Cultura e associativismo foram primeiros alvos da extrema-direita no poder em Bruay

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Há oito anos, Maggie e Anaïs abriram o Bookkafé, um bistrô que pretendia ser um "lugar de partilha, de diálogo e de encontros" e, também, um lugar onde a comunidade LGBT se pudesse sentir à vontade.

"Organizámos imensos concertos de `punk`, de `rock`, com gente de todo o mundo: tivemos argentinos, alemães, do Quebeque (Canadá). Como era grátis, dinamizámos um bocado Bruay: tínhamos senhores com 70 anos a virem ouvir `punk`", recorda Maggie, a rir, à Lusa.

Oito anos depois, o café já só abre às sextas-feiras e, à porta, vê-se agora um aviso: "Aproveitem bem antes do fim. A 26 de setembro, fechamos as portas".

À Lusa, Maggie recusa associar diretamente o encerramento do café ao crescimento da extrema-direita nesta terra - a câmara municipal foi conquistada pela União Nacional (RN, na sigla em francês) em 2020 e o partido obteve aqui o seu melhor resultado a nível nacional na primeira volta destas legislativas -, salientando que "as pessoas simplesmente deixaram de vir ao café".

"Talvez o que nós temos para oferecer simplesmente não se adeque ao que as pessoas de Bruay desejam", salienta Maggie, que nasceu na vila, neta de um mineiro polaco que trabalhou nas minas de carvão que havia em toda a região do Pas-de-Calais, bacia mineira do norte de França.

A gerente do café salienta que nunca teve qualquer problema com a autarquia da RN, mas refere que as suas políticas tiveram provavelmente um "efeito pernicioso" que poderá ter contribuído para o fim do seu café.

"Eles extinguiram a cultura em Bruay, o que faz com que haja menos gente a vir aqui, porque antes havia pessoas que iam ver um concerto ao centro da cidade e depois vinham aqui beber um café. Isso agora acabou", salienta Maggie, que aponta ainda para um coração laranja `grafitado` numa das paredes do edifício para esconder, por baixo, uma cruz celta, símbolo da extrema-direita.

"Não sei quem grafitou isto, mas definiram o café como um alvo a abater. Não sei se era esse o propósito de quem grafitou isto, mas de qualquer forma foi assim que eu e as pessoas que frequentam o café o interpretámos", diz.

Lisette Sudic, antiga conselheira municipal de Labuissière do partido Europa Ecologia Os Verdes (EELV), da oposição, diz que está em curso "uma aniquilação total de tudo o que era ferramenta cultural ou associativa" da vila.

A militante ecologista salienta que a estratégia utilizada pela Câmara Municipal é de "ir minando" as instituições, não lhes manifestando abertamente hostilidade, mas criando progressivamente um ambiente que as impede de desenvolverem a sua ação, até que as obriga a desaparecer.

Sudic dá o exemplo do antigo "Gabinete para a Juventude", uma organização independente que lidava com a juventude na vila e que, desde que a RN assumiu o poder, foi perdendo as subvenções públicas até lhes ser dito que teriam de ceder o edifício onde trabalhavam e que pertencia à autarquia.

"Tiveram de fechar em abril. Foi um trabalho que foi feito em imensas associações da aldeia: basta tirar as subvenções e as associações deixam de funcionar. Eles depois integram-nas na autarquia ou metem lá gente deles", refere, salientando que é uma "tática já experimentada" em outros territórios da RN, como a cidade de Hénin-Beaumont, onde Marine Le Pen concorre sempre a eleições.

Depois do tecido associativo, Lisette Sudic diz que, agora, a autarquia tem os olhos postos na cultura e, em particular, no cinema da aldeia. Até agora, o cinema Les Étoiles, ao lado da principal artéria comercial da vila, era gerido por uma organização independente, apesar de pertencer à câmara, e projetava filmes como "Uma Verdade Incoveniente", de Al Gore, ou de realizadores locais, por exemplo sobre a história das minas.

"Agora, querem que fique na mão deles [a partir de 01 de janeiro de 2025]. As pessoas ficam lá a trabalhar, mas são eles que definem a programação", lamenta a militante ecologista, que salienta que, a partir do momento em que a extrema-direita detiver os principais polos de cultura, "pode reescrever a história".

Maggie, que se prepara para entregar à Câmara as chaves do seu café, diz que não sabe o que é que pretendem fazer do edifício, mas manifesta preocupação com um eventual Governo RN.

"Aqui vimos no que deu e o que se passou em Bruay acabaria por acontecer a nível nacional: seria o fim da cultura, da tolerância, da abertura de espírito, desta vontade de descobrir e de propor coisas novas. Isso iria desaparecer e ia aparecer uma nova coisa: a vontade de gerir tudo", diz.

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