Ricardo Farinha nestas mesmas páginas. Ao longo desta troca de ideias de cerca de uma hora, falou-se da importância desta iniciativa para fomentar um espírito de comunidade local, da influência das rodas de improviso brasileiras — onde se tem incentivado o uso da rima para construir pensamento, ao invés de ser mera arma de ataque através da punchline — e do perigo da industrialização retirar o lado espontâneo e orgânico de um “culto” como este.

Após uma pausa para almoço, o Cu.Co. voou até à Blue House e pousou naquela grande vivenda que serve de escritório, estúdio de gravação, sala de ensaios, residência e umas outras quantas coisas para esta produtora/promotora/hub criativo que trabalha com mais de 400 artistas oriundos de (ou sediados em) Coimbra. O resto da tarde foi muito bem passado na companhia de João Silva, Ricardo Jerónimo e outros membros deste polivalente colectivo, por entre petiscos, drinks e muito networking.

Às 16h30, ainda na Blue House, deu-se aquela que foi a terceira talk da iniciativa do Cu.Co., que foi moderada por Rui Miguel Abreu e contou com as participações de Ricardo Farinha, Daniel Dias (Público), João Silva (Blue House), Rui Ferreira (Lux Records), José Miguel (Jazz ao Centro Clube), Pedro Dias de Almeida (Visão), Isabel Simões (RUC). A temática centrou-se na questão da criação de projectos inéditos com a finalidade de serem apresentados num evento/festival através do conceito de residências artísticas, um desafio grande que acarreta sempre esforços e recursos adicionais, nem sempre recompensados pela afluência de público ou cobertura mediática, e permitiu traçar um paralelismo com o jornalismo de investigação, em que é dado cada vez menos tempo para vivenciar e estudar uma certa matéria antes de partir para a escrita de uma peça aprofundada.

Num generoso e verde pátio que também faz parte da Blue House, seguiu-se um pequeno showcase dos Duques do Precariado, projecto formado por Pedro Mendonça (voz e guitarra) e João Fragoso (voz, baixo e bandolim), que por vezes reunem mais músicos à sua volta para adoptar um formato de banda mais “tradicional”. E “tradicional” é um termo que se pode aplicar a esta dupla também no sentido musical, já que incorporam na sua sonoridade um certo folclore nacional — desde o tipicamente “tuga” ao “pseudo-afro”, conforme rotulam nas tags que acompanham a edição do seu disco de estreia, Antropocenas (Lux Records, 2023), no Bandcamp. Escutando a ironia e a sofisticação quer dos seus versos, quer da instrumentação que ajuda a musicá-los, vem-nos facilmente à cabeça uma versão 2.0, mais musculada e informada pela genialidade lírica do rap, de B Fachada. Mas são os próprios que melhor se definem através de tiradas como “poeta sujo a brilhar à luz da wella” ou “filhos do Boom, netos da madrugada”.

O convívio esteve sempre presente durante esta passagem pelo quartel general da produtora conimbricense, prolongando-se por um belo jantar vegan — das entradas à sobremesa. Às 22 horas, tínhamos novo encontro marcado no pátio do CAV – Centro de Artes Visuais, para assistir a um cine-concerto ao ar livre que juntou as imagens do quase centenário filme The Wind à música executada por um quarteto formado por João Mortágua, Luis Pedro Madeira, Gonçalo Parreirão e João Silva. O casamento foi perfeito, com os quatro músicos a traduzir na perfeição a trama muda que estava a ser projectada numa das paredes do pátio — dos impactantes sons que simulam a buzina e locomoção de um comboio a vapor aos cortantes ruídos do vento, emulando ainda emoções como suspense, agonia ou romance. Tanto a longa-metragem como a música que se escutou podiam ser assistidos e absorvidos como peças individuais em qualquer momento, mas a união de ambos numa só performance criou uma experiência única que dá vontade de repetir.


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